TIAGO BARBOSA: “A GENTE SABE O QUANTO BATALHOU PRA PODER CONQUISTAR NOSSO LUGAR”

Certamente ao falarmos de teatro musical no Brasil, o principal nome que surge é “O Rei Leão”, o espetáculo reinou nos palcos desde a sua estreia há 25 anos. A adaptação visionária da Walt Disney Studios redefiniu nossas expectativas sobre produções teatrais e tornou-se recorde de público, e vossa majestade, protagonista do musical, atende pelo nome de Tiago Barbosa, ou melhor, nosso “reizinho” tupiniquim.

A MÚSICA VIRAL NÃO MATA, MAS EMBURRECE

Tiago Barbosa, filho do Seu Jorge Brás e Dona Maria da Penha, carioca da gema, cresceu entre vielas das favelas do Rio de Janeiro, mas seu destino já estava traçado – o garoto sonhador nasceu para ser artista. O dom pela música é herança familiar, seu pai cantava e escrevia sambas e canções românticas, já sua mãe, criada dentro de uma família evangélica protestante cantarolava pela casa, todos seus irmãos cantam, e não demorou muito para Seu Jorge colocar seus filhos para estudar numa ONG em uma Orquestra Sinfônica – Tiago entrou com doze anos e saiu aos dezoito.

Atualmente com residência fixa na Espanha, Tiago Barbosa se prepara para retornar ao espetáculo “Kinky Boots”, com estreia marcada para este ano em Madrid, e mais uma vez nosso talentoso ator, será o protagonista, foi com essa peça que ganhou notoriedade na Europa e uma indicação de melhor ator espanhol, concorrendo com Antonio Banderas. O artista possui um vasto currículo profissional, participou do musical “Mudança de Hábito”, após 25 anos retornou ao personagem Simba no “O Rei Leão”, foi o primeiro príncipe negro mundial em “Cinderella”, marcando mais uma vez seu nome no cenário do teatro musical.

A convite do diretor Dennis Carvalho, Tiago retornou ao Brasil para protagonizar “O Clube da Esquina”, espetáculo em homenagem a Milton Nascimento, trabalho que trouxe muita maturidade cênica ao artista, em seguida fez “Wicked”, “O Homem da Máscara de Ferro”, que artisticamente foi um trabalho mais minucioso, gostoso e árduo de se fazer, segundo adjetivos ditos pelo próprio ator. Atuou em “The Boys In The Band” e seu show solo “Tiago Canta Milton Nascimento” com ingressos esgotados. Tiago Barbosa é realmente um artista multifacetado.

O Portal Pepper bateu um papo com o ator falando sobre carreira, novos projetos e o atual cenário musical brasileiro. Leia a entrevista abaixo:

PP: Você é formado em pedagogia. Quando e por qual motivo resolveu largar a profissão?

Tiago Barbosa: Sou pedagogo de formação, eu amo a educação, eu amo ser pedagogo, a verdade é que eu não acho que eu tenha largado diretamente a pedagogia, eu acho que a pedagogia a gente leva para todos os lugares, em todas as nossas frentes de trabalho, eu sigo dando aula, mas hoje a aula que ministro acaba sendo voltada para o mercado de trabalho do teatro musical, não trabalho mais dentro de escolas, porque o momento em que a vida começou a me chamar pra ter um pouco mais de responsabilidade na área da música, da arte, e eu não queria fazer mais ou menos, todas as coisas que eu me empenho a fazer, que dou o meu nome, tento fazer de uma forma intensa e não tinha como me dividir entre o lecionar ou trabalhar como orientador educacional e trabalhar com esses grandes espetáculos da Broadway, então era impossível coordenar uma coisa com a outra.

PP: Como foi a experiência de ser preparador vocal do grupo teatral “Nós do Morro”?

TB: Eu entrei no ‘Nós do Morro’ por um grande acaso e ao mesmo tempo uma grande vontade de estudar, uma fome de estudar, uma fome de aprender e trabalhar no teatro, uma fome de estar no palco, entender como funciona essa ciência, como funciona essa arte, e logo quando eu entrei, existiu um processo de trabalho chamado Bandeira de Retalhos que eles precisavam de um preparador vocal e foi aí que acabei chegando de paraquedas e me apaixonei pelo projeto, ali eu trabalhei com grandes artistas que hoje graças a Deus também estão na televisão, fazendo sucesso em novelas, e foi um período muito bacana, foi um período de muito aprendizado, de muita troca, e foi muito bom trabalhar ao lado de Fraga, Sergio Ricardo e Fátima Rodrigues – foi um período muito intenso.

PP: Como o Tiago Barbosa foi descoberto?

