Somos ensinadas desde muito cedo que o pelo deve ser arrancado do nosso corpo. Áreas como axilas, virilhas, pernas e buço não devem, de forma alguma, ser mostradas com pelos. A imagem do corpo ideal da mulher, criado pelo padrão de beleza, mostra sempre uma pele “lisinha”. A sociedade não trata o pelo como algo natural do corpo da mulher adulta, e os pelos frequentemente são relacionados a descuido, feiura e sujeira.
Lembro bem de quando surgiram os primeiros pelos em mim. Tinha por volta de 11 anos e me preparava para ir a uma festa de aniversário quando percebi alguns poucos pelos na minha axila. Já naquele momento, olhei-os com bastante incômodo e nojo. Quase troquei de roupa para não ficar com a axila à mostra. “E se rirem de mim?”, eu pensava e às vezes penso até hoje. De lá para cá, perdi a conta de quantas vezes passei calor porque deixei de vestir uma roupa que mostraria minha perna ou axila peluda. Cheguei ao ponto de ter vergonha até da própria depiladora. Hoje em dia, já tenho uma relação muito mais amigável com meus pelos, às vezes até topo mostrá-los e me sinto em paz com isso. Mas ainda existe um caminho longo pela frente.
A VIDA ANSIOSA OFERECIDA ÀS MULHERES
Acredito que o principal, e talvez o mais difícil, seja normalizar os pelos e quebrar de vez com essa associação sem sentido (que nos ensinaram) de que mulher que tem pelo é feia, é nojenta, descuidada e suja. E quando digo que talvez seja o mais difícil, é porque a mídia e os olhares alheios (e por vezes até o nosso próprio olhar) reforçam essa visão completamente equivocada e contrária à natureza dos nossos corpos, enquanto mamíferos.
“Os pelos são anexos epidérmicos queratinizados exclusivos dos mamíferos. Apresentam as funções de termorregulação, dissimulação no ambiente e proteção mecânica” (HERSHKOVITZ 1977, POUGH et al. 1999). Há alguns anos venho me questionando se realmente prefiro meu corpo depilado, ou se me depilo para agradar olhares alheios e corresponder ao que chamam de feminilidade. Talvez muitas não se sentiriam incomodadas com seus pelos se não fossem os julgamentos e a pressão em arrancá-los.
“Eu realmente me sinto mais bonita quando estou depilada?” é uma pergunta que vez ou outra surge nos meus pensamentos. E a resposta pode ser sim. Nós temos todo o direito de nos achar mais bonitas de uma forma ou de outra. A questão é poder chegar a essa conclusão por nós mesmas, despindo-se desses conceitos tão enraizados na sociedade em que vivemos, na qual ditam tantas regras do que, principalmente as mulheres, devem ou não fazer com seus corpos. A depilação dói e muitas de nós têm alergia não somente à lâmina, mas também à cera. Pode acontecer reações alérgicas nesse processo que geram desconforto por dias ou semanas na região depilada. E infelizmente esse incômodo é normalizado.
EU NO ESPELHO – SERÁ QUE ME VEJO COMO SOU?
Nos últimos anos muitas mulheres vêm falando sobre o assunto e proporcionando uma reflexão sobre o tema, como é o caso da Marcela Guimarães, criadora do projeto Mulheres Adultas Têm Pelos, fanzine que aborda, através de fotos e relatos, a cultura da depilação. Aos poucos, no tempo de cada uma, sinto que estamos conseguindo tirar os tabus e desconstruir essa ideia de que mulheres não têm pelos.
“Questionar a cultura da depilação vai além de olhar para história da prática, achar que é uma questão de higiene pessoal ou que feministas querem ditar “novas regras”. É sobre a autonomia dos nossos corpos, sobre desmistificar o que acreditamos ser belo e feio, é sobre entender que o ato pode ser algo que muitas mulheres gostam de fazer, mas que não significa ser algo natural ou obrigatório”. explica Marcela Guimarães na Revista Continente.
