Mulher, dance!
Dance pra você. Dance seu corpo como ele é e está neste momento. Fácil falar, nem sempre tão fácil esse mover, não é?
A dança nos convida a ser e ocupar, numa relação de liberdade, autonomia e presença, corpo vivo no espaço em que habita, expressão do que somos, criatividade plural.
O dançar é a relação, troca, ocupação. O corpo quando se move deixa rastros, cheiro, aquece e prova existências. Mas será que todos os corpos se sentem livres pra isso? Que mulher, nessa sociedade, se move sem o peso de um julgamento do que poderia ser? É no ambiente que o corpo não acha lugar ou esse lugar precisa ser ocupado dentro dos olhos que julgam?
Existe aí uma batalha, interna e externa. Sutil? Feroz.
Machuca, fere e constrói esconderijos, lugares pra caber. Caber em roupas, assentos, espelhos, telas, caber na boca e nos olhos. O olho que julga, pesa!
O corpo que tanto se esconde, ao se mover, precisa encarar um contrafluxo social. Incomoda.
Não à toa, os protocolos para ser uma bailarina, reproduzindo um perfil estético exigido durante tantos anos, aumenta significativamente a incidência de Transtornos Alimentares na área da dança. Um recente estudo da Faculdade de Educação Física da UNICAMP mostrou que aproximadamente 59% das adolescentes bailarinas avaliadas apresentaram insatisfações corporais.
O corpo gordo, não necessariamente, é um corpo doente, essa é uma confusão de ideias que colocam corpos numa mesma caixa, numa mesma corrida por um padrão inalcançável.
“Peso Bruto”, solo de dança premiado pelo Rumos Itaú Cultural, foi um divisor de águas na trajetória de Jussara Belchior, bailarina gorda e pesquisadora de dança. Nele, ela move a materialidade do próprio corpo como caminho de empoderamento, questiona as noções da gorda como subjetividade que opera um corpo errado, inadequado, não permitido, não belo e não desejável. Ela, que já integrou a Cia florianopolitana Cena 11, escreve sobre a importância dessa criação: “Quando comecei o processo de Peso Bruto, foi por uma urgência que não sabia dizer de onde vinha. Nesse momento, a relação com meu corpo já era diferente de quando eu era adolescente, eu tinha mais carinho por mim e menos cobrança em seguir o ideal inatingível de corpo. Mas esse trabalho mudou muito meu posicionamento em relação não só ao meu corpo, mas em relação às pessoas gordas. Em defender um lugar nosso. Era importante para mim encontrar formas de apresentar o debate do corpo gordo de modo que não focasse apenas em mim ou na minha história. Mas, não tinha me dado conta de quanto isso me aproximaria de uma coisa muito maior”.
Hoje, Jussara se considera uma ativista e integra o Manada, que é um coletivo artístico de pessoas gordas que atuam em diferentes campos das artes cênicas.
“Entendo que esse coletivo se formou por conta dessa urgência que estava pairando e atravessando todas nós. Tem sido um desafio se manter na ativa tanto pela falta de dinheiro como pela impossibilidade dos encontros presenciais nesses tempos de pandemia, mas, temos insistido. Acredito que a luta gorda tem a ver com resistência e existência. Mas, sobretudo, gostaria de ressaltar como a luta coletiva é importante. Tenho aprendido muito com as pessoas gordas que cruzam minha vida. É bom saber que estamos juntas nessa luta!”
É preciso expandir essa luta mostrando o quanto é necessário falar e dançar essa urgência. “O ativismo gordo tem trabalhado para que a palavra gorda seja só uma característica de corpo, que ser gordo não esteja atrelado à preguiça, à doença, a falta de TV e assim por diante”, evidencia Jussara em seu texto “Quem é gordo?”.
Nesse mover de corpos diversos, Zona Agbara, coletivo de dança que atua na visibilidade e valorização de mulheres pretas e gordas, dirigido por Gal Martins, Dina Maia e Rosangela Alves, produziu recentemente em seu site a exposição fotográfica – “Engolindo o Mundo”, com registros marcantes de seus trabalhos e obras de Nenê Surreal em femenagem à Tuta Pilar. Salve!
“Entre um molde suspenso lutamos para Apreciação da Gordura e do amor mulheril. Uma gordura involuntária que muitas vezes é silenciada por sua curvatura e aconchego. Entre uma dobra e outra a gente mostra que o caminho é de pedras e que a justiça será feita. O rio se faz presente em nós.”
Nas nuances e no balanço das palavras de Dina Maia, o convite retorna, ecoa: Mulher, dance! Repense, um corpo você, mova-se e junte-se à beleza de ser quem se é. A beleza das dobras, do volume, do peso, na sua medida. Que cada corpo dance seu próprio mover. O convite real, é pra que você se veja, se sinta, e que se dance!