No começo do mês de maio, a Volkswagen agitou todas as mídias sociais, ao elaborar uma peça publicitária inicialmente ao Instagram, com um casal homoafetivo, com o intuito de reposicionar o modelo do carro Novo Polo. Na comunicação, a empresa ressaltou as seguintes frases: “Sabe o que evoluiu junto com você? O Polo”. Em seguida, diz que “o que já era bom ficou melhor” e ressalta avanços tecnológicos do modelo.
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Porém, o público que estava acostumado a comprar o Novo Polo (denominado hétero top – indivíduo que tem a necessidade de mostrar para a sociedade o quanto ele é hétero) não gostou da proposta da empresa, onde a Volks recebeu uma enxurrada de comentários homofóbicos e gerou muitos memes, além de muitos proprietários do veículo quererem vendê-lo e pressão das concessionárias parceiras da Volks, para deletar a peça publicitária.
Medir a sua masculinidade apenas por conta de uma comunicação inclusiva pode ser fruto de uma cultura pautada na masculinidade tóxica ou frágil. Você já ouviu falar desse termo?
A partir do momento com o qual se identifica o gênero do bebê, ainda na barriga de sua mãe, culturalmente espera-se que pessoas que nasçam com uma genitália tenham comportamentos distintos para tornar-se socialmente aceitos: homens não podem chorar, devem resolver as coisas na “porrada”, ocultar seus sentimentos, não buscar ajuda e demonstrar suas fragilidades, são postos desde criança à competição, devem usar azul e gostar de futebol, não podem demonstrar carinho e afeto, não podem comer banana ou chupar sorvete em público, não podem sentar de pernas fechadas, devem falar grosso, não levam desaforo para casa, devem a todo momento fazer sexo e nunca falhar ou negar uma “trepada”.
Além disso, muitos homens são postos em grupos de Whatsapp que disseminam pornografia e preconceitos, onde muitas vezes não podem desabafar profundamente sobre seus medos, angústias e anseios e se saem desses grupos, ou são postos novamente, ou são excluídos e julgados por outros homens.
Existe um conceito que descobri recentemente denominado “A Caixa dos Homens (Men Box)”, documentário exibido no Youtube, e que pode explicar melhor a masculinidade tóxica e o que se espera da performance do homem em nossa sociedade.
Tudo que está “dentro da caixa” é o aceitável para o comportamento do homem. Tudo que está “fora da caixa” é veementemente rejeitado: Dentro da caixa, os comportamentos esperados:
– forte, durão, intimidador, sob controle, respeitado, atlético, poderoso, rústico, assustador, não mostra fraqueza, provedor, macho, grande, não responde a ninguém, jogador, rico, sexual.
– ser dominante e agressivo sempre que possível
– buscar sexo a todo momento
– julgar qualquer traço de masculinidade não heterossexual como inferior
– evitar expressar emoções
– nunca dar sinais de fraqueza e nunca fazer “coisas de mulher”
Fora da caixa, como será julgado caso se comporte fora do esperado:
– bicha, viado, fresco, fraco, menininho da mamãe, trouxa, afeminado. Toda vez que o homem sai “dessa caixa”, ele é julgado pela sociedade.
Ou seja, o homem cresce cheio de proibições e rejeita tudo que possa abalar seu lado “viril”, como se ter um carro que fez uma comunicação inclusiva com um casal homoafetivo fosse tornar aquele que o possui menos “macho”, fora desse ideal masculino construído pela sociedade. Muitos homens queriam vendê-lo, por conta disso.
A masculinidade frágil é fruto de uma sociedade patriarcal e machista e falar sobre ela não significa odiar os homens, mas sim se preocupar com o patriarcado que já não cabe mais ao século XXI e que é prejudicial a toda população.
Nesse século, precisamos de mais cooperação, inclusão, afeto, trabalho em equipe e a performance da masculinidade frágil é oposta a esse caminho. Não é um carro que vai tornar o “alecrim dourado” menos ou mais homem, mas sim a melhora de todos os dados sequentes, extraídos do documentário “O Silêncio dos Homens”, que pesquisou mais de 40 mil homens por todo país, coordenado por Ismael dos Anjos, iniciativa do Papo de Homem e Instituto PdH, viabilizada por Natura Homem e Reserva Produção executiva (2019).
– 83% dos homicídios e acidentes no Brasil são cometidos por homens;
– Homens vivem 7 anos a menos que as mulheres (78,3 anos – 71 anos);
– Suicidam-se quase 4 vezes mais que as mulheres;
– 17% dos homens lidam com algum tipo de dependência alcoólica;
– Quando sofrem algum abuso sexual, demoram em média 20 anos para contarem para alguém;
– Cerca de 30% sofrem ejaculação precoce ou disfunção erétil;
– São 95% da população prisional, sendo a maior parte dos encarcerados são jovens, periféricos e com ausência da figura paterna (de acordo com a CNN (2022), quase 100 mil crianças não tiveram o reconhecimento do pai em sua certidão de nascimento somente em 2021 – mais de 5,5 milhões de crianças não possui registro paterno no país);
– Negros e LGBTQIA+ sentem mais, boa parte do que foi pontuado.
