Dia dos pais também é dia de respeitar a diversidade dos modelos de família, e de reconhecer que existem mulheres que dão conta dessas famílias sozinhas. Mulheres que se desdobram em rotinas quase impossíveis, e ainda carregam o peso e o julgamento da sociedade. Mulheres que não precisam ser comparadas à figura masculina pra reafirmar presença, porque no fim das contas é uma integridade potente delas mesmas. Foto principal – Keilane Santos e Bernardo.
Nos lares brasileiros têm crescido progressivamente o número de famílias chefiadas apenas por mulheres, sendo em sua maioria jovens, negras, em situação de vulnerabilidade social e baixo grau de escolaridade, ou seja, por aqui, a monoparentalidade é também uma questão social, racial e econômica. Segundo o IBGE são mais de 11 milhões de mães solo em nosso país e nesse longo período de pandemia o cenário está mais desafiador: filhos assistindo aulas online demandando mais atenção, desemprego e tripla jornada de trabalho em casa.
MULHER ALÉM DO ÚTERO: O PODER SOCIAL SE SENTE DONO DO NOSSO ORGÃO
Em pleno século vinte e um ser mãe solo e decidir sobre como criar sua filha (o) não teria nada demais, isso se a sociedade fosse menos preconceituosa e se a comunidade e as escolas acolhessem melhor todos os tipos de família, sem olhar para elas a partir de um funcionalismo social, julgando sempre a “falta” de algo.
“Quem pariu Mateus que embale!”, “Coitadinha! É mãe solteira”, “Fez filho, agora aguenta”, “Mas você é jovem e bonita, vai arranjar um pai pro seu filho”. Desabafa Olívia Anchieta – mãe solo de Bento na “Carta De Uma Mãe Solo Cansada” escrita para o site Mães Que Escrevem – dizendo que já escutou estas e muitas outras frases, que são quase jargões proferidas por mulheres (que reproduzem o machismo), e complementa: “Sinto o patriarcado me oprimindo quando dão a entender que não posso ou não deveria me expressar. Sinto olhares de julgamento. Como se eu estivesse sendo ingrata por reclamar da sobrecarga materna. ‘Ah mas seu filho é saudável. Agradeça’. Respondo apenas: Não entendi o nexo causal! A verdade é que tem muita gente que não está pronto pra ser colo que acolhe. Quem está disposto a apoiar uma mãe que desabafa? Cuidado com as devolutivas, menos conselhos, evite palpites ou dica infalível… Escute com empatia!”.
“As mães solo estão sozinhas mesmo, no barco de dar conta e tomar conta!”, com essa frase começa o documentário “Mães Solo” de Camila Moraes, um curta-metragem que conta a histórias de mulheres, mães, pretas, moradoras de comunidades da cidade de Salvador na Bahia, apresentando suas identidades através de relatos autorais e fugindo dos estereótipos que as cercam. O filme teve sua estreia em junho deste ano e essa semana voltou às telas pelo programa de difusão cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo: #culturaemcasa. Assista ao trailer abaixo e o filme no hiperlink acima.
“Já chorei mares e rios, mas não afoguei e não parei, continuei e continuo” afirma Keisiane citando a música de Iza, em um de seus depoimentos no documentário, e continua “acho que a sociedade não está preparada pra ver uma mulher preta, jovem, mãe solo, a frente de sua vida, a morar só, a ter um negócio, a desenvolver um negócio, acho que as pessoas olham pra mim e não acreditam”.
Keisiane Santos de 24 anos e Lúcia Batista de 63 anos dividem a cena, ambas mães, que apesar de terem dado à luz em épocas diferentes, lembram e relatam dificuldades parecidas sobre a realidade de ser uma mãe solo nessa sociedade. As histórias das duas se conectam e trazem algumas reflexões essenciais sobre a responsabilidade e a criação de seus filhos. Nesse contexto, o curta expõe as questões que envolvem a falta de apoio e acolhimento da família, dos pais das crianças, da sociedade e do Estado, sem perder a beleza e a poesia da fotografia e da direção de arte de Alice Braz. O filme também traz a análise da situação por Vilma Reis, socióloga e ativista, que explana e aprofunda as raízes dos problemas enfrentados pela mulher preta mãe solo, levantando a origem dos fatos que estruturam seu lugar na pirâmide social.
Para as mulheres, dia dos pais é dia de fortalecer a rede de apoio, e para a sociedade é um convite para reconhecermos uma masculinidade presente na paternidade que pode ser repensada, para quem sabe, lá na frente diminua o número de feminicídios.
Formemos nós essa rede de afeto, cuidado e pequenas disponibilidades, para que as amigas tenham um minuto de descanso. Amigas essas que se desdobram, não para substituírem um pai, mas para serem elas mesmas, e não se abandonarem como mulheres, provedoras, dona de suas vidas e sobreviventes, porque ser mãe solo no país da “tradicional família brasileira” é resistência!