Na última semana, um dos assuntos mais comentados na área de marketing, administração, estratégia e negócios foi o caso da Coca-Cola com o Cristiano Ronaldo. Para quem não sabe o que ocorreu, a Coca-Cola é uma das marcas patrocinadoras oficiais da Eurocopa 2021. Na segunda-feira, 14 de junho, em coletiva de imprensa, o jogador e celebridade com mais seguidores no mundo, no Instagram, às vésperas do jogo contra a Hungria, realizou o simples gesto de retirar duas garrafas do refrigerante de sua frente e falar para as pessoas beberem mais água.
Na sequência, o francês Paul Pogba, mulçumano, tirou uma garrafa de Heineken da sua frente, e para piorar a situação, o italiano Manuel Locatelli também repetiu Cristiano Ronaldo. Lembrando que os patrocinadores gastaram 480 milhões de euros, cerca de R$ 2,4 bilhões com a Eurocopa e não aceitam mais serem rejeitados: querem que apenas os jogadores aceitem as duas garrafas de Coca-Cola e uma de cerveja Heineken nas coletivas.
Fiquei refletindo por qual motivo grandes empresas, como a Coca-Cola e Heineken, patrocinam eventos esportivos, e relacionam suas marcas com pessoas famosas e busquei algumas explicações na Neurociência aplicada ao marketing, também conhecido como Neuromarketing. Apenas para relembrar o que já escrevi no texto do Friends, o Neuromarketing é um campo de estudo que une o Marketing à Neurociência. Em linhas gerais, a neurociência aplicada ao marketing tende a prever o comportamento do consumidor, com base no processamento de informação pelo cérebro, tentando identificar o impacto emocional do produto na mente do consumidor.
Não sei se você sabe, mas o cérebro é dividido em três partes – Cérebro Trino de Paul Maclean:
Reptiliano: é o cérebro primitivo, relacionado aos nossos instintos; controla os músculos, equilíbrio e funções automáticas; Memória instintiva (queimei o braço e tirei-o de perto do fogão); Procura abrigo e alimento.
Límbico: é o cérebro das emoções, onde fica nossa memória emocional e afetiva;
Neocórtex: o cérebro racional, que só os seres humanos possuem. Mede o tempo; responsável pela linguagem e fundamentação; controla as reações emocionais;
Atualmente, o Reptiliano e o Límbico (inconsciente) são chamados de Sistema Um e o Neocórtex (consciente), de Sistema Dois. Cerca de 90 a 95% de nossas decisões são tomadas no Sistema 1, ou seja, de maneira inconsciente, pois, ao longo de nossa evolução, o cérebro aprendeu alguns atalhos de comportamento, para que não precisássemos gastar tanta energia pensando de maneira racional nas coisas. Imagina se toda vez que fôssemos escovar os dentes, tivéssemos que pensar? Já aprendemos e fazemos isso de maneira “automática”.
Por isso que fazer uma prova com cálculos dói até a nossa cabeça, pois estamos utilizando o Sistema 2 para isso. É algo novo, algo inusitado. Chamamos esses atalhos criados pelo cérebro ao longo de nossa evolução de vieses cognitivos. E é aí que entra o patrocínio da Coca-Cola, em parceria com pessoas famosas.
Um desses vieses é conhecido como viés de afinidade, onde nós, consumidores, possuímos como tendência dar uma avaliação melhor para quem ou o que é parecido conosco, ou o que já estamos familiarizados. Ao relacionar a sua marca com pessoas famosas e um evento conhecido, as pessoas tendem a se sentirem mais confortáveis em confiar e consumi-la. Não é à toa que você vê o Neymar como garoto propaganda de cueca, à lâmina de barbear, pois seu rosto já é familiar junto ao público que se deseja atingir.
Contudo, percebemos que essa estratégia de neuromarketing não deu certo para Coca-Cola dessa vez, afinal, não adianta nada só deixar a garrafinha do refrigerante na mesa da coletiva de imprensa, sem construir uma boa narrativa, conectando o público ao verdadeiro momento de consumo da Coca-Cola: não é a prática de esportes, mas sim o momento da torcida, da magia da Eurocopa.
