“Parem de falar mal da rotina” é um fenômeno. Não se tem notícia, pelo menos no Brasil, de outro monólogo criado e protagonizado por uma mulher negra que tenha arrastado milhares de espectadores pelo país inteiro e fora dele, por 22 anos. O espetáculo de Elisa Lucinda volta em cartaz em São Paulo no Teatro Liberdade no dia 22 de junho para uma curtíssima temporada.
Na peça, dirigida por Geovana Pires, a atriz e autora trata o cotidiano como espaço de estreia e criatividade, e não como uma repetição. Para tanto, desfila sua poesia e suas encantadoras histórias cênicas para revelar ao espectador os nossos óbvios, onde o público se vê. O resultado traz uma experiência na qual, por pouco mais de duas horas, o espectador ouve elogios à rotina, e é convidado a uma auto-observação de nossa dramaturgia diária.
A chave, da qual parte a autora, é simples, porém fundamental: a rotina é feita de um conjunto de escolhas. Toda geografia de nossos atos cotidianos é desenhada por nossos desejos e decisões diante das opções, portanto, nós somos os responsáveis pelo que chamaremos de rotina e ninguém é culpado deste desenho. Só nós mesmos. Depois de nos levar a rir e chorar de nós mesmos, a sequência de cenas nos leva a crer no poder que temos, cada um, de atuar nessa rotina, de modo a otimizá-la, melhorá-la, trazê-la para mais perto dos nossos sonhos. Em verdade, nós temos o poder da mudança, nós somos os diretores, atores, autores, roteiristas e produtores das nossas próprias vidas.
“A peça nasceu das inúmeras lições que a natureza nos ensina todo dia. A grande lição é a capacidade de estreia que faz tudo na natureza acontecer de forma espetacular di-a-ri-a-men-te: o nascer do sol, o pôr do mesmo sol, o céu, a chuva, as estrelas, os ventos e as tardes. A natureza ensina a toda gente, mas, às vezes, alunos distraídos que somos, não vemos o lindo óbvio que ela nos oferece e as dicas que ela pode nos dar na condução de nossa vida diária”, conta a atriz e autora do espetáculo.
Junto com a Geovana Pires, Elisa Lucinda criou a Companhia da Outra, que assina o espetáculo. A linguagem desenvolvida nesta obra “engana” o público, pois, seu arcabouço de condução coloquial leva o espectador a achar que tudo é improviso, mas com as surpresas cênicas e algumas repetições de cena, acaba-se concluindo que tudo ali é marcado, ensaiado, ainda que muitos improvisos aconteçam realmente, fruto da interação com a plateia que o espetáculo propõe.
Deselitizando a poesia, Elisa fala o texto poético como quem conversa com o público, emociona e diverte com suas palavras gente de zero a cem anos, de todo o tipo e lugar. A experiência assemelha-se a uma espécie de autoajuda inteligente, uma aula de cidadania através da educação emociona.
Comemorando vinte e dois anos de estrada, o espetáculo abraça plateias e admiradores no Brasil e no exterior, com sucesso de público e crítica. A cerimônia de repeti-lo todos os dias especializou sua criadora na arte de estreá-lo diariamente. A escolha dessa linguagem de roteiro aparentemente imprevisível para quem vê, produziu outro fenômeno que é a repetição do público.
Ao final, Elisa Lucinda pergunta quantas pessoas já viram a peça. Geralmente a resposta positiva vem de 30 a 40% do público, que quer ver de novo uma, duas, três, oito, quinze, trinta vezes. Ele quer ouvir de novo aquilo que não refletiu direito da primeira vez, ou quer experimentar aquela sensação num outro dia. É muita informação. Sem contar que cada qual quer que seu pai, sua irmã, seu primo, seu novo amor, seu amigo que ainda não viu, veja. E não basta só indicar. Cada um quer trazer o amigo pessoalmente, levá-lo, assistir suas reações.
Talvez o público não espere nunca que essa peça pare, pois está sempre disposto a estar presente nas próximas temporadas lotando os teatros, fazendo confusão de acesso de pessoas na porta. Como o espetáculo já atingiu sua maioridade, não é incomum que apareçam espectadores que foram acompanhados dos pais dentro da barriga, ou bebês ainda, e que hoje, adultos, voltam com esses pais e trazem novos amigos. De alguma maneira, a receita dessa obra leva uma comunicação transversal a toda a população brasileira e, por que não, mundial.
SERVIÇO
Espetáculo “Parem de falar mal da rotina”
Onde: Teatro Liberdade
Endereço: Rua São Joaquim, 129, Liberdade – São Paulo
Quando: 22 de junho a 20 de julho
Horário: sábado às 21h
Quanto: R$ 60 a R$ 150
Classificação etária: 14 anos
Duração: 120 minutos
Informação: (11) 91423-8141 ou através do site