“A GENTE FOI FELIZ AQUI” FAZ DESPEDIDA POÉTICA DE EX-MORADORES, EM MEIO AO DESASTRE DE PINHEIRO, BAIRRO DE ALAGOAS

ATRAVÉS DE LAMBE-LAMBE, MEMÓRIAS DE MILHARES DE PESSOAS QUE PERDERAM SUAS CASAS SÃO RETRATADAS NO PROJETO DO ARTISTA VISUAL PAULO ACCIOLY
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06.07.2021

Reprodução / Instagram

Desde 2018, os bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto, em Maceió, sofrem com o afundamento da superfície de parte da cidade, devido à extração de sal-gema, substância utilizada para a fabricação de soda cáustica e PVC, realizada no subsolo da região. A catástrofe já causou tremores de terra de magnitude 2,5 colocando em risco a vida de mais de 40 mil habitantes, ao quais milhares já deixaram suas casas para trás em busca de segurança para a família e outros que permanecem em suas residências, pois não tem condições de ir para outro local ou resistem diante do imóvel conquistado com tanto suor de uma vida. Muitos moradores ainda aguardam indenizações da Braskem, empresa que fazia a mineração na região de Alagoas. Segundo a Defesa Civil de Maceió, o risco de desastre tem aumentado.

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Além das rachaduras, fissuras e desmoronamento, outro espectro ronda os bairros, os saques, devido o esvaziamento parcial das regiões, os pequenos comércios e casas que resistem por ali, até mesmo os imóveis abandonados são alvos fáceis de criminosos. Com os bairros evacuados, restam paredes, mas sem cor, cômodos vazios, mas sem vida pulsante e chão empoeirado com partículas de tristezas que eliminaram sonhos de milhares de pessoas. Pensando nas histórias dos moradores que deixaram tudo para trás, o artista visual, Paulo Accioly, 28 anos, criou o projeto A Gente Foi Feliz Aqui, que através de fotografias em tamanhos reais dos moradores, ilustram narrativas que vivenciaram naquele local.

“Eu lembro nitidamente. É um sentimento que eu tentei negar, essa minha despedida. Ela acabou vindo em forma de pesadelo, acordava assustada, eu sonhava muito com o apartamento: as cores, o cheiro da casa, a iluminação, a decoração. Até que eu realmente precisei acordar, sentir isso, me permitir sentir essa dor que não tem como ser negada. Eu perdi minha casa. Não tem como fingir que foi pouca coisa, ou que já passou só porque as pessoas pararam de falar sobre isso, só porque parou de passar no jornal. Não tem como fingir que não tá acontecendo” – (foto acima)

“Morei no bairro por aproximadamente 5 anos, até me mudar pra França. Quando voltei meus pais já tinham se mudado do bairro. A ideia vem da aflição de, morando fora, acompanhar o drama dos meus pais de conseguir outra casa para morar, no meio do caos de pandemia e da especulação imobiliária gerada pelo problema. E, além disso, a falta de informações. Era quase impossível saber o que estava acontecendo, a mídia não divulgava o problema”, comenta sobre o surgimento da ideia.

O material escolhido para o trabalho foi a técnica em lambe-lambe nas cores preto e branco – “a colagem vem como herança da minha formação na França, mas também tem toda a questão do efêmero. Uma colagem vai se esvaindo, vai deixando de existir naquele lugar. Fazia muito sentido para a mensagem que eu queria passar sobre essas famílias que, pouco a pouco, iam deixando suas casas. O preto e branco, num contexto colorido (muros, árvores, placas, rua) faria com que as colagens chamassem mais atenção do que se fossem coloridas. O PB também traz algo de nostalgia, muito mais do que o colorido”, explica.

Em torno de dez famílias tiveram suas histórias eternizadas nas paredes de suas casas – “Nossa história no Pinheiro, começa em 1976 com a vinda dos meus avós maternos de Recife para Maceió. Eles compraram uma casa na rua Luiz Rizzo, local onde minha mãe passou sua adolescência e o inicio da vida adulta. Os meus pais quando se casaram já tinham o meu irmão, viveram nessa mesma casa por 4 anos. Somente com a minha chegada é que nos mudamos para a rua Anahy, onde vivemos por 28 anos”, diz um trecho da colagem feita em uma das residências na foto acima.

“Inicialmente as pessoas tinham medo de colar suas casas, medo de alguma represália. Depois da primeira foto, as pessoas vieram buscar querendo participar. O projeto poderia ter crescido mais, mas faltou “braço” e verba. Conversamos com muitas famílias, mas só conseguimos colar (por diversas razões) algo em torno de dez. A principal pessoa do projeto foi Renata Baracho, fotógrafa e diretora de fotografia. Os outros eram voluntários e vinham uma ou outra vez”, diz Accioly.

“A música, a dança e a alegria se faziam constantes naquele apartamento, minha sogra amava ouvir músicas de Luiz Gonzaga e Leandro & Leonardo, enquanto costurava enfeites para a casa e roupas para os netos, aproveitando a luz que vinha da janela. Junto com os demais moradores, comemorávamos datas festivas, enfeitávamos o prédio para as datas comemorativas, éramos uma família, vivemos anos felizes ali”, diz outro trecho do projeto na fotografia acima.

“Existe um documentário sendo feito pela Renata, estamos prestes a rodar os últimos materiais. Tenho muita vontade de lançar um mapa de êxodo e algum material de audiovisual do projeto. E, em breve, ele deve se desdobrar em contar outras histórias de outros problemas – de alguma forma – parecidos”, diz o criador do projeto sobre o lançamento de um documentário sobre a situação em Alagoas.

“A gente já foi muito feliz aqui. Foram tantas fotos de “primeiro dia de aula”, tantas descobertas, brincadeiras, festas de aniversário, almoços antes do colégio e muito bolo de queijo. É triste pensar que não vamos mais poder pisar aqui” – foto acima.

Se as paredes têm ouvidos, elas carregam entre seu concreto inúmeras tristezas, alegrias e conquistas de uma jornada de famílias que lutaram e ainda lutam para fincar suas memórias para futuras gerações. “Saudade é a melhor palavra. O projeto serviu como despedida dos moradores com suas casas e foi uma forma poética de colocá-los ali mais uma vez, de deixar eles na casa até o último momento. Nostalgia também representa bastante o sentimento”, finaliza.

“Quando a gente se mudou aconteceu de ela ficar sem lugar. Foi uma opção que eu tive, poderia doar, poderia deixar ela lá, mas preferi ficar com ela. Ela é minha, ela é minha responsabilidade, ela é minha filha” – foto acima

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