MÁRCIA PANTERA: “SER NEGRO E GAY NO BRASIL É SER HUMILHADO, PISOTEADO E ASSASSINADO”

CONHEÇA A HISTÓRIA POR TRÁS DE UMA DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS DO CENÁRIO LGBTQIA+ DO BRASIL
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19.06.2021

Vinicius Costa

A pantera é conhecida por sua majestosa postura, seus ataques poderosos e por sua vida noturna, deve ser por isso que Carlos Márcio José da Silva, 51 anos, escolheu o felino para ser o sobrenome de sua personagem mais icônica do cenário LGBTQIA+ de São Paulo – a Márcia Pantera. O artista leva por onde passa as cicatrizes de uma sociedade preconceituosa que o rotula desde a adolescência, afinal, ser gay no Brasil, o país que mais mata pelo crime de lgbtfobia é tarefa para os fortes, agora, imagina ser gay, negro e drag queen, um afronto para a sociedade heteronormativa.

“Ser negro e gay no Brasil é ser humilhado, pisoteado é ser assassinado, é tanta coisa que eu tive que esquecer o tom da minha pele, e entender que o tom dela não poderia me parar, mesmo tudo que eu vi, vivenciei, sentia, eu não podia parar, era mais forte que eu, meu sonho e a vida são mais fortes que eu. Se tivesse que baixar a cabeça por algumas horas, eu baixava”, pontua.

“Minha vida toda sofri preconceito, mas nós aprendemos a apanhar para poder acordar, e eu sou uma pessoa que nunca desiste”, diz. Comemorando 32 anos de carreira, Márcio deixou para trás uma brilhante carreira no vôlei, quando conheceu a Nostro Mundo, uma tradicional casa noturna paulistana que foi palco para grandes nomes da cena LGBTQIA+. “Lá acontecia vários shows de transformistas da época e eu me encantei com alguns deles e resolvi ter como inspiração uma travesti chamada Marcinha do Corinto, onde eu me apaixonei com a noite e deixei o tempo me levar, dentro de todo esse cenário surge a Márcia, a Pantera surgiu após alguns anos, quando conheci o irmão da Monique Evans, o Marcus Panthera (na época modelo – atualmente CEO da Elite Models Miami), então o encontrei no desfile do Alexandre Herchcovitch, ao qual eu desfilava, disse pra ele “eu sou seu fã” e enjão me perguntou Márcia de que?, respondi não tenho sobrenome, pensei rapidamente, talvez Pantera, ele disse que Márcia Pantera era ótimo”, relembra o nascimento de um dos principais nomes da noite paulistana.

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Devido ao enorme sucesso de sua personagem, Márcio largou de vez a carreira de atleta, pois não havia mais tempo para os treinos, sua agenda de shows estava lotada, além dos desfiles que fazia na época, e infelizmente o preconceito o perseguiu até o cenário esportivo – “Fui um maravilhoso atleta e não consegui ter as duas profissões, uma era noite e a outra era totalmente dia, e esporte é disciplina, então deixei toda a disciplina para a Márcia e larguei o voleibol, uma coisa que eu amava, mas eu jogo vôlei até hoje, amo o que eu faço”, complementa. “Dentro do esporte o preconceito era grande, principalmente por ser gay e por ser negro, vários clubes que fiz teste me reprovaram por esse motivo, e se eu fosse hétero não passaria por ser negro, foi quando a Márcia entrou na minha vida, e eu simplesmente fui fazer o que amava, eu não queria ser famosa, eu só queria fazer aquilo que eu estava amando fazer, a fama veio com o tempo, com meu trabalho, com as minhas atitudes, com minha humildade”.

Na mesma época em que Márcia Pantera despontava na carreira de drag queen, um mundo paralelo era apresentado à ela, as drogas. “As drogas foram apresentadas pra mim de forma tão gentil que não tinha como eu falar não, aconteceu entre amigos. Amigos que já se drogavam, assim como eu, eles também caíram de paraquedas, não tenho vergonha de falar sobre isso, sempre terá alguém precisando de ajuda contra essa droga maldita que acaba com a sua vida – pra essa galera nova, só digo uma coisa, vocês têm todas as informações na palma da mão, a internet veio para ajudar, principalmente pesquisar sobre aquilo que não vale a pena”.

Pantera é conhecida nacionalmente por ser precursora e criadora do movimento “bate cabelo”, estilo esse que a projetou e consagrou sua carreira. “Tudo aconteceu no inicio dos anos 90, com o movimento do cabelo nos shows, então o Alexandre Herchcovitch comentou comigo: “aquele movimento que você faz, é maravilhoso, faz de novo”, então fui adaptando até acontecer esse maravilhoso bate cabelo. Fico feliz por ter criado o movimento e durante todos esses anos, surgir outras drags fazendo também, muita gente ganhou dinheiro com isso, então fico feliz”.

Com sua agenda repleta de compromissos, Márcia Pantera sofreu com o impacto da pandemia, justamente o setor em que atuava, eventos e casas noturnas foi o mais afetado –  “isso me afetou de todos os lados, infelizmente os eventos e as casas noturnas estão todos fechados, precisei depois de um tempo de ajuda psicológica, procurei para entender o que estava passando comigo, mas graças a Deus esta tudo bem e aos pouquinhos voltando ao trabalho, mas tudo isso afetou da pior maneira possível”, pontua.

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Recentemente aconteceu a Parada do Orgulho Gay de São Paulo, devido às circunstâncias atuais, o evento pelo segundo ano seguido foi de forma online, repleto de patrocinadores, famosos e digitais influencers. “Não estamos falando da parada gay, estamos falando de uma festa de rua, pois a parada se transformou em um carnaval fora de época, não é mais a parada gay de incentivo a resistência, a cobrar direitos, lutar por eles e conquistá-los. Essa questão de influencers já acontece de um bom tempo para cá, muito triste que essa juventude só corra atrás de seguidores, mas quero ver essas pessoas influencers ter talento para resolver as coisas”, relembrando os tempos que foi insultada para colocar o evento nas ruas de São Paulo.

“Infelizmente nosso país é esse, preconceituoso, racista, homofóbico, transfóbico, gordofóbico, tudo que tem fóbico no final, mas se olharmos pra esse lado, a gente não vive. Precisamos ser mais unidos, ter mais respeito dentro da comunidade, não é só fora, infelizmente do lado de fora é toda essa violência que estamos vendo durante muitos anos. Quando morre um gay ele vira um número, uma estatística, não tem uma justiça, falta muito mais do que você imagina. O que a população LGBTQIA+ conquistou de verdade? O casamento gay, só. Falta muito para esse governo olhar para gente, a maior bancada do governo é evangélica, os evangélicos fazem o que? Querem fuder com a vida dos veados”, diz Márcia.

Diante de tanta crueldade, preconceito, assassinatos, inveja, a busca pela fama entre outros adjetivos negativos relacionados à população LGBTQIA+, Márcia Pantera mantém de pé seus sonhos, objetivos e uma vontade enorme de viver – “Meu maior sonho é ser uma apresentadora estilo a RuPaul”, finaliza.

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