A geração Z está cansada de seguir influenciadores digitais que retratam um estilo de vida aparentemente perfeito e inalcançável, com muita ostentação e sem ensinamentos que possam fazer a diferença em nossas vidas.
Nota-se que essa geração busca cada vez mais por influencers que sejam “gente como a gente”, que transmitam um estilo de vida possível, que mostrem suas dores reais, vulnerabilidades e que ensinem que, para sermos feliz, podemos ser quem realmente somos. Logo, percebe-se que o Tik Tok, ao contrário de outras mídias sociais, deu voz para diversidade e grandes estrelas reais, como Laura Seraphim, Pequena Lo, Vitor Fernando, Isaias, entre outros.
Aliada a essa demanda da geração Z, ascensão do Tik Tok e mulheres tornando-se cada vez mais donas de seu capital, ocupando espaços que jamais ocuparam antes, surge o movimento body positive, ou “corpo livre” (como denomina a jornalista e creator, especialista no assunto, Alexandra Gurgel), um movimento que se preocupa em fazer as pessoas aceitarem seu corpo e aparência, sem a necessidade de se encaixar em um padrão (o vigente em nossa cultura é o europeu: loiro, alto, branco, hétero, olhos claros, cis e magro).
Resumindo: o movimento body positive nos convida a amar a nossa aparência, do jeito que somos: gordos, magros, com celulite, sem celulite, com estrias, sem estrias, com alguma deficiência ou cicatriz… para geração Z, o belo é ser diferente e ter características únicas.
Além de defender os diversos formatos de corpo, o movimento corpo livre também considera olharmos de outra maneira às nossas singularidades:
Condições de pele (melasmas, vitiligo, albinismo ou sinais de nascença); Formato do nariz e cabelo; Cor dos olhos; Cicatrizes (queimaduras, marcas de acidentes e de cirurgias); Deficiências (paralisias, membros amputados ou má-formação congênita); Rugas, cabelos brancos e demais características do avanço da idade, celulites e estrias.
MINHA VIDA COM VITILIGO – A CADA MANCHA UMA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO
Logo, o movimento possui como um dos principais objetivos lutar contra a limitação de padrões de beleza estabelecidos na sociedade, enaltecendo assim outros tipos de corpos e características físicas.
Porém, a autoaceitação (amar e aceitar sua aparência) não é sinônimo de se conformar e estar a todo momento insatisfeito com ele. Vou dar um exemplo: muitas vezes, uma mulher praticante de atividade física e de alimentação saudável, fora dos padrões estéticos impostos pela sociedade (gorda), fez seus exames médicos e está saudável, mas por pressão estética, quer se submeter a dietas mirabolantes, lipo, aplicação de silicone, como maneira de agradar os outros, e não a si mesma, colocando muitas vezes sua vida em risco.
O movimento body positive convida essa mulher a continuar cuidando de sua saúde, com a prática de atividades físicas que ela gosta, se alimentando saudavelmente, indo ao seu terapeuta, (para cuidar de sua saúde mental), sem sucumbir às pressões estéticas estabelecidas por nossa sociedade, fazendo um trabalho diário de autoamor, autoaceitação e autoestima. E quem disse que isso é fácil?
Escrevo esse texto para mim mesmo, pois o que me motivou a redigi-lo foi a minha autoaceitação, que ainda luto diariamente para não ser movida pelo inconsciente coletivo das cirurgias plásticas e pressão estética de nossa sociedade.
Eu morria de vergonha, até pouco tempo atrás, de ir colocar o lixo na rua, sem estar maquiada e “perfeita”. Depois de sessões de terapia, e de acompanhar pessoas de verdade na internet e aprender muito com elas, atualmente consigo aparecer em meus stories sem make ou filtros, sem precisar esconder as minhas manchas de espinha, herança das máscaras e da quarentena.
