Em tempos de pandemia, cansaço extremo, pessimismo, aumento dos preços e acompanhamento ao vivo da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, é inevitável não voltarmos ao passado e termos uma sensação de que tudo era melhor antes, despertando assim aquele sentimento gostoso de nostalgia, que chega até aquecer os nossos corações.
Muito mais do que apenas saudade, a nostalgia tornou-se uma forte tendência de mercado nos últimos anos. A futuróloga Faith Popcorn e Lys Marigold, no livro ‘Click’, lançado em 1997, previram várias tendências que iriam nos impactar no século XXI, e uma delas as autoras chamam de “Resgate ao Passado”.
E por que a nostalgia e os produtos ‘retrôs’ são tão potentes? De acordo com as autoras, a saudade de uma infância e adolescência despreocupadas alimentam um sentido de leveza nas nossas vidas adultas, em grande parte das vezes, excessivamente sérias. A economia, infraestrutura e desenvolvimento do país poderiam ser piores, mas a sensação de saudade faz com que os tempos passados pareçam melhores.
Além do mais, podemos relacionar o sentimento de nostalgia com a neurociência aplicada ao marketing. Neuromarketing é um campo de estudo que une o Marketing à Neurociência. Em linhas gerais, a neurociência aplicada ao marketing tende a prever o comportamento do consumidor, com base no processamento de informação pelo cérebro, tentando identificar o impacto emocional do produto na mente do consumidor.
Não sei se você sabe, mas o cérebro é dividido em três partes (Cérebro Trino de Paul Maclean):
Reptiliano: é o cérebro primitivo, relacionado aos nossos instintos; controla os músculos, equilíbrio e funções automáticas; Memória instintiva (queimei o braço e tirei-o de perto do fogão); Procura abrigo e alimento.
Límbico: é o cérebro das emoções, onde fica nossa memória emocional e afetiva;
Neocórtex: o cérebro racional, que só os seres humanos possuem. Mede o tempo; responsável pela linguagem e fundamentação; controla as reações emocionais;
Atualmente, o Reptiliano e o Límbico (inconsciente) são chamados de Sistema Um e o Neocórtex (consciente), de Sistema Dois. Cerca de 90 a 95% de nossas decisões são tomadas no Sistema Um, ou seja, de maneira inconsciente, pois, ao longo de nossa evolução, o cérebro aprendeu alguns atalhos de comportamento, para que não precisássemos gastar tanta energia pensando de maneira racional nas coisas. Imagina se toda vez que fôssemos escovar os dentes, tivéssemos que pensar?
E as memórias de longo prazo, aquelas que nos faz sentir muitas saudades, encontra-se no límbico, ou seja, no cérebro inconsciente. Você se lembra dos produtos que marcaram a sua infância? Tenho certeza que, às vezes, você se dá ao luxo de comprar aquele Danoninho, ou aquele bolinho Ana Maria, até mesmo o Yakult, só para acalentar seu coração e relembrar os velhos tempos.
De acordo com o portal Mundo do Marketing, os especialistas e empresas de tendências observam um movimento maior da procura por produtos e marcas que remetam à momentos marcantes da vida, como a infância ou período da faculdade. Uma pesquisa efetuada pelo Spotify, em 2019, indicou que 70% dos usuários confirmaram que se lembrariam de marcas que estiveram presentes em momentos especiais de suas vidas.
Mais do que um sentimento individual, a nostalgia se firma mais uma vez como uma grande tendência de mercado, seja na programação da TV (canal Viva e seus reprises), nos filmes e séries (remakes de algumas franquias de sucesso, como Friends), moda (veja que o TikTok tem difundido bastante o resgate da moda dos anos 2000, vivenciada com afinco pela juventude da Geração Y e pela infância da Geração Z) e música (nota-se que o TikTok também tem resgatado em seus challenges de dança algumas músicas que fizeram muito sucesso no passado, como a nova versão do Tyga para Macarena).
Pensando nessa oportunidade, as marcas têm relançado produtos que fizeram muito sucesso no passado, ou lançando novas linhas de produto, fazendo parcerias com marcas que remetam a juventude ou infância.
A Nestlé completou no último ano 100 anos de Brasil e, para coroar esse feito, relançou o Mocinha, que foi um grande sucesso no final dos anos 90 e início dos anos 2000 e desde então o seu retorno é um dos pedidos mais recorrentes nos canais de relacionamento com o consumidor da Nestlé. Em edição limitada, Moça® Mini poderá ser encontrado nas principais redes varejistas do país em embalagem de 65g e com preço sugerido de R$ 3,99 a partir de abril.
A empresa global também resgatou a marca de barra de chocolates Surpresa, que fez tanto sucesso na década de 90 por ter figurinhas colecionáveis para um álbum. Nos últimos anos, a empresa trouxe a marca estampada em uma linha de ovos de Páscoa. Outro produto relançado pela empresa foi o Nescau Ball, ícone das lancheiras de crianças dos anos 2000.
A Disney também vem investindo em remakes de clássicos como ‘Cinderela’, ‘A Bela e a Fera’, ‘Dumbo’ e ‘Aladdin’ para se manter viva nas gerações mais novas. As live actionse os novos parques temáticos, como Star Wars e Ratatouille, são as principais estratégias.
Recentemente, O Boticário e a Mondelez Internacional se uniram para lançar a linha de beleza “Cuide-se Bem Bubbaloo”, com hidratantes, sabonetes, cremes de mãos e até desodorantes, inspirados na fragrância clássica da goma de mascar de tutti frutti. Essa é a primeira vez que a empresa de chicletes participa do licenciamento de produtos do setor de beleza e o sucesso foi tão grande que o produto se esgotou em uma semana, após seu lançamento nas lojas.
Já a personagem Moranguinho, ícone de boneca da década de 80 e 90, foi repaginada e chega ao Youtube e ao Roblox para conquistar a geração Alpha. O reboot foi desenvolvido pela empresa canadense de entretenimento WildBrain, que almeja investir no licenciamento da personagem no Brasil.
Portanto, nota-se que para as marcas fazerem sucesso nesses relançamentos, torna-se imprescindível entender quais são as necessidades e desejos por trás desse relançamento, como este agregará valor ao seu público e como essa marca conversará com o passado e presente, afinal, muitas vezes é necessário fazer pequenas adaptações ao século XXI (vide o caso do Mocinha e Moranguinho).
Para finalizar, queria entender com você qual é o produto que mais te remete à infância? Qual é o cheiro que te traz muita saudade? Qual é a música que te faz lembrar de momentos incríveis e o filme que remete aos tempos que não voltam mais? Que consigamos encarar esses tempos tão complexos com uma pitada de saudades, que nos traz felicidade e acalenta o coração.
