Opinião: Isolamento social e o fazer teatral

O teatro é coletivo. E precisa que a gente se (re)conheça o melhor possível enquanto indivíduo e grupo
}

07.01.2021

Reprodução

Telas, chamadas de vídeo e conexões ruins de internet nunca substituirão o corpo. Mas era preciso continuar o processo e manter-se junto. Estabelecer um vínculo mesmo à distância. Meus professores disseram que não seria a morte do teatro. Nunca achei que fosse, mas alguns podem ter pensado que sim. As adaptações levam tempo. O imediatismo tirou muito a nossa paciência e a pressa leva -muitas vezes- à desistência. Mas para aqueles que insistem, o processo de adaptação é bem único, já que é onde tudo, de fato, acontece.

Pessoalmente, não acredito que o teatro exista de maneira virtual, online e através de telas, mas aconteceram evoluções ao longo desses meses. E é inegável que essas evoluções enriqueçam o fazer teatral (quando voltarmos a ele).

Como uma estudante que não tinha ambição para o cinema ou para a TV, o processo foi e é ainda mais intenso. É preciso quebrar uma barreira que existe diante desse formato, podendo, muitas vezes, ter relação com a própria imagem. A ideia de se assistir soa bem desconfortável nos primeiros momentos e envolve uma aceitação de si. Nos primeiros meses de isolamento social, a minha resistência foi bem grande. Jurei que só queria trabalhar com a minha voz. Não conseguia me relacionar com a câmera, tampouco acreditar no que estava fazendo. Ter a possibilidade de me assistir inúmeras vezes era extremamente perturbador. Em diversos momentos me vi muito mais preocupada com a minha aparência nos enquadramentos, do que com o trabalho que eu vinha desenvolvendo. E quando conseguia me desligar dessa questão, julgava meu processo como algo ruim.

Lembro de uma aula de corpo onde a minha professora nos aconselhou a gravar um exercício mais de uma vez, e apresentar aquele que a gente gostou menos de si. Nas palavras dela, provavelmente esse seria o vídeo mais natural e espontâneo, o vídeo em que seríamos nós mesmos. Como já estávamos há meses vivendo essa adaptação, acredito que eu consegui compreender com mais facilidade essa fala, porque as reflexões sobre isso já se faziam presentes no meu dia a dia. Foi o momento em que percebi que, inconscientemente, tentamos sempre estar perfeitos. Buscamos nossos melhores ângulos para satisfazer um olhar com exigências severas e, por vezes, até inalcançáveis, criado por nós mesmas sobre nossos corpos e jeitos. Essa preocupação com a aparência não começou a existir agora, ou com esse formato. É uma preocupação que muitas e muitos de nós fomos ensinados a ter constantemente. Mas fica muito mais em evidência quando a gente se vê através de espelhos, fotografias e vídeos (algo extremamente presente nos dias atuais).

Acontece que ao ultrapassar essa barreira, adquire-se um novo olhar sobre tudo isso. O que passa a ser tão analisado é o processo em si: o que dá certo e o que talvez não; o que cabe ou não nesse projeto ou nessa cena. Compreender da maneira mais eficaz possível que essas cobranças em relação a aparência não cabem mais, traz tranquilidade;  a tranquilidade faz o processo criativo se tornar mais leve, natural e gostoso. Passamos a usar essa ferramenta ao nosso favor, explorar ideias que cabem perfeitamente para a linguagem do vídeo e se apropriar desse momento de reestruturação. E é neste ponto que tais avanços enriquecem o fazer teatral, uma vez que todas essas experiências onlines dizem muito sobre cada pessoa, sobre olhares novos, perspectivas diferentes e progressos individuais e coletivos. O teatro é coletivo. E precisa que a gente se (re)conheça o melhor possível enquanto indivíduo e grupo.

Sua notícia no Pepper?

Entre em Contato

Siga o Pepper

Sobre o Portal Pepper

O Pepper é um portal dedicado exclusivamente ao entretenimento, trazendo ao internauta o que há de mais importante no segmento.

Diferente de outros sites do estilo, no Pepper você encontrará notícias sobre música, cinema, teatro, dança, lançamentos e várias reportagens especiais. Por isso, o Pepper é o portal de entretenimento mais diversificado do Brasil com colunistas gabaritados em cada editoria.