Em nota enviada para a imprensa, a assessoria da Volkswagen rebate a promoção da diversidade, inclusão e identidade de gênero: “Promover a Diversidade & Inclusão é um dos pilares estratégicos da marca. A premissa da marca é garantir um comportamento respeitoso e inclusivo, dentro e fora da empresa, com parceiros diretos ou indiretos de negócio. A Volkswagen lançou uma cartilha de Diversidade & Inclusão para toda sua cadeia de fornecedores e rede de concessionárias no Brasil e, continuamente, desenvolve debates com seus funcionários, em todas as esferas hierárquicas”.
HOMOSSEXUALISMO X HOMOSSEXUALIDADE: A BUSCA PELA DESCONSTRUÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO E DO PRECONCEITO
Para o jornal Valor Econômico, a empresa destaca: “Temos como responsabilidade continuar aprendendo de que forma podemos contribuir para a luta contra qualquer forma de preconceito, pois consideramos fundamental conciliar as diferenças para a construção de uma sociedade justa para todos. No que tange a interação com os usuários, comentários ofensivos e desrespeitosos, são devidamente apagados de nossas páginas”.
De acordo com o Auto Papo (2022), blog especializado em carros do Uol, passados sete dias do anúncio, o aumento médio pela busca do Novo Polo para compra ficou ainda em expressivos 155% no comparativo com os sete dias anteriores. Passadas duas semanas, a alta ainda permanecia em 153% em relação ao mesmo período antes da divulgação da peça publicitária.
E a empresa comunicou menos o carro, depois da propaganda com casal homoafetivo: a média de anúncios despencou para menos da metade entre os dias 6 e 7 de maio. Depois, caiu quase pela metade de novo no dia 8. Voltou a crescer a partir de 9 de maio, contudo ainda continua como a menor média de anúncios do modelo em todo o ano.
Ou seja, a procura pelo Novo Polo aumentou e a disponibilidade para venda diminuiu. Por conta desse dado, uma “luz vermelha gritante” acende na minha cabeça – além da masculinidade frágil, eu também gostaria de destacar outro aspecto que vejo crescendo muito por parte das empresas: a diversity washing, ou lavagem da diversidade.
A diversity washing ocorre quando as empresas e marcas utilizam as pautas de diversidade e inclusão apenas para gerar lucro, sem se preocupar verdadeira e profundamente com esses temas.
É, de fato, interessante a Volkswagen fazer uma comunicação pautada na temática LGBTQIA+; pode ser até o primeiro passo para muitas ações que a empresa e marca querem efetuar para maior inclusão, afinal, há alguns anos, a marca esteve envolvida em diversos escândalos, dentre eles, turismo sexual, com diretores da empresa e prostitutas, que as pagavam e ainda tinham reembolso.
ORGULHO LGBTQIA+: COMO SE ORGULHAR NUM MUNDO QUE TE DIZ O CONTRÁRIO TODOS OS DIAS?
De acordo com Uol (2015), no início de 2014, por exemplo, a marca teve que devolver um importante prêmio recebido pelo Golf na Alemanha, após a constatação de fraude na contagem de votos de um concurso organizado pela ADAC, o maior automóvel clube daquele país. Conforme explica a Volkswagen, uma auditoria externa realizada no clube, entidade organizadora da premiação, revelou que diversos resultados foram manipulados para garantir vitórias que, normalmente, não seriam alcançadas.
Além do mais, a empresa se envolveu no caso Dieselgate – um dos maiores escândalos da história da indústria automobilística – por ter falsificado testes de emissões de produtos tóxicos em 11 milhões de carros. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) havia descoberto, por meio de análises feitas pela Universidade de West Virginia, que a montadora estava forjando os resultados de testes de emissão de poluentes de seus carros.
Por conta de todos esses fatores, me questiono por qual motivo a companhia selecionou o seu modelo mais “hétero top” para fazer esse reposicionamento? Será que foi apenas para gerar buzz e conquistar o Pink Money (termo usado para caracterizar a comercialização de produtos para o público LGBTQIA+)? Será que a marca faz ações voltadas ao público apenas no mês do orgulho (que está chegando), ou faz ações consistentes de marketinge de gestão de pessoas, ao longo de todo ano?
Dois alunos levantaram interessantes questionamentos. Um deles, Leonardo Carlini me disse: “professora, mas a Volksvagen não poderia ter feito uma comunicação mostrando todas as formas de amor, sem pegar um modelo de carro ou de casal gay específico (dois homens brancos padrão)? Parece até que a marca deu uma ‘forçada de barra’…”Eu também, particularmente, não achei a comunicação “natural”: parece que foi feita por pessoas que não convivem ou entendem de fato o público LGBTQIA+. Reitero que compreendo ser um começo para inclusão do público com a marca, mas poderia ter sido muito mais profunda e melhor trabalhada.
