Militância – Desvalidar estas lutas por causa do caráter dos lutadores é não olhar no espelho

UBUNTU – Eu sou porque nós somos
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24.02.2021

Matheus Leite

Uma onda cresceu nos últimos dias sobre a palavra militância. Esta palavra está no pódio, como estiveram pouco tempo atrás “empoderamento”, “mimimi”, “lugar de fala” e “vidas negras importam”. E é sobre estas e outras vidas que quero falar.

Vivemos em um mundo onde a desigualdade social é enorme e isso não é novidade. Desde criança precisamos nos encaixar em bolhas para sobrevivermos, porém a escolha não é feita por nós e sim por outros que nos colocam nestes lugares para que no futuro possamos ser bem aceitos socialmente.

E quando não nos encaixamos nestes lugares, o que devemos fazer?

Na minha vida encontrei a resposta me aproximando daqueles e daquelas que como eu, não se sentiam confortáveis nos espaços que foram impostos, usando sempre máscaras para serem aceitos, porém no momento de virada de chave, me “descobri” negro, gay e nordestino. Entrei pra guerra!

A militância social é para aqueles e aquelas que estão fora do padrão, que não estão na lista branca, hétero, cis, masculina, bípede e cristã. E fora desta lista, estão finalmente alguns participantes do famoso reality show “Big Brother Brasil” – edição 21.Numa edição histórica em que, quase 50% dos participantes são negras e negros – algo que tanto pedimos – o protagonismo negro se tornou algo negativo.

Vimos nestes dias o céu e o inferno da militância. Não quero falar sobre coisas que estamos saturados de ler, ouvir e ver, minha intenção é uma tentativa de análise sobre tal situação, precisamos entender que militantes legais podem ser pessoas chatas, mentirosas ou até mesmo preconceituosas.

É difícil compreendermos que ninguém é 100% mocinho ou vilão, e acredito que isso é fruto de um pensamento herdado dos contos de fadas em que, ou se é fada madrinha ou bruxa má do oeste, e nunca lobo mau e bom ao mesmo tempo. Herança essa que sempre quer nos colocar na perfeição dentro do que é bom, agradável e amável; se fugimos disso com atitudes reprováveis pela sociedade, logo somos imperfeitos e dignos de sermos cancelados.

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Quem se lembra do símbolo do Yin Yang? Que em seu mistério nos ensina sobre uma vida equilibrada para chegarmos à perfeição. Quem se lembra dos deuses gregos, nórdicos, orixás ou os encantados? Que mergulhados em suas divindades tem atitudes dignas de aplausos, como também atitudes ditas repreensíveis, mas que não deixam de ser seres divinos.

Militar significa trabalhar intensamente em prol de um objetivo a conquistar. E a nossa urgência em agarrarmos estas lutas sociais é muito importante, afinal queremos um mundo mais justo em que as diferenças não sejam motivos para exclusões, invisibilidades, falta de oportunidades, preconceitos ou até mesmo mortes.

Mesmo com o foco atual nas lutas raciais – em especial as vidas negras- necessitamos compreender que há outras batalhas acontecendo também, há causas feministas, LGBTQIA+, anticapacitistas, indígenas, ambientais e por aí vai.

Ao desmerecermos a militância negra, corremos o risco de desvalidar as demais militâncias, afinal, queremos chegar ao mesmo lugar de igualdades e sinceramente, não veremos isso com nossos olhos, lutamos pela nossa descendência.

Há uns que lutam como Malcom X, outros lutam como Martin Luther King, e tudo bem. São visões diferentes que buscam o mesmo fim. A discussão sobre a melhor maneira de exercer o ativismo só nos empobrece, nos enfraquece e traz dores. Esquecemos que numa luta pela igualdade também somos plurais, pensamos de maneira única que pode somar com uns e não com outros, mas tudo bem também, ninguém tem obrigação de concordar com o que falo, porém, que tal abrirmos um espaço para essa reflexão?

Há momentos em que a ação agressiva é muito válida, o que dizer da Revoltas dos Alfaiates ou da Chibata, só pra começo de conversa? Foram lutas onde o protagonismo negro trouxe mudanças significativas, todavia, os opressores tentaram, e ainda tentam abafar nossa história, que inclusive é contada pela sua versão dos fatos como “movimentos subversivos que espalhavam o terror”.

Há outros momentos em que o combate segue por vias de caneta e papel. Salve Luiz Gama! Salve Abdias Nascimento! Salve o Teatro Experimental do Negro! Salve! Salve! Salve!

Não podemos desqualificar as formas de batalha. Ambas alcançaram êxito no que se pretendia.

A BBB Lumena Aleluia tem sua maneira fervorosa de resolver questões que acredita, e isso pode ser difícil para compreensão de muitas pessoas que não concordam com seu jeito (o mundo não está preparado para o dendê da mulher baiana). As pautas que ela levanta são indispensáveis, entretanto o contexto para seus discursos não fecha a conta, em rede nacional soa violento, mas os oprimidos sabem quantas vezes já foi preciso “baixar a Lumena” para se defender. Termos ciência disso é imprescindível pra nossa causa.

Nem sempre as questões raciais são pivôs de desentendimentos, digam-se os últimos acontecimentos entre as BBBs Karol Conká e Camilla de Lucas. Precisamos estar atentos a isso, senão, podemos adoecer tanto a nós quanto a outros e os nossos relacionamentos.

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Agora pensa em uma coisa: quem garante que numa disputa por R$ 1,5 milhão, mergulhados numa casa com dezenove pessoas desconhecidas, sendo vigiados por todo Brasil sem saber o que de fato pensam, agiríamos diferente de alguns participantes?

Assistir a este programa é também um momento de autorreflexão para nossa existência como manifestação política nas relações. E o que seria de nós se não houvesse a militância? Desvalidar estas lutas por causa do caráter dos lutadores é não olhar no espelho.

O objetivo primordial dos movimentos ativistas deve ser o seu fim. Mas isso vai ser pauta para outro momento, enquanto isso, vamos voltar pro jogo, pois como diz Lélia Gonzalez “não há mais tempo para lamúrias, temos que arregaçar as mangas e virar o jogo”.

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