Em uma noite turbulenta uma família revive momentos únicos e decisivos em suas vidas, um jogo perigoso sobre segredos e verdades nunca ditas onde são abordados temas pertinentes a toda sociedade. O musical “Segredos Sussurados ao Silêncio da Chuva” baseado em fatos reais, estreia no Teatro West Plaza, em São Paulo, e traz como tema principal o relacionamento incestuoso entre pai e filho. A trama traz no elenco os atores Aline Fingolo, Victório Olivatto e Douglas Garcia.
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Um crime que abalou a sociedade paulistana é a peça central de inspiração para o espetáculo dirigido e escrito por Alexandre Biondi e Júlio Adamanto. Um pai que mantinha relação incestuosa com o filho é descoberto pela mãe, ao qual é brutalmente assassinada, o caso ganhou repercussão midiática e hoje é tema da peça teatral. “Foi um assunto que discutimos muito antes de realmente pensarmos em fazer um espetáculo. Ficamos receosos de inicio pelo tema. Foi então, que pensamos em mudar a história e deixá-la um pouco mais romântica e deixar o filho como fruto do problema da relação dos pais”, explica Biondi.
Vindos de Campinas, o elenco e a equipe técnica enfrentam desafio em dobro para manter o espetáculo funcionando, primeiro pela polêmica do tema em seguida pela logística da apresentação acontecer na capital – “Os custos é a nossa principal dificuldade. Acredito que uma somatória de fatores vem contribuindo para a dificuldade de se fazer arte no país como: preço da gasolina, pedágios, transporte, estacionamento, custos de alimentação, custo do teatro, cenário e figurino. Como não temos patrocínio tudo fica mais difícil”, desabafa.
Em 1945, o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues já enfrentava a censura por levantar assuntos polêmicos, tanto é que ao lançar o espetáculo “Álbum de Família”, onde abordava o tema incesto, foi censurado pelo governo Dutra. “Segredos Sussurados ao Silêncio da Chuva” tem muitos assuntos em comum com o escritor. “Acabamos trazendo a linearidade do texto. Trabalhar o plano real, plano do passado e o plano da memória como em “Vestido de Noiva”. A relação familiar e a decadência dessa relação falida como em “Álbum de Família” e a relação do beijo do filho e do pai, sendo dois homens que mal se conhecem na peça, como se fossem dois estranhos como em “Beijo no Asfalto”. Tratamos também da relação das mentiras escondidas sobre o sexo como em “Gata em Teto de Zinco Quente”, a romantização que vemos na tragédia “Doce Pássaro da Juventude” e “De Repente no Último Verão”. E um pouco da crítica religiosa “A Noite do Iguana” todas estas últimas de Tennessee Williams, autor norte-americano que também fazia críticas sociais na mesma época”, explica Alexandre Biondi.
Em certo momento, de forma relâmpago, o personagem Martin, interpretado pelo ator Victório Olivatto, questiona e culpa seu pai, Peter, papel de Douglas Garcia, pela morte prematura de sua mãe, Mabel, em um acidente automobilístico, interpretada por Aline Fingolo, que conduz com maestria a parte musical do espetáculo. O garoto revoltado questiona Deus e até mesmo Adão, primeiro homem existente na Terra, criado pela figura do Criador – de forma sutil, o espetáculo faz uma critica a “tradicional família religiosa brasileira” ao abordar a relação incestuosa, onde o primeiro homem criado através da costela de sua companheira Eva, também mantinha relações incestuosas com os próprios filhos, ato que os religiosos jamais mencionam.
“Nós temos o intuito à quebra de valores da dita, família tradicional. É o jeito que encontramos para criticar esse desgoverno. Estamos através da arte criticar os valores que este governo prega como valores morais a serem seguidos, e todos aqueles que não se encaixam devem ser expurgados da sociedade dita correta”, diz.