Lembrando que embora Cristiano Ronaldo alegue não consumir bebida alcoólica e tenha hábitos saudáveis, o atleta já fez propaganda de cerveja mesmo assim, mas o contexto foi outro. Vestindo o uniforme da seleção de Portugal, o craque estrelou a campanha da cerveja Sagres, que patrocina o time há quase três, ao lado de outros jogadores da equipe. A propaganda de 2017 marcou a entrada da marca portuguesa na China, e foi veiculada em dez cidades do país. Nota-se no caso da Sagres que o Cristiano Ronaldo pode até não tomar cerveja, mas houve uma narrativa, uma história a se contar com a cerveja portuguesa e seu público, que faz parte da vida da seleção portuguesa há anos. A marca em questão não quis relacionar o consumo de cerveja com esporte, mas sim como uma parceria que acompanha a evolução do time português ao longo de três décadas.
Esse é um risco que se corre ao adotar apenas a estratégia do viés cognitivo de afinidade: muitas vezes, não há relação entre os valores do atleta e evento com a marca (embora Ronaldo seja muito famoso) não despertando emoções e trabalhando de maneira mais efetiva com o cérebro inconsciente do consumidor. Ao invés de deixar a garrafinha jogada ali, sem contexto, a Coca-Cola poderia trabalhar melhor sua marca, com ações que engajem mais o público.
A marca já fez isso em outros momentos: em 2012, no Super Bowl (partida que decide o campeonato de futebol americano da NFL), a Coca-Cola fez dois ursos polares da marca reagir à partida online e ao vivo nas mídias sociais (na época, Facebook, Twitter – ASSISTA). A cada lance, os ursinhos, que estavam em torcidas opostas, reagiam à partida e interagiam com o público.
Logo, observa-se que devido à alta concorrência, cabe as marcas despertarem as emoções em sua audiência, trabalhando com o cérebro inconsciente do consumidor, e uma dessas formas é o storytelling. Saber contar histórias que nos conectam é algo que faz parte da evolução de nossa espécie. Na pré-história, costumávamos nos sentar na beira das fogueiras para fazermos as nossas refeições e também nos conectarmos com as pessoas, a contagem das histórias é algo mágico. A Heineken já trabalha dessa forma em outro torneio esportivo, a Champions League: suas campanhas nos emocionam e ficam na nossa cabeça por anos, como a ação “O Candidato” (a campanha é de 2013, mas até agora encontra-se fresquinha no meu cérebro). A campanha de 2016 da marca de cervejas denominada “Mulheres Também Amam Futebol” também é inesquecível. Assista abaixo:
Nota-se que há uma contagem de histórias na comunicação (o cérebro ama começo, meio e fim) e a Heineken não atrela a bebida aos jogadores do torneio, mas sim como uma acompanhante nos momentos da torcida, e conta suas narrativas junto à torcida, trabalhando com pessoas anônimas em sua comunicação. De nada adianta estar do lado de craques mundiais, se sua marca não cria uma sinergia com os valores dos mesmos e não se posiciona no evento de maneira real: a Coca-Cola e a Heineken não fazem parte da dieta dos jogadores, mas com certeza acompanham os momentos de lazer da torcida dos espectadores da Eurocopa.
Me pergunto: será que obrigar os jogadores a aparecerem do lado de garrafas da Coca-Cola e Heineken vai conectar o público verdadeiramente com as marcas, ou só servirá para gerar polêmica e fazer o assunto repercutir de qualquer maneira na mídia?
É importante também lembrar que uma marca vai ficar em nossa cabeça não porque apareceram repetidas vezes apenas no plano de fundo de uma entrevista, mas sim se conseguir se conectar com sua audiência de maneira emocional. Por exemplo: O filme “007 Casino Royale” teve mais de 100 marcas expostas em seu filme. Você se lembra de alguma delas? Mas se eu te perguntar o nome da bola que aparece no filme no “Náufrago”, com certeza você se lembrará.
Resumindo, as marcas devem trabalhar também com o viés cognitivo da afinidade, mas este não é suficiente: elas devem despertar emoções e se conectarem verdadeiramente com seu público. Enquanto isso, aguardamos ansiosamente quais serão as próximas ações que a Coca-Cola e Heineken farão e quais serão as próximas tretas dessa novela chamada Eurocopa.