PADRÕES ESTÉTICOS E GORDOFOBIA: UM DESABAFO SOBRE OS FISCAIS DO CORPO
Também olho para o meu pneuzinho, aquela barriguinha, “pochetinha” insistente e penso: “Qual tempo de sacrifício terei que despender para ter uma barriga trincada? Quais livros deixarei de ler ou qual risco terei que correr para ter uma barriga lisa, sem dobras? O que me abdicarei, para alcançar algo inatingível, ao formato do meu corpo? Terei que comer apenas batata doce e frango? Vou ter que demonizar o pedaço de bolo da minha mãe e deixar de tomar um belo vinho, proseando com as minhas amigas? Vou ter que perder as minhas férias, para ficar na cama, recuperando-me de uma cirurgia plástica? Vale todo esse sacrifício, em prol de (somente) uma barriga chapada?”. Cada vez mais, busco equilíbrio no quesito corpo, e me preocupo com meu bem-estar e saúde física e mental, acima da estética.
Mesmo escutando que deveria dar um jeito “nisso”, sempre amei meus cabelos brancos (convivo com eles desde os 18); meus peitos pequenos nunca foram um problema, pois eu sempre gostei de correr e não sentir dor, ou precisar de um top desconfortável para segurar bem os meus seios, enquanto pratico atividade física.
Porém, admito que ainda tenho muita dificuldade em assumir meus cabelos naturais: cresci escutando que meu cabelo armado e cacheado era feio e inadequado (racismo estrutural que chama?). Escutei isso dos meus familiares, sofri bullying na escola, tentei fazer transição capilar algumas vezes, mas ainda não me sinto bem: essas vozes ainda ecoam no meu inconsciente. Queria muito ter crescido com canais fantásticos que temos atualmente no Youtube, que ensinam as mulheres cacheadas a cuidarem de suas madeixas e assumirem quem realmente são.
Pois é: a palavra tem muito poder! Que tal ajudarmos as nossas manas e manos a crescerem de maneira mais empoderada, elogiando suas qualidades além do físico (como você é inteligente, forte, guerreira, como desenha bem, sabe calcular), ao invés de falarmos dos corpos dos nossos, que desde muito cedo escutam coisas tristes sobre sua aparência?
Assumo também que esses dias fui ler um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de duas alunas que faziam uma análise de conteúdo de três influenciadoras do mercado da moda, que outrora deixei de seguir, afinal, estas postavam um estilo de vida inalcançável. Fui conferir o conteúdo de uma delas, por curiosidade e saí da página morrendo de vontade de me internar e fazer uma lipo HD.
Passado o delírio, pus-me a vigiar meus pensamentos e disse a mim mesma: “foi por esse motivo que você deixou de segui-la. Ao invés de te encorajar a fazer um novo projeto, ou ler um livro e explorar seus hobbies, essa influencer, por um momento, fez você achar que sua vida é péssima, que sua casa é um lixo, que suas roupas não prestam e seu corpo é inadequado”.
Destarte, para que consiga praticar todos os dias a auto aceitação, convido você a dar um pulo nas suas mídias sociais, fazendo uma faxina e passando a seguir pessoas mais próximas ao seu biotipo e que tenham um estilo de vida mais real e alcançável. Siga conteúdos que te eleve, aumente seu raciocínio crítico e visão de mundo, te deixe para cima ou mais responsável, e que não apenas aponte que você está todo errado e, para alcançar de vez a felicidade, precise consumir produto X ou serviço Y. Que você precisa de coisas e que sua vida se torne vazia e sua existência seja objetificada.
ETARISMO – ESTRANHO PENSAR QUE “JOVEM” É ELOGIO E “VELHO” É XINGAMENTO
Além do mais, observa-se também que o movimento body positive foi acelerado pela pandemia. No caso dos cabelos grisalhos, por exemplo, por não conseguirem ir ao salão de beleza durante a quarentena, muitas mulheres começaram a fazer a transição capilar, do cabelo pintado, para o cabelo natural. Para o homem, os cabelos prateados sempre foram sinônimo de charme e elegância, mas durante anos, mulheres escutaram que deixar de pintar o cabelo é uma questão de desleixo, baixa autoestima e até mesmo depressão.