A direção musical é assinada por Raphael Silva, com as canções e arranjos originais por Nando Geraldes e MC Donald Parris e a preparação musical de Mateus Dota. “Não Existe Amor em SP”, canção de Criolo, inicia o espetáculo e anuncia a tragédia que está por vir no enredo da trama e encerra de forma poética o ato. “A escolha da trilha foi feita através de uma pesquisa bem elaborada do nosso diretor musical Raphael Silva, com o letrista Guilherme Alvarez, e o compositor Fernando Geraldes. Foi um processo de tentativa e erro até encontrarmos os estilos que realmente casassem com a cena. Queríamos um espetáculo que falasse sobre São Paulo, mas que trouxesse um pouco da atmosfera bucólica que São Paulo tem. E ao ouvir a música do Criolo eu me arrepiei. Ele consegue trazer essa atmosfera e dor que o espetáculo necessitava. Ele consegue na sua letra dura esse sentimento que queríamos”, pontua Biondi.
Na história um pai e um filho têm um acerto de contas após a morte da esposa e mãe, importante para ambos. Ante a irreversibilidade da morte, os dois acabam se culpando pelo ocorrido e revelam facetas da família que desconheciam guardadas em nome da harmonia e manutenção da figura materna. O diretor Alexandre Biondi cita o “Complexo de Édipo” na trama: “Na abertura original, havia falas da Mabel sobre o complexo de Édipo, e também a relação de Nossa Senhora com Jesus, através da obra “La Pietá”. E mais no meio do espetáculo quando o assunto da homossexualidade do Marvin vem à tona, também havia uma fala da mãe sobre Antínoo, um parceiro amoroso do imperador Adriano”.
A maior dificuldade de fazer um texto baseado em fatos verídicos é se desvencilhar da história original e transformar em um texto completamente novo, onde são abordados temas considerados tabus pela sociedade. “Queremos falar de sexo sem termos tantos dedos. Por que olhamos com tão maus olhos as relações familiares, sendo que em menos de três séculos o incesto era tão comum”, comenta.
“O incesto é uma consequência pelo filho ser um homem gay. Quando a mãe percebe que seu filho tem tendências homoafetivas, resolve se envolver sexualmente com ele. Isso é relatado quando o filho era muito jovem, nas falas que explicam a relação dele com a mãe. E faz com que Marvin comece a ver o pai como uma ameaça a eles. Toda vez que o assunto da possível homossexualidade do filho vinha à tona, a mãe acaba por jogar toda a culpa na ausência do pai, levando ela própria a descobrir sua bissexualidade, ou para outros sua homossexualidade. E este pai sem ter como desenvolver uma relação de qualquer natureza com seu filho, se vê tomando uma atitude tão questionável que é começar uma relação incestuosa com o próprio”, diz Alexandre Biondi.
“Este espetáculo é para ser sentido e não racionalizado. Cada um terá uma visão de como tudo termina de acordo com suas vivências e conhecimento prévio de determinados assuntos abordados. Queremos fazer com que o espectador não seja tão passivo dentro da obra e sim mais ativo, traga sua percepção de mundo para decifrar o final proposto. Nós da equipe criativa já tivemos 14 possibilidades de final e todos eles foram discutidos entre nós. E por isso é tão importante que o fim esteja aberto a cada um. E que suas percepções de mundo, família e sociedade sejam saciadas. Não queremos dizer às pessoas o que é certo ou errado. Isso a religião já faz. Nosso presidente faz questão de deixar bem claro, que devemos ser como ele e sua família. Nós apenas queremos que as pessoas possam ser elas mesmas sem julgamentos. O questionamento liberta”, finaliza.
SERVIÇO
Espetáculo “Segredos Sussurados ao Silêncio da Chuva”
Onde: Teatro West Plaza
Endereço: Av. Francisco Matarazzo, s/nº – Água Branca, dentro do shopping West Plaza
Quando: 6 a 27 de novembro
Horário: 21h30 (sábado)
Quanto: R$ 60 (inteira) R$ 30 (meia)
Classificação etária: 18 anos
Duração: 70 minutos
Informações: (11) 3384-8045 – ingressos através do site
