MULHER ALÉM DO ÚTERO: O PODER SOCIAL SE SENTE DONO DO NOSSO ORGÃO

A SOCIEDADE QUE TE COBRA A MATERNIDADE É A MESMA QUE TE OPRIME E TE EXCLUI QUANDO ISSO ACONTECE
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23.07.2021

Helen Salomão / Ull Delluna / Divulgação

Mulher, mova sua pelve e tudo o que você sente e conhece nela. Mova isso tudo, uma composição, com útero ou não. Aliás, esse não é um privilégio, muito menos condição. Útero não define gênero e não obriga a procriação!

O útero não nos faz mais ou menos mulher, a sociedade julga quem tem ou não, e se você tem, parece que não é tua a decisão. Se a gravidez acontece antes dos 20, “Jovem demais pra ser mãe!”. Se acontece depois, “vai parecer avó da criança”. Se não acontece, ou se desobedece a esse tempo exigido pelos fiscais do útero, “vai ficar pra titia?”. Diante de tanta pressão social em torno desse órgão, que não passa de 10 centímetros, nos sentimos pequenas pra escolher por nós e sobre nós. 

Numa consulta de rotina, esqueci tudo que precisava falar, a médica só queria saber dos meus óvulos e sugeriu congelar. Isso, sem nem perguntar se era essa minha vontade, fiquei perdida por um instante, em silêncio, ouvindo o roteiro da imposição de procriar. O útero não mora em mim e nem é casa sem dono pra ser ocupado por opiniões ou julgamentos. Ele sou eu, e esse é o limite que deveria ser voz e escuta. “Seria eu um útero antes de ser humana?”, questiona a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, Tânia Navarro Swain, em seu texto “Meu corpo é um útero”. 

PEITO É CORPO: A HIPOCRISIA DAS TARJAS

No casamento heteronormativo a pressão redobra, bastou a mulher chegar numa reunião de família, o comprimento vem em forma de questionamento gestacional. Reflexo este de uma sociedade patriarcal e machista, que fundamenta a existência da mulher no encontro com o masculino. A sociedade que te cobra a maternidade é a mesma que te oprime e te exclui quando isso acontece. O Estado está sempre muito preocupado com o feto dentro da barriga, uma preocupação violenta, que faz até um grupo de pessoas esperarem uma criança grávida, por ser abusada, na porta do hospital pra xingar, “orar” e agredir, mas depois finge que não vê, quando na rua nem tem o que comer. Visto um estudo feito em 2020 pela ONG Visão Mundial, que aponta a existência de 70 mil crianças em situação de rua em todo o Brasil.

A Vitória chegou! Nasceu numa família que tanto a desejou. E nessa experiência, mãe e filha estão se aprendendo, se reconhecendo e se apresentando para a sociedade que demora pra engolir o que não é padrão: “você não pode engravidar?”, “Por que não adotou um bebê?”, “Por que uma menina? Dá mais trabalho”. Responder a essas perguntas invasivas e ouvir comentários impertinentes, talvez seja mais desafiador que o próprio movimento da relação que se constrói:

“As pessoas não entendem que gerar um filho (a) ou formar uma família não está totalmente ligada ao seu útero. Adotamos porque foi a forma que escolhemos para ter uma família. Ela foi gerada por nós, todos os dias nos nossos corações. Ou as pessoas falam, ‘ah, agora que adotou você vai ter o seu, e vai engravidar!’. E quem disse que eu quero engravidar? Afinal ela é minha filha e já nasceu, a diferença é que nasceu pra mim com 6 anos. A adoção torna filho ou filha aquele que não nasceu de você, mas nasceu pra você”, contou-me Danny, dançarina, mulher e mãe que pariu além do útero.

Existe um roteiro, e mesmo sem saber, quando vemos somos vítimas dele, respondendo questionamentos contra vontade, pra quem?

O poder social se sente dono do nosso útero, mas não se iluda, o olho que vigia não é o mesmo que te cuida. Aprenda sobre seu colo, saiba o tamanho, conheça seus fluidos e seu cheiro em cada fase do ciclo, saiba sobre os chás que te amenizam e se olhe, investigue. É transgressor acessar um corpo no qual a sexualidade e anatomia, por muito tempo, foram encoberta. Precisamos conversar abertamente, nas nossas rodas, sobre detalhes e diferenças, pra não excluirmos corpos baseados em partes e formas, e pra não sermos esta sociedade, em que um adolescente na rua, se ache no direito de queimar Roberta da Silva, enquanto ela dormia nas ruas de Recife – definindo cruelmente o que é ser mulher.

Sob tantos olhares, corpos sangram nas ruas e ninguém vê
Sob tantas imposições, um útero grita e ninguém escuta
Um útero-terra, esmagado no chão
Corpos choram, tambores tocam, não em anunciação
Abaixo dos pés, geme e sangra
Um útero-água, em inundação
Sangue coagulado, sangue vitimado
Queimam mulheres trans
Queimam florestas
Um corpo em camadas não é parte em função
É o todo, ossos de pedra, fumaça nos pulmões
E um útero, em decomposição

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