Lembremos que, para o capitalismo neoliberal, uma mulher só tem valor se ela for jovem, pois assim ela compõe a força de trabalho e pode gerar filhos, que promovem a manutenção do capitalismo, de acordo com o livro “Calibã e a Bruxa”, escrito por Silvia Federici. Logo, cabelo branco é sinônimo de velhice, inconscientemente é tido como descartável para sociedade e feio. Porém, aos poucos, com uma população cada vez mais ativa e envelhecente, e, consequentemente, com o pessoal acima de 60 anos com muito poder de compra, os cabelos brancos “têm feito a cabeça” literalmente das mulheres, tornando-se referência em estilo e aceitação.
Assim como os cabelos prateados, muitas mulheres adotaram a aceitação do formato de suas madeixas, deixando de perder tempo, dinheiro e correr risco de saúde, ao passar químicas pesadas na cabeça (um dia, eu chego lá).
ECONOMIA PRATEADA E O CONSUMIDOR MADURO: VOCÊ ESTÁ PREPARADO PARA ESSA TENDÊNCIA?
Minha orientada do TCC denominado “Comportamento de compra e consumo das mulheres em transição capilar”, na Esalq USP, Cíntia Mendes dos Santos, entrevistou 51 mulheres que fazem ou faziam tratamento químico em seus fios. Na pesquisa, Cintia notou que o movimento de transição capilar e da aceitação do corpo influenciou diversas mulheres a deixarem de lado hábitos de beleza que adotava apenas por pressão estética. As falas captadas foram:
“Porque eu acreditava que deveria ter o cabelo liso para me sentir bonita. Conforme fui desconstruindo essa ideia e abrangendo o padrão de beleza, entendi que poderia ser bonita também com o cabelo cacheado, sem viver dependente de uma química que fazia muito mal ao meu corpo (meu couro cabeludo descamava, tinha reações alérgicas fortes)”.
“Alisar era trabalhoso e eu não gostava do resultado, só alisava por pressão”.
“Fui bastante influenciada pelo movimento da transição capilar por estar cansada da necessidade constante de usar alisante, chapinha e secador, além de querer ver meu cabelo com uma textura que fugisse ao alisado “escorrido” de antes”.
Uma pesquisa do Google BrandLab (2017) afirma também que houve um crescimento de 232% na busca pelo termo “cabelo cacheado” no site de buscas.
A pesquisa de Cintia mostra que, muitas das vezes, as mulheres buscam se informar sobre novidades e novas técnicas de autocuidado nas redes sociais: 74,51% das respondentes já pesquisaram sobre transição capilar na internet (Youtube e redes sociais) antes de iniciar sua própria transição. Também é possível observar que 15% das respondentes não iniciaram a transição, mas já pesquisaram sobre na internet.
Referente aos cuidados de pele e maquiagem: a geração Z prefere usar menos maquiagem, aproximando-se da pele o mais natural possível e valorizando a beleza natural, muito por conta do movimento body positive. Logo, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria e da Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), nota-se um crescimento constante de produtos de tratamento de pele, principalmente pós-pandemia, observando que há um maior interesse pela busca de uma pele mais saudável e natural, diante da aparência externa. Não são apenas produtos que tiram as manchas e espinhas, mas sim aqueles que realçam o viço e a saúde da pele, como de fato ela é.
Outra prática que vem crescendo ao longo dos anos é explante de prótese de silicone nos seios. Por problemas de saúde, dores na lombar, seios e também por questões de autoaceitação, cada vez mais mulheres optam por tirarem o silicone e assumirem seus seios naturais. Após colocar a prótese, muitas mulheres alegam sofrer com intolerância alimentar, síndrome do intestino irritado, alergias na pele, enxaquecas muito fortes, além de dores crescentes por todo corpo e raciocínio lento. Após o explante, esses sintomas vão sumindo, gradativamente.
Graças à internet e mídias sociais, muitas mulheres conseguem trocar informações umas com as outras e se informarem melhor dos riscos desse procedimento estético.
