O documentário “Currais”, em uma linguagem híbrida entre ficção e documentário, expõe uma das feridas mais trágicas do povo brasileiro e ainda hoje desconhecida. O filme chega aos cinemas selecionados e às plataformas a partir do dia 1º de abril. Com direção de Sabina Colares e David Aguiar e distribuição da O2 Play, o filme conta como o Estado brasileiro agiu para evitar que as famílias de flagelados atingidos pela seca da década de 30 do século passado chegassem à cidade de Fortaleza, capital do Ceará.
As pessoas, entre elas crianças e idosos, eram mantidas aprisionadas em campos de concentração na capital e no interior do Estado, onde eram submetidas a um regime de trabalho escravo em troca de restos de comida e, após a morte, enterradas em valas comuns. Como resultado, os campos de concentração fundaram alguns dos bairros periféricos mais violentos e de maior densidade demográfica de Fortaleza e do Brasil: o Pirambu. “Minha família é do interior do Ceará e as histórias da seca, bem como as terríveis formas de exploração do sertanejo que presenciei, me marcaram. Daí chegamos à imensa desigualdade social e violência da cidade de Fortaleza. Eu e Sabina percebemos que a maior parte dos bairros periféricos desta capital parecem ter se formado com os movimentos migracionais dos retirantes”, explica David Aguiar.
ESCRAVIDÃO – SE FOR PARA SERMOS ESCRAVOS, QUE SEJAMOS DA LIBERTAÇÃO, DO AMOR E DO RESPEITO
“Currais” recebeu o Prêmio Abraccine (Associação Brasileira dos Críticos de Cinema) de melhor filme de diretor estreante durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e percorreu outros festivais, incluindo o tradicional Cine Ceará (Prêmio de Melhor Filme Olhar do Ceará), a Mostra Competitiva de Tiradentes (MG), foi premiado no Festival de Aruanda do Audiovisual Brasileiro em João Pessoa (PB) como melhor direção, direção de fotografia, direção de arte e atriz (Zezita Matos), e ainda foi premiado como melhor direção no Amazônia Doc (AM). Foi selecionado também para o International Documentary Film Festival de Buenos Aires, na Argentina e para o Festival Cine del Mar em Punta del Leste, no Uruguai.
Em “Currais” acompanhamos a trajetória de Romeu, personagem fictício que viaja pelo sertão do Nordeste em busca de respostas e vestígios dos tais campos de concentração. O protagonista vai costurando memórias a partir de relatos reais, documentos e fotos.
Os diretores, após quatro anos de pesquisas, percorrem as cidades que abrigaram estes espaços onde as pessoas eram abandonadas até a morte. “Currais” é um filme de memória e afetos com personagens que deram corpo e vida à história contada nas telas. “Aí quando nos deparamos com essa situação radical de nosso país, queremos entender a nossa história, não para conhecer um passado morto, mas para compreender como essas injustiças e esses movimentos fascistas de tempos passados sobrevivem atualmente, agora. E acho que o ‘Currais’ é isso, é esse passado vivo que naturalizamos hoje, assim como os poderes dos anos 30 naturalizaram os campos de concentração”, avalia o diretor.
Na seca de 1932, no Ceará, foram criados vários campos de concentração para aprisionar e impedir que os flagelados chegassem à cidade de Fortaleza. Militares e representantes da sociedade civil decidiram escravizá-los, legitimando os interesses da elite econômica por meio de políticas de repressão e higienização social. Remanescentes narram fragmentos de memórias e lutos interrompidos, testemunhados nos casarões em ruínas das concentrações e no culto das “almas da barragem”, resistentes ao forte apagamento histórico. Assista ao trailer: