A Maison Chanel, na rue Cambon, é envolta por glamour. Foi o primeiro endereço aberto por Gabrielle “Coco” Chanel em Paris, e até hoje se mantém a loja conceito da marca. As escadas ladeadas por espelhos são o destaque de uma decoração em preto, branco e bege – elegante e clean. É no segundo andar que ficam os camarins para as provas de roupa e onde as peças das coleções de alta costura vão sendo penduradas em armários envidraçados, de onde se vêem vestidos longos, bordados e brilhos.
O diretor criativo da Chanel, Karl Lagerfeld, chega pelo terceiro andar descendo rapidamente as escadas, e fico boquiaberta em vê-lo ao vivo novamente após quinze anos, magro, ágil, falante, sorridente e literalmente beijando todos que estavam a postos: das modelos e atrizes aos profissionais da beleza, passando por cada profissional de seu staff. Aquela imagem séria e um tanto distante que caracterizava suas fotos – e quando o vi pela primeira vez, numa seleção para um desfile – fazia parte da persona que ele criava em frente às câmeras e do grande público.
KAISER KARL LAGERFELD – O VISIONÁRIO DA MODA
Acredito que por ser muito conhecido e assediado, não só no universo da moda, mas mundialmente, Karl usava desse artifício de um criador sisudo para se preservar. Uma tarefa nada fácil para um homem de quase 1,80m com cabelos totalmente brancos, compridos, amarrados num rabo de cavalo, e vestido de maneira extravagante. Mas na intimidade da Maison Chanel, seu escritório e ateliê de trabalho desde 1983, o estilista zanzava à vontade sem flashes, dando ordens para a equipe em francês, inglês e, quando ficava agitado demais, em alemão – o que dificultava enormemente o entendimento da instrução.
Um pequeno exército ficava à disposição dele – em sua maioria, mulheres naturalmente chiques, vestidas de preto e branco, com acessórios queridos à marca, como camélias, pérolas e sapatos bicolores – mas o principal assistente era mesmo… o garçom. Viciado em coca-cola light depois que uma dieta radical o fez perder 42 kg poucos anos antes, Karl bebia o refrigerante o tempo todo – e o simpático atendente nunca deixava o copo vazio, mesmo entre trocas de figurinos, decisões sobre cabelo e maquiagem e comentários ora engraçadinhos, ora mordazes sobre a nossa musa em comum: Coco Chanel.
Ele não achava a sua antecessora especialmente bonita, e não fazia a mínima questão de esconder o fato. Também comentou que ela não gostava de mostrar os joelhos das mulheres, concebendo sempre saias mais longas. Ao que ele, Karl, teve que renunciar, afinal as novas gerações exigiam criações contemporâneas, arrojadas e de encontro com os novos tempos. Ou seja, dos croquis desenhados por ele ao longo de 36 anos à frente da Chanel, saíram não apenas minissaias, mas também jeans, pares de tênis, biquínis, pranchas de surf e outras peças inimagináveis na época de Mademoiselle.
50 ANOS DA MORTE DE COCO CHANEL – LEGADO DA ESTILISTA SUPERA SUAS CRIAÇÕES
Assim que foi contratado para ser o diretor de criação da Chanel doze anos depois da morte de Gabrielle em 1971, Lagerfeld soube que precisava mudar para manter a grife a mesma: uma marca relevante, funcional, feita para uma mulher independente e de atitude. Se a Chanel revolucionou o guarda-roupa feminino no início do século XX criando peças confortáveis, com modelagens simples e inspiradas no vestuário masculino, além de abarcar o segmento de lazer/esportes que crescia na sociedade francesa, o visionário alemão chegou décadas depois para dar continuidade ao apelo glamuroso e moderno da marca, adaptando o então refinamento atingido por Gabrielle para uma visão descolada de grandes clássicos. E fez isso com enorme genialidade, apresentando a cada coleção releituras e ressignificações de um conceito solidificado há mais de um século.
Em sua habilidade artística e trânsito aberto em tantas áreas como a ilustração, a fotografia, a literatura e o design de interiores, não fica difícil entender a facilidade com que ele inventava moda. Sempre atento aos novos rumos e tendências de um setor que, com Karl, se tornou ainda mais especial e requintado. A moda atual decididamente não seria a mesma sem as contribuições do artista que soube captar a síntese do estilo Chanel e jogá-la para o mundo.
E quanto ao final deste dia ímpar em que pude não apenas desfilar para ele um tanto de seus vestidos e tailleurs, mas também participar do seu cotidiano, conhecendo a Maison e discutindo ideias, fica na minha memória o elogio marcante para uma modelo: “você é divina!”. Vindo do “rei” alemão da moda francesa, vamos combinar que não é pouca coisa.
Laura Wie e o elenco da peça Mademoiselle Chanel foram recebidos por Karl Lagerfeld e sua equipe na Maison Chanel, dias antes da estreia em Paris.