O dia 19 de fevereiro marca os dois anos da morte de Karl Lagerfeld, um dos criadores ícones da moda mundial. Mais conhecido pela direção criativa da Chanel, o estilista de personalidade forte e enigmática emprestou o seu talento para várias outras grifes internacionais – além da sua marca homônima KL – atuando também como fotógrafo, ilustrador, diretor de arte e editor. Um multiartista cujo olhar único para a moda, arte, cultura e o comportamento deixou um vácuo de estilo e sagacidade para as gerações que virão. Felizmente seu legado ficou entre nós.
Paris, 1990. Minha agência de modelos me envia para o casting do próximo desfile da grife Karl Lagerfeld. Depois de passar por várias pré-seleções com assistentes, em uma enorme sala com centenas de manequins que tinham o mesmo tipo físico que o meu, eis que vou chegando cada vez mais perto do kaiser – o “rei” alemão já dava as cartas na capital da moda há pelo menos 35 anos. A figura daquele homem grisalho e bastante robusto (sim, ele ainda era um senhor bem acima do peso nos anos 90), de rabo de cavalo e óculos escuros em um ambiente fechado, trazia ao mesmo tempo as sensações de curiosidade e ansiedade. Quem era do métier sabia muito bem da importância mundial daquele criador, e trabalhar com ele era um sonho para qualquer modelo. Infelizmente eu não consegui ultrapassar o penúltimo grupo de selecionadas e fiquei com “água na boca” por exatos 15 anos até ser recebida por ele na Maison Chanel, em 2005, para as provas de roupa da peça Mademoiselle Chanel.
Nascido em Hamburgo em 1933, em uma família bem-sucedida, Karl Lagerfeld desde cedo teve acesso à alta cultura. Nos anos 50, já em Paris, ganhou o concurso da Secretaria Internacional da Lã pelo desenho de um casaco, que foi então produzido pela renomada casa francesa Pierre Balmain. A partir daí foi convidado pelo próprio Balmain a ser seu assistente e entrou numa espiral de grande expressão, trabalhando como diretor de estilo ou freelancer em várias etiquetas internacionais, como Jean Patou, Chloe, Charles Jourdan e Valentino. Em 1965 se torna diretor de criação da empresa de peles italiana Fendi, e em 1983 assina com a Chanel, mantendo ambos os contratos até o fim da vida.
50 ANOS DA MORTE DE COCO CHANEL – LEGADO DA ESTILISTA SUPERA SUAS CRIAÇÕES
No ano de 1984 criou sua marca própria Karl Lagerfeld. Com olhar diferenciado não só para a alta costura e o prêt-à-porter de luxo, mas também com um aguçado tino comercial, ele desenhou coleções populares para a H&M e Diesel entre outras, e num movimento praticamente oposto, compôs figurinos para o teatro, balé e ópera. Karl adorava diversificar suas atuações e fotografou inúmeras campanhas para revistas, criando ainda as ilustrações para uma edição do livro “As Roupas Novas do Imperador”, de Hans Christian Andersen. Inquieto, cheio de ideias e ótimas parcerias, abriu livraria em Paris e na sequência uma editora especializada em livros de literatura, biografias, fotografia, moda, arte e música. Com vocação legítima para o belo, concebeu com sensibilidade espetacular a decoração de duas suítes do renomado e tradicional Hotel Crillon, na Cidade Luz. Um verdadeiro esteta, reconhecido pelo universo fashion e artístico nos quatro cantos do planeta.
Não foi surpreendente, então, quando em 2010 o designer recebe o prêmiovisionário da moda pelo conselho de alta costura do FIT (Fashion Institute of Technology, de New York) e em 2017 a menção do British Fashion Award por sua contribuição excepcional à moda.
Karl Lagerfeld foi um verdadeiro gênio criativo, cuja postura aberta ao espírito do seu tempo e a disponibilidade para empreender em conceitos variados (e mesmo contraditórios), tornou o estilista um dos primeiros da indústria da moda moderna a circular com tanta naturalidade e autoridade por diversos estilos, áreas e segmentos, ultrapassando as fronteiras “do vestir” para se tornar um dos maiores nomes da história da criação. Quanto à minha experiência pessoal com o Kaiser na Maison Chanel… Contarei tudo na próxima coluna! Só posso dizer que foi mais positiva e curiosa do que eu esperava!
D’accord?