Nesta última semana (19 a 25 de abril) aconteceu um movimento global muito importante para a moda mundial: a Fashion Revolution, evento que preconiza uma indústria fashion justa, ética e transparente, não apenas com a natureza, mas também com os trabalhadores envolvidos nesta cadeia de produção.
O Fashion Revolution já tem 8 anos e foi criado logo após o desabamento de um prédio em Bangladesh que reunia inúmeras confecções de roupas, no dia 24 de abril de 2013, deixando mais de 1.100 mortos e 2.500 feridos. Presente em 100 países, seu intento é conscientizar, educar, mobilizar e questionar empresas de confecções e suas marcas de roupas em prol de ações sustentáveis e dignas com os seus empregados, oferecendo direitos e assistência. Ou seja, uma real revolução – se levarmos em conta os patamares a que chegamos em nosso consumo desenfreado de moda.
De acordo com o site Fashion Revolution, o Brasil é o quarto maior produtor de roupas do mundo e gera oito milhões de empregos diretos e indiretos. Com esta enorme demanda, é imprescindível que o consumidor final comece a fazer perguntas básicas para compreender uma cadeia produtiva obscura e distante: #quemfezminhasroupas, #doquesãofeitasminhasroupas e #acordequemfezminhasroupas. Desta forma, o envolvimento se realiza, e de meros “manequins” desfilando trajes por aí, passamos a clientes conscientes, entendendo quais tecidos são usados para executar determinada peça e por que, além de verificar se a mão de obra possui direitos mínimos para a sua atuação. O vestuário, de acordo com a Walk Free Foundation, é a segunda categoria de produtos com maior risco de escravidão moderna.
Mas nem sempre foi assim. Até o fim do século XlX sempre soubemos quem fazia a nossa roupa, especialmente porque eram as próprias mulheres das classes médias e baixas que costuravam seus vestidos e muitas vezes a vestimenta dos maridos. Apenas as classes mais altas tinham ajuda, mas mesmo assim as costureiras e alfaiates contratados eram artesãos habituais das famílias, e até essa época, clientes e profissionais das agulhas criavam juntos os modelos de peças a serem confeccionados.
Foi apenas no século XX que surgiu o prêt-à-porter (em tradução livre, “pronto pra vestir”): as roupas feitas em série e vendidas em lojas, onde escolhemos dentre uma coleção inteira – já disponível em várias cores e tamanhos – as nossas peças prediletas. Essa tendência bombástica para o vestuário teve o seu início na França – o berço da moda mundial – e de lá se disseminou pela Europa e mundo ocidental. Começou pequena no ano de 1913, em boutiques com a de Chanel na cidade de praia de Deauville, onde ela oferecia trajes prontos feitos em jersey para os esportes da época (andar a pé e de bicicleta na orla marítima).
50 ANOS DA MORTE DE COCO CHANEL – LEGADO DA ESTILISTA SUPERA SUAS CRIAÇÕES
Aos poucos a ideia do prêt-à-porter foi sendo incorporada em outras grifes, até que em 1959 o estilista Pierre Cardin desenhou uma coleção inteira para a loja de departamentos Printemps, em Paris. Isso acarretou o desligamento dele da Câmara Sindical de Alta Costura, mas abriu uma trajetória sem volta para a roupa pronta e fácil de encontrar. Em 1966, outro grande nome da alta costura decide se encaixar nos novos tempos e abre uma nova loja apenas com roupa prêt-à-porter: é Yves Saint Laurent e sua boutique rive-gauche (que fica na margem esquerda do rio Sena, em Paris, em contraposição aos ateliers de alta costura, que eram todos na área à direita do rio).
A partir destes momentos de ruptura fashion, deixamos de conhecer quem faz as nossas roupas, decidimos ter mais e mais looks – independente da qualidade das peças – e a indústria da moda atingiu uma escala de crescimento nunca antes vista até aqui. E agora, depois do extra descartável movimento do fast fashion, sentimos que fomos muito além do que deveríamos, perdendo totalmente o controle de quem planta e manufatura os tecidos; quem cria o design e constrói a peça; quem transporta e quem vende para o ponto final: a loja física ou marketplace na internet – que são geralmente nosso único ponto de referência. O Fashion Revolution pretende colocar um freio aí e, quem sabe, não vamos voltar a cumprimentar pelo nome (mesmo que pelo Whatsapp ou outras redes sociais) as nossas costureiras?