Errar, cair, desistir. São nuances que compõem nossa existência.
A vida é cheia de perrengues, a gente passa o dia equilibrando coisas e carregando pesos, negando nossa existência e escondendo fragilidades. Tentar manter-se no fluxo dessa exigência patriarcal, de que temos que ser o tempo todo, mulheres fortes, equilibradas e montadas – super heroínas construídas a partir de uma imagem do herói – nos coloca num lugar rígido, invadidas por um ritmo além do nosso corpo, difícil de ser alcançado.
É cansativo existir num lugar que não foi feito pra você. Vivemos num mundo onde mulheres têm mais de 70% de chances de morrer em um acidente de carro, porque os cintos de segurança são testados em corpos socialmente masculinos. O protagonismo é sempre o mesmo, a última voz e a mais alta.
PEITO É CORPO: A HIPOCRISIA DAS TARJAS
Num mundo que não nos leva a sério, heróico é sobreviver. Nos resta então, sempre fazer mais, com mais força, mais rápido, ao mesmo tempo, como naquela imagem conhecida da “mulher polvo”, dando conta de tudo, doando a última gota a custo do reconhecimento, driblando o sentimento de nunca ser boa o suficiente. Dar conta de tudo é tudo, menos viver, e pode ser bom pra qualquer pessoa ao seu redor, menos pra você.
Nem mocinhas, nem vilãs, inteiras, driblando o papel social, pra assumir a beleza e a normalização de um anti heroísmo, sem medo de demonstrar nossas vulnerabilidades e sem julgá-la como boa ou ruim, mas como algo inerente ao ser humano, algo que nos faz sentir vivas.
A mulher maravilha ainda mexe na emoção quando penso nesse protagonismo heróico tão esperado por décadas, mas já não me serve mais e não representa as mulheres que conheço, a não ser pelas feridas por trás da armadura. Um estudo chamado “Superpowering Girls: Female Representation in the Sci-Fi/Superhero Genre” diz que os “personagens de ficção científica e super-heróis habitam um mundo cheio de imaginação, oportunidade e possibilidade. Na vida real, as oportunidades e os modelos de comportamento para mulheres e meninas, especialmente mulheres e meninas negras, são limitados”.
As heroínas que me inspiram não se quebram pra agradar outros, as heroínas que me inspiram, não dão conta do roteiro social do que é ser mulher, as heroínas que me inspiram, tropeçam, mas se ligam que o chão é pausa e não o fim. As heroínas que conheço sou eu também e podemos chorar e gargalhar alto num mesmo dia, subverter pra sobreviver, não ter esse sucesso que já é esperado no roteiro social de faixa etária e ainda nem conseguir salvar ninguém diretamente, mas no fim das contas precisamos nos salvar. Esta pode ser a imagem da anti-heroína, como na ficção, momentos desagradáveis e encantadores, que fazem a gente chegar e ficar à vontade, sabendo que é real. É a beleza da vulnerabilidade como uma porta que convida a gente pra entrar na gente.
Deixe cair o que não é corpo, o que não é seu, mantendo-se não na rigidez do tronco que luta, mas na flexibilidade do tronco que, em pequenos movimentos de cada vértebra, se dobra inteira, diante de si, num ato de se mostrar através da própria nuca, vulnerável, curvando-se pra tudo aquilo que somos e honrando nossas lutas individuais.
“Exposta estou,
como contorno de mim,
curvatura, torção,
revelação e esconderijo
Contraditória como a vontade”
Nesse projeto poético de “Fotodobragens para continuar o corpo”, Diane Sbardelotto se dobra para pensar as subjetivações da mulher e artista nas repetições de fechamentos e aberturas de si. “Nessas imagens, parto de ações em que me dobro movendo a cabeça em direção aos meus pés, interagindo com ambientes em que me localizo como um corpo (m)eu do qual ainda não sei, a não ser por relações. Com essa posição, exploro repetições, espelhamentos, cortes, simbioses, quebras, alternâncias”, relata a artista.
O movimento de tirar a capa da heroína me dá a liberdade de ser a partir de minhas dobras, ressoando num pensar de que não posso salvar o mundo, mas posso entrar pelas minhas aberturas e dizer “sou suficiente pra mim”.
Empoderar-se não é sobre ser mulher maravilha, empoderar-se é reconhecer seu poder para além do padrão, o poder de sermos inteiras nas situações, sem romantizar os roxos e os arranhões da batalha diária do ser mulher em nós, em casa, na rua, nesse país.