De acordo com reportagem para Folha de São Paulo, a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS, sigla em inglês), alega que, embora as próteses ainda representem 15,8% de todos os procedimentos estéticos feitos no país, houve uma diminuição no interesse (3,6% a menos, entre 2018 e 2019). No mesmo período, notou-se crescimento de 10,7% no número de retiradas de silicone – desde 2015, o aumento foi de 49,7%.
E quem lucra em manter as mulheres sempre insatisfeitas com seus corpos e aparência? De acordo com Silvia Federici, é o capitalismo neoliberal, fazendo com que as mulheres gastem seu tempo e dinheiro, tentando agradar os outros, de modo a sempre ter valor a essa sociedade (ter filhos economicamente ativos, aparentar juventude).
Prejudica-se assim o tempo dessas mulheres para fazer o que realmente lhes tocam o coração, investirem seus dinheiros no que realmente as fazem crescer como pessoa e que não tenham tempo para debates importantes ou praticarem a sororidade, colocando-as para rivalizar com outras mulheres e mostrando que existe apenas um caminho para ser feliz: o da caixinha de mãe, esposa, obediente, em busca de uma perfeição inalcançável.
Você deve estar se perguntando, “mas Mariana, vender produtos e serviços que defendam o body positive também não movimenta o consumo?”. Sim, afinal, marketing é satisfazer as necessidades e desejos de todos os parceiros de uma organização, e este evolui, conforme o Zeitgeist (espírito da época, espírito do tempo).
Cada vez mais, a Geração Z cobra das empresas uma postura mais consciente, perante a sociedade, bem como há uma pressão do mercado financeiro às corporações se enquadrarem nas políticas de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, traduzido do inglês).
De acordo com Mont (2004), historicamente, o ato de consumir sempre esteve associado à sobrevivência humana, por meio da satisfação de demandas alimentares, de moradia, proteção e de consumo, uma vez que um indivíduo não é capaz de produzir tudo aquilo do que precisa para sua sobrevivência. Portanto, cabe aos consumidores comprarem de empresas que adotem a prática do Capitalismo Consciente.
Logo, surge um movimento global denominado Capitalismo Consciente (CC), que se refere à crescente conscientização das empresas e dos líderes sobre o potencial de comércio para fazer muito mais do que ganhar dinheiro, onde a corporação encontra-se ciente do seu propósito como uma organização, enxergando a interconexão de todos os stakeholders (parceiros de negócio) e se esforçando para criar locais de trabalho infundidos com dignidade, significado e alegria (SISODIA; HENRY; ECKSCMIDT, 2018).
Os pilares do CC são: propósito evolutivo, além do lucro, criação de valor para todos os stakeholders com a integração de seus interesses, liderança servidora e cultura responsável (SISODIA; HENRY; ECKSCMIDT, 2018).
Portanto, eu prefiro comprar de empresas que me estimulem a assumir e realçar a minha beleza natural, ao invés de comprar um produto ou serviço que me force a ser quem eu não sou, ou me incentivar a me enquadrar num padrão de beleza inatingível, afinal, queremos consumir cada vez mais de empresas que contratem diversidade em seus cargos gerenciais e estratégicos, que vendam produtos e serviços que incentivem mulheres a serem livres para exercerem o que elas quiserem, deixando de objetificarem seus corpos para agradar o que a circula, passando a olhar para o que mais importa: o que está dentro, seu amor próprio.
Como diria Liniker, em sua música “Lili” (uma das que mais escutei nesse ano, por sinal): “com a sua intuição, ela cruza sua alma, pulando na água, olhando para o mundo, Lili vai, Lili vai, Lili vai sonhando, Lili vai, Lili vai, Lili vai voando, (…) quando você tomar conta do seu coração, quando você amar a sua alma, talvez você pode encontrar Lili, ela não precisa se esconder nunca mais, ela apenas quer viver”. A cantora, em sua composição, refere-se a Lili como sua “verdadeira eu”.
Por um mundo que as mulheres encontrem suas Lilis, tomem posse de sua aparência e, como diria os Novos Baianos, “joguem seus corpos no mundo”. Mais auto amor a todos nós.