Interpretando a personagem Thália Bombinha, há 24 anos, ícone da cena LGBTQIA+ de São Paulo, o artista pernambucano, Jansen França, 49 anos, conseguiu se destacar, ao vir para São Paulo aos dois anos de idade. A bem humorada e caricata drag queen arranca gargalhadas da plateia ao subir no palco e mostrar a que veio. Sem muitos adereços e mega produções, Bombinha cativa o público com o “menos é mais”, com expressões faciais e gestos que transmitem exatamente o desejo de seus fãs, rir sem apelação. Hoje, Thália Bombinha é sinônimo de sucesso por onde passa – todas as dificuldades enfrentadas durante sua trajetória deram sinal de vitória.
Já na adolescência demonstrava interesse por meninos, e somente aos 18 anos de idade que assumiu definitivamente sua sexualidade. Infelizmente, como em milhares de casos no país, sofreu preconceito dentro da própria casa – “Alguns tios me excluíam por ser afeminado, tinham medo que eu transmitisse AIDS (anos 80) para os meus primos. Mas eu era criança e não entendia direito. Hoje olho para trás e entendo o que aquilo significou, mas não guardo mágoa de ninguém”, relembra Thália. Somente saindo de casa e partindo em busca de seus objetivos conseguiu o respeito de sua família. “O respeito mesmo só vem quando você mostra que é independente. Ainda mais quando você ganha o seu sustento (e sustenta sua família) com esse tipo de trabalho”, pontua.
Fã das novelas mexicanas “Maria do Bairro” e “Marimar”, decidiu homenagear a cantora e atriz Thalía, ao se apresentar pela primeira vez, e receber uma considerável quantidade de fumaça no rosto, vinda daquelas máquinas, imediatamente pegou sua bombinha para asma e ao ser apresentada, o cinegrafista na época, Francarlos, a nomeou Thália Bombinha – assim nascia um dos maiores nomes da cena drag queen do país. Fora dos padrões impostos pela comunidade LGBTQIA+, onde para ser drag queen deve ser magra, fazer “carão” e vestir figurinos exuberantes para agradar ao público, Bombinha entrou na contramão e se destacou por seu talento.
“Todas as humoristas que conheço começaram fazendo a “bonita”. O problema é que quando a gente pegava no microfone o povo ria. Aí as portas começaram a se abrir nesse sentido, mas sempre fui muito bem aceita e respeitada. Sempre encarei o meu corpo de forma natural e tirava sarro de mim mesma. Não sofri preconceito. Hoje, com a onda “Drag Race”, a gente percebe que as humoristas não têm tanto espaço. Mas seguimos em frente”, comenta.
“O padrão de beleza que a sociedade impõe para as mulheres (alta e magra) se estende nesse meio. Mas hoje existem muitas drags plus size que estão despontando e mostrando que o importante é a atitude. Lá fora percebemos que drags “GG” são muitas e atuantes. Quanto ao humor, ninguém quer ser a caricata, a palhaça, todas querem ser bonitas, ter carão etc. Eu, independente de fazer humor, sempre procurei me apresentar “bonita” (na minha opinião – risos) e adoro o que faço”, explica a artista.
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Thália é uma improvisadora nata, domina o cenário em sua volta como poucas, espontânea, inteligente, rápida no raciocínio e sem papas na língua, com tantos adjetivos, ainda não sabemos por que não despontou em alguma emissora, deve ser pelo fato de que humor inteligente faça com que o telespectador não entenda a piada ou o politicamente correto faça valer a ‘censura disfarçada’”.
Ser drag no Brasil não é tarefa fácil – “Ainda hoje as pessoas (fora do meio) pensam na drag queen como a figura engraçada, divertida. Sim, somos e procuramos levar isso para as pessoas, mas tem também o lado profissional que as pessoas não veem. Acham que por trabalharmos na noite, em casas noturnas, só nos divertimos. E não é bem assim. O glamour existe, mas tem muita ralação por trás também”, explica. A individualidade em meio à população LGBTQIA+ é um assunto que deve ser discutido para tentar unir ainda mais a comunidade. “Se fosse uma classe unida, já teríamos representantes na política. Hoje se negamos um trabalho por um cachê baixo, tem várias que se oferecem pela metade do valor, só para aparecer, só pra postar nas redes que “tem agenda””, diz.
Atualmente, Bombinha é artista fixa da casa Blue Space, em São Paulo, espaço conhecido pela infraestrutura e qualidade oferecida ao seu casting da noite paulistana. Por ser referência na arte “drag”, Thália serve de inspiração para muitas iniciantes e alerta as novatas – “Mostrem o seu trabalho sempre que houver uma oportunidade. Respeitem quem veio na sua frente, não queiram ser “as melhores”. Sejam profissionais, se apresentem bem. Respeite o público que te aplaude. É ele que vai determinar se você fica ou não. E jamais puxem o saco de alguém para conseguir espaço, se você não tiver talento, estratégia nenhuma te leva adiante”.
Como milhões de brasileiros e profissionais da área artística, Thália teve que se reinventar em meio à pandemia. “Quando chegou a notícia que as boates fechariam, em virtude da pandemia, fiquei sem chão. Não sabia o que fazer, afinal, vivo disso e sustento minha família e meus animais com o meu trabalho. Surgiu então a ideia de fazer lives, uma forma de manter a conexão com o público. Nelas eu pedi ajuda e algumas pessoas começaram a contribuir com um “cachê virtual”. Depois, algumas empresas me enviaram produtos e comecei a fazer as rifas, uma forma das pessoas colaborarem e ainda concorrerem a um prêmio. Percebi com isso que existem outros meios de chegar ao grande público, além das boates. Hoje meu trabalho é totalmente online”, comemora.
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Em relação ao total desserviço do Governo, a artista responde: “Aliás, que governo? O nosso país mais parece uma kombi velha sem motorista, descendo uma ladeira sem freios. Muita coisa poderia ser feita. As leis poderiam ser mais severas em relação a lgbtfobia. Cadeia mesmo pra quem matasse ou agredisse alguém por sua sexualidade. Exigir que as empresas dessem oportunidade de trabalho para pessoas trans, criar cursos técnicos gratuitos para esse público e tantas outras coisas”.
“Sempre digo que não sou diva, não sou deusa, não sou lenda, não sou ícone – sou somente mais uma fazendo o meu trabalho da melhor forma possível. Ninguém é melhor que ninguém”, finaliza.