Já Caetano Souza argumentou: “por que a propaganda da Bacardi, que tem vários beijos, de várias composições de casais, raça e gênero, não teve tanta polêmica, quanto a peça publicitária da Volks?”. Talvez porque a marca de bebida sempre trabalhou com diversidade e inclusão, não querendo colocar a pauta “goela abaixo” para com seu público.
Pergunto-me também: será que a empresa tem algum plano em seu quadro de funcionários para empregar o público LGBTQIA+, principalmente em seu quadro de liderança? Será que há um ambiente harmonioso dentro da organização para que todas as pessoas possam ser o que quiserem, como quiserem, sem serem julgadas e, ao mesmo tempo, respeitadas?
Digo isso, pois tenho um ex-aluno e ex-orientando que é homossexual e atuou muito tempo em uma grande montadora e há todo momento era obrigado a engrossar sua voz, não dar “pinta” e provar que era “homem” para ser respeitado e conseguir trabalhar em paz. Atualmente, ele está bem feliz, atuando em uma empresa global de logística que de fato se preocupa com diversidade e inclusão, sem precisar performar uma masculinidade tóxica (não é à toa que esta encontra-se entre as melhores companhias do Great Place to Work).
Lembrando que diversidade refere-se aos indivíduos que compõem a sociedade com a qual a empresa está inserida. Portanto, a diversidade nas organizações abrange: mulheres, negros, pessoas de outras etnias, indivíduos LGBTQIA+, pessoas de diferentes gerações, crenças, formato de corpo, regiões do país, entre outros.
Já a inclusão refere-se à conscientização que existe diversidade na sociedade e que, para incluí-las dentro das organizações, necessita-se de uma cultura organizacional que façam com que as pessoas tenham as mesmas chances de desenvolvimento e promoção que as demais.
Ou seja, “diversidade é levar a pessoa até a porta, inclusão é convidá-la para entrar e se sentir parte daquela casa”. Portanto, não adianta nada comunicar-se com o público apenas em datas específicas e não praticar de fato a inclusão em todas as esferas organizacionais.
NOSTALGIA: TENDÊNCIA DE MERCADO POTENTE QUE GERA MUITAS VENDAS
Uma vez, em uma conversa com uma grande amiga, que atuou há mais de duas décadas no mercado automobilístico, numa grande empresa global, ela relatou que já treinou vários de seus pares homens promovidos, onde muitos deles, não entregaram resultados tão consistentes quanto os dela, ou não falam fluentemente várias línguas, como ela. Além do mais, não podia falar que se separou, para não ser assediada por seus pares e também sofria pequenos preconceitos por ter mais de 40 anos e não ter filhos.
Outra ex-aluna também trabalhou numa grande empresa automobilística e me disse que pediu para sair de seu tão sonhado estágio na área de qualidade, devido aos inúmeros assédios que sofria diariamente, por ser mulher e considerada dentro dos padrões de beleza impostos pela sociedade. Era a todo momento objetificada e ninguém a levava à sério. Por conta desses traumas, ela ainda toma remédios controlados para crise de pânico e ansiedade.
Eu mesma trabalhei na indústria automobilística e uma vez fui a uma feira voltada às mecânicas. Mesmo trajada com roupas formais, a todo momento, homens vinham me falar palavras de baixo calão, como se meu corpo não fosse meu e como se eu estivesse ali à serviço deles. Só de pensar, me dá arrepios. Além do mais, muitos pares, ao descobrirem que sou uma mulher solteira já me ofereceram para sair com eles, sem eu dar a mínima abertura, e quando eu era casada, a tratativa era diferente, afinal, “meu corpo tinha um dono”.
Portanto, nós consumidores, precisamos ficar atentos a alguns pontos, antes de comprarmos de empresas que se dizem preocupadas com diversidade e inclusão, mas que, no fundo, desenvolvem apenas comunicação para conquistar o dinheiro da diversidade e não estabelecem planos mais profundos perante o assunto. Seguem algumas perguntas estratégicas para desmascararmos a diversity washing:
– Será que a empresa atua, de fato, com times diversos dentro da organização?
– Será que ela possui diversidade e inclusão em sua liderança?
– Quais são os planos da empresa nos próximos anos para empregar e promover a inclusão dentro da organização?
– Como essa empresa conscientiza e trabalha com seus stakeholders?
– Será que essa empresa comunica-se com diversidade ao longo de todo ano, ou só faz isso perto dos meses do “Orgulho LGBTQIA+?
– Será que o produto é confeccionado especialmente para satisfazer as necessidades do público LGBTQIA+, ou é só uma mera comunicação ou um produto que reforça estereótipos (tenho até amigos que são gays – essa galera gay é engraçada, né?)?
Que nós, consumidores, tenhamos espaço para sermos quem quisermos, como quisermos, sem julgamentos, mantendo os nossos olhos sempre bem atentos, e que as empresas realmente promovam a diversidade e inclusão, muito além de meras datas comemorativas, efetuando trabalhos mais profundos e duradouros, em todas as suas esferas.