Dias vem, dias vão e as notícias que chegam pela TV, Twitter ou WhatsApp, se repetem, e o pior, somos atacados por todos os lados. Dentro desta situação caótica que temos atravessado nestes meses, parece que as razões de nossas lutas aumentaram, mas infelizmente, o aumento foi da lente, pois o bombardeio está ativo faz tempo, e o alvo principal tem cor, gênero e etnia. E como fica o lado de cá todas as vezes que o gatilho, o vírus ou qualquer outra coisa é desculpa para nos atingir? Mais luto na luta.
“EU NÃO SOU DA PAZ…”, não cansa de repetir a personagem do conto “Da paz”, do escritor pernambucano Marcelino Freire, ela desabafa: “… A paz é uma desgraça. Uma desgraça. Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha?”.
Esta é uma pergunta que me faço também, pra onde estamos marchando? A cada dia que se passa as dores só crescem, invadindo mais e mais nossas aldeias e quilombos. Torcemos para que não estejamos nas estatísticas nos próximos 23 minutos, ou inclusos nos mais de 500 mil que são anunciados no Jornal Nacional diariamente, porque a casa tem ficado vazia, o abraço não tem mais encontrado aconchego e as perguntas ficaram sem respostas. Enquanto isso acontece, ensaiamos como vamos viver o próximo dia, ou não pôr mais aquele prato na mesa, nem dar aquela bronca sagrada de sempre. O quarto está oco. A cama está fria. A respiração está mais profunda. E este é o ponto em que paramos, sentamos, sentimos e deixamos as lágrimas rolarem.
Deixe fluir a angústia, a agonia, os dissabores… Deixe fluir tudo aquilo que está preso, é bom. Nada é mágico, nem urgente. O luto tem que ser vivido, e no seu tempo, passa. Receber o afago dos que nos cercam, pode tornar mais suportável a dor causada pela ausência. Haverá o dia em que aquele ou aquela que habitava nas nossas saudades, passará a viver em nossas boas lembranças e assim encontraremos o apoio para marchar mais uma vez.
E apoio é o que precisamos nutrir nestes dias, pois a realidade é que não estamos sós. Seja na luta ou no luto. A cantora e pianista Maíra Freitas (@mairaff) me lembrou recentemente disso ao cantar “Onze Fitas”, música composta por Fátima Guedes, “Quantas vezes se leu nessa semana / Essa história contada assim por cima / A verdade não rima / A verdade não rima / A verdade não rima… Não fosse a vez daquele, um outro ia”.
Por essa razão, guardo em mim as palavras do dramaturgo Augusto Boal: “Quiseram que eu me calasse, mas eu falo. Quiseram que eu dissesse amém, mas eu digo não. Quiseram que eu morresse, mas eu estou vivo. Vivo a minha vida dura. A vida que me foi dada, tive que ganhá-la. Ganhei. Estou vivo. Mesmo que um dia me cale, escutem. Tem sempre alguém que está falando, às vezes de longe, às vezes de perto, às vezes com sangue no rosto, mas sempre com a voz muito limpa, sempre um de nós está falando, nalgum lugar. Mesmo que se calem todos, escutem o silêncio. O silêncio que fala. Eu estou vivo. Eu não me calo. Escutem”.