O NEGRO É A COR MAIS CORTANTE

COMO SERIA NOSSO PAÍS SE AQUELES POR NÓS EDUCADOS ESTIVESSEM EM PROFISSÕES DE PODER?
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26.05.2021

Helen Salomão / Ronald Santos Cruz

Vira e mexe eu viajo em uma provocação que surgiu em mim, sei lá como. Tecemos críticas diárias ao governo, à mídia, à segurança pública, que o esgotamento tem sido constante e praticamente geral. Uma luta que nos agonia, nos cansa e parece não ter fim. É a violência, a miséria, as vacinas ou a falta delas, saúde, e tudo o mais que se assemelha a isso. O paradigma produzido pela sensação de vazio versus o peso por estarmos cheios, tem levado a muitos o desejo de entrar em off.

Será que parte de nossa luta não está focado no alvo errado? O que tem nos esgotado é um sistema estrutural que privilegia um grupo pequeno de pessoas. O problema está na estrutura, este é o local que deve ser atacado. Onde nasce o machismo, o racismo, a lgbtfobia, o capacitismo e por ai vai. Por isso eu te pergunto: “Já pensou em criar sua filha ou seu filho para ser presidente do país? Como seria o Brasil se ela ou ele governasse?”

Lindinaldo Filho – Foto: Ronald Santos Cruz

Esta provocação me leva para tantas possibilidades e lugares, que chego a pensar se isto pode ser real, ou é apenas uma utopia. Sei que criar uma criança é uma missão árdua, que requer muito jogo de cintura, ainda mais quando não tem só uma, ou quando esta criança tem apenas um dos responsáveis por si, mesmo que este responsável não seja seu pai ou sua mãe. Todavia precisamos lembrar que essa ou esse petiz tem um futuro e que nós o ajudamos a construir.

Imagine como seria nosso país se aqueles ou aquelas por nós educados estivessem em profissões de poder, lugares onde decisões importantes são tomadas e rumos são decididos. Nossas crias têm perfil diferente daqueles que criticamos? Estamos ensinando corretamente as razões de nossas queixas? Além de falarmos para serem educados e educadas constantemente, falamos também palavras que elevam a autoestima, que dão segurança e confiança? Palavras que geram vida e força para nossas crianças, deixando-as corajosas para lidar, de seu jeito, com os perrengues da vida?

Foto: Helen Salomão

Ao ver o negro como a cor mais cortante, o escritor Lima Barreto descreveu um cenário horrível. Preso em um manicômio por conta do alcoolismo, seu personagem no livro “Cemitério de Vivos”, nos conta de seus dias neste lugar onde os doentes são em sua maioria pessoas negras, mas ao isolar esta frase, ressignifico esta comparação para visibilizar nosso potencial, não para buscar uma superioridade com a qual somos oprimidos por anos, mas para mostrar que há espaço para todos e nossa origem não limita nossa capacidade.

MILITÂNCIA – DESVALIDAR ESTAS LUTAS POR CAUSA DO CARÁTER DOS LUTADORES É NÃO OLHAR NO ESPELHO

Acredito que os escravizados negros que viveram em 1871, ao ouvirem sobre a Lei do Ventre Livre, pularam de alegria por saberem que seus rebentos teriam agora um futuro diferente, mas esta ideia de os filhos serem livres não passava de coisa “pra gringo ver”. Na real, os donos de escravos deveriam libertar as crianças ao completarem oito anos de idade e com uma indenização, ou, aos 21 anos sem indenização. O que acham que acontecia? Pois é, as crianças trabalhavam de graça nestas famílias até chegarem à maioridade.

Lindinaldo Filho – Foto: Ronald Santos Cruz

Nos fizeram crer que nosso lugar de assento não é nos salões, ou salas de reuniões e criações. Lembro-me do que diz Carine Narciso na música Carapuça: “Conto história de Dandara na minha quebrada / E os moleques diz assim: Tia, não ouvi falar / Achei que a gente não tinha história / Além daquela de nos escravizar”. Sabemos que esse sistema continua ativo por que passa de pai para filho para neto e assim vai rendendo. É hora de construirmos novas narrativas, de a história nos ter como protagonistas também, não mais como figurantes.

A mudança de mentalidade e educação deve entrar em ação já, para que assim a nova geração ocupe com consciência e sabedoria a cadeira que ela quiser ocupar e nunca se envergonhar de sua trajetória, que começou há muito anos atrás, antes mesmo de respirar o primeiro ar. E agradeço ao fotógrafo Ronald Santos Cruz por me lembrar de um provérbio ioruba que diz: “Orí eni ní um’ni j’oba”, traduzindo, “A cabeça de uma pessoa faz dela um rei”.

Modupé

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