Pele maquiada, sobrancelhas arqueadas, nariz fino e lábios carnudos em apenas um clique. Não importa a hora do dia, os filtros do Instagram estão sempre preparados para tirar a selfie – considerada – perfeita. Para alguns, essa é apenas uma maneira prática e até mesmo divertida de disfarçar uma cara de sono, ou uma aparência de cansaço em fotos e vídeos. Mas para outros, os filtros embelezadores vem tomando uma dimensão muito maior.
POR QUE E PARA QUE(M) VOCÊ SE DEPILA?
O Instagram é uma das redes sociais mais utilizadas atualmente. Nos últimos anos vem ganhando bastante espaço na vida de muitos usuários. Desde a atualização de 2016 que permite a criação dos stories (aquelas publicações que somem após 24h), os filtros se fazem muito presentes nas fotos e nos vídeos. Deixando de lado aqueles engraçados ou fofos, os filtros que transformam nossa aparência vêm ditando uma padronização dos nossos rostos, o que deu origem à expressão Instagram Face (rosto de Instagram, em português).
No livro “O Instagram está padronizando os rostos?”, a autora Camila Cintra explica: “O selo ‘Instagram Face’ atesta, portanto, um rosto com características específicas, que serve como novo padrão célebre de referência e beleza. Surgido no contexto da rede social, é um padrão que expande para outros ambientes sua estética e modos de ser, indo além da plataforma digital”. A partir do momento em que pessoas vão atrás de procedimentos estéticos para ficarem parecidas (ou idênticas) à sua própria imagem filtrada, nós enxergamos o quanto os filtros podem mexer com a aceitação da própria imagem e também criar um ideal de beleza artificial.
É praticamente impossível falar de Instagram Face ou selfie perfeita sem falar sobre as influenciadoras digitais, que estão ganhando cada vez mais espaço nas redes sociais. Dentre os nomes mais falados nesse meio, estão as irmãs Kardashian, em especial Kim e Kylie. Donas dos perfis com um dos maiores números de seguidores, Kim Kardashian e Kylie Jenner são influenciadoras de beleza, donas de rostos modificados em procedimentos estéticos e exemplos de selfies perfeitas. Com suas próprias marcas de maquiagem, as influenciadoras empresárias vendem produtos que prometem deixar o nariz fino ou os lábios carnudos iguais aos delas, e também dão dicas e truques para a selfie tão desejada.
“Somadas as forças, – e em gerações etárias diferentes, não é de se estranhar a potência simbólica que as duas irmãs representam e o impacto que têm no imaginário e projeção de diversas jovens que aspiram a ser, pelo menos em parte, como elas. Uma espécie de colonização desse imaginário pelo clã Kardashian. Na era do Instagram, em que o rosto está em evidência e o rosto mais evidenciado é o Kardashian-Jenner, tal padrão de beleza se universalizou. Um novo ideal de rosto a ser alcançado; desta vez com os passos para chegar a ele bem claros – e, por que não, bem caros”, escreve Camila Cintra em seu livro.
O Brasil é líder no ranking mundial de cirurgias plásticas em jovens. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos houve um aumento de 141% no número de procedimentos estéticos entre jovens de 13 a 18 anos. Um dos mais procurados é a rinoplastia – cirurgia que remodela a estrutura nasal. Em 2017, uma pesquisa da Academia Americana de Cirurgiões Plásticos mostrou que 55% das pessoas que fizeram rinoplastia naquele ano tinham como objetivo sair melhor em selfies. Preenchimento labial e harmonização facial também vêm sendo cada vez mais procurados em clínicas estéticas, e se antigamente os pacientes levavam fotos de celebridades para mostrarem com quem queriam parecer, hoje levam suas próprias fotos filtradas.
Em maior ou menor grau a busca pela beleza padronizada me impacta com alguma frequência. Eu não acordo todos os dias amando cada traço meu, assim como nem sempre fico satisfeita com todas as minhas selfies sem filtro. Porém é interessante refletir o quanto esse novo padrão de beleza está distante da natureza humana e requer bastante interferência estética. Essas modificações nos fazem perder traços característicos de quem somos e também de onde viemos.
“Uma reflexão possível é: o que se quer ser quando se deseja o mesmo rosto do outro? De qual parte de nós abrimos mão nessa incorporação? A identidade nasce justamente da marcação da alteridade, da diferença subjetiva em relação a esse outro. Se o rosto é tão fundamental na construção de nós mesmos e nessa relação, não estamos terceirizando demais a tarefa? Fato é que, por debaixo dos filtros digitais, o rosto está de fato se reinventando. A nós, cabe a tarefa de não-alienação”, completa Cintra.