Sou uma mulher socialmente feminina e diante de todas as exigências e roteiros que isso me solicita constantemente, não sei, se o que escolhi pelo caminho foi eu quem escolhi. Todos os dias passamos pela régua do padrão estético, e corremos o risco de nos construir para agradar mais os olhos sociais fiscais, do que a nós mesmas.
Desde criança, escuto muitas pessoas falarem que precisam emagrecer, diversos tipos físicos manifestando sentimentos de reprovação de si mesma, pronunciando que precisam perder alguma coisa, algo que está a mais, passando do limite pré estabelecido.
A gente sabe o quanto é violento ser mulher quando nos colocam numa balança o tempo todo, quando o sucesso de uma cantora e compositora de muito sucesso está no mesmo parágrafo que o tipo físico dela, quando passamos uma semana vendo o país num movimento de despedida e luto atropelado por comentários, falas e matérias ofensivamente gordofóbicas.
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A frase usada sobre a cantora e sobre muitas mulheres, “viveu lutando contra balança”, chega nos meus ouvidos como um “lutou contra si mesma”, é isso que o padrão estético provoca, um sentimento de que não somos suficientes pra nada o tempo todo. É violento! Afirmo porque dói, dói porque machuca, machuca porque nos priva de caber, de se mostrar e de ocupar lugares, sem que o nosso corpo tenha o peso e as medidas aferidas antes mesmo de conseguir chegar.
Esse movimento de negação de si mesma, acaba desembocando num pensamento de que só vou ser feliz quando estiver pesando tanto, só vou cortar o cabelo assim, se eu afinar o rosto, só vou… A vida passa e a gente não faz nada ou demora muito pra conseguir fazer.
“Engordou, né?”
Sim, engordei, emagreci, engordei de novo de outro jeito, aprendi coisas novas, visitei lugares interessantes, estudei coisas que eu queria muito. O corpo se transforma o tempo todo, por ser uma matéria viva em relação com ambiente, com outras pessoas e situações. Nesse movimento de existência de uma diversidade corporal, os “olhos de balança” denunciam amargamente uma repetição, perdendo a oportunidade de enxergar e reconhecer como somos.
Ao exaltar alguém nas mídias de entretenimento por ter emagrecido acentua-se os casos de distúrbios alimentares (que não param de crescer, principalmente na adolescência), ou seja, não é um elogio, assim como também não é elogio dizer que “atingiu o sucesso apesar de não ser padrão”, porque só reforça a ideia de que o corpo que não segue tal padrão tem que se esforçar mais para ter sucesso.
Esses comentários e outras atitudes nos levam a pensar que estamos no lugar errado, do jeito errado, incomodando, e por isso, precisamos mudar para se encaixar, mas o problema não está em nossos corpos e sim no tamanho da caixa, ou melhor, o problema é a própria caixa, temos bem mais a oferecer do que o lugar que nos é oferecido.
Mesmo nos fazendo achar que não cabemos, para existirmos, precisamos habitar, incomodando mesmo, transbordando na resistência da presença para desestabilizar os padrões, e ocupar espaços reconhecendo lugares, coisas e pessoas mais compatíveis com a gente, e exatamente por isso, sermos mais potentes para nós mesmas e para todas.
É sobre desabafar e se acolher, sem normalizar o que nos fere.