TB: Vou entender essa pergunta como a primeira vez que alguém me viu trabalhar, eu tinha doze anos, estava dentro da van com alguns músicos da Orquestra, que íamos fazer um concerto privado e eu estava sentado lá atrás com outros músicos que estavam brincando e cantando, até que eu cantei uma música gospel e o maestro olhou pra trás, e foi chegando mais perto, e pediu licença pra quem estava sentado do meu lado e disse “você canta muito bonito, eu quero que você vá estudar em Nilópolis com uma professora de canto”. Foi a primeira vez que alguém tinha falado isso pra mim, logo depois, os anos passaram, a vida passou, aí no programa Ídolos da Rede Record, em 2012, foi o momento de eu me descobri como cantor, me descobri como artista, estar naquele programa significava isso, colocar a prova o meu talento.

PP: Qual foi o primeiro papel de destaque que teve nos palcos brasileiros? Quando falamos de Tiago Barbosa, logo lembramos “O Rei Leão”. Como foi retornar ao protagonismo do espetáculo após tantos anos? O que “O Rei Leão” representa na sua carreira?

TB: O ‘Rei Leão’ sem dúvidas foi o meu grande trabalho no Brasil o que iniciou tudo, essa fantasia toda, e eu sou muito grato a Disney, a todos os meus diretores que estiveram comigo, os americanos, tanto os residentes aqui no Brasil, que me fizeram crescer, que me deram apoio, carinho, respaldo, que acreditaram e choraram junto comigo, eu sempre fui um cara muito “cabeção” sabe, quando eu quero fazer, eu vou fazer o melhor que posso, eu tenho muita disciplina no meu trabalho, disciplina nos meus horários, o sonho já é não é mais sonho, é trabalho, então cheguei no momento que preciso colocar o trabalho no seu devido lugar, também é preciso aperfeiçoar, você buscar e inovar, então ‘O Rei Leão’ foi esse lugar, foi o lugar do respeito, o lugar que foi a primeira vez que eu trouxe os meus pais para assistir um teatro, foi um resgate cultural, um resgate educacional – e voltar para esse lugar passados onze anos, é como um filme, é lógico que é diferente, o Tiago de onze anos atrás bem diferente do Tiago de hoje. Eu voltei para ajudar uma companhia finalizar um projeto, e a Disney me chamou pra poder ajudar nessa finalização e foi incrível voltar naquele palco, foi incrível voltar nesse personagem, lembrando que eu fiz ele por cinco anos em espanhol, fazia nove shows por semana, então o que eu tinha mais fresco do show era em espanhol e não em português – foi um processo muito gostoso, enriquecedor e maduro.

PP: Você passou uma temporada morando fora do país, e agora retorna para a Espanha para estrear o musical “Kinky Boots”, onde já havia feito brilhantemente, fale mais sobre esse projeto?

TB: ‘Kinky Boots’ é um presente na minha vida, espetáculo difícil, ele exige muito de mim, se o ‘Rei Leão’ já exigia, neste então exige 98%, um espetáculo que estou como uma drag queen com várias perucas diferentes, todas as minha entradas no show, eu entro com uma peruca diferente, de um jeito diferente, é um espetáculo que eu estou de salto alto, é uma peça de comédia, então eu preciso estar vivo e ter essa sacada do que está acontecendo com a Espanha, pra mim vai ser um desafio, pois estou fora há dois anos do país, é um espetáculo riquíssimo e que fala sobre o respeito a você mesmo, respeito a família, respeito a suas escolhas – fala sobre amor.

PP: Você foi o primeiro ator negro a interpretar o príncipe do musical “Cinderella” em todas as montagens que teve mundial. Recebeu criticas ou ofensas de cunho racial?

TB: Foi muito inovador naquela época fazer esse projeto. É um projeto de noves anos atrás, hoje vivemos avanços, tivemos uma produção e direção muito responsável e com um olhar muito a frente para o futuro, abrindo as portas pra muitas coisas que estão acontecendo no cenário musical brasileiro.

PP: Já enfrentou preconceito no ramo artístico por ser negro? Como enxerga o atual mercado teatral brasileiro?

TB: Hoje o grande problema que eu enfrento é que é diferente o crescimento de um homem branco de um homem preto dentro da classe artística, quando você vê um homem branco fazendo muito sucesso convidado a ser protagonista de vários espetáculos é porque ele é incrível, quando é um homem negro logo se pensa, ele virou estrela agora, ele se acha o cara, quando na verdade são os dois caminhos, iguais, porém distintos, que para um homem negro fazer sucesso dentro do teatro musical, ele tem que dar milhões de voltas que não se compara as voltas de um homem branco, para um homem preto olhar um projeto e dizer que ele não combina com ele, e dizer que não gostaria de fazê-lo, esse homem preto é encarado como prepotente, quando na verdade fazem isso com outros artistas brancos, e a reação é diferente, eu tenho uma carreira de onze anos, graças a Deus conquistada internacionalmente, então pra mim já não é a mesma coisa, quando eu pego um trabalho pra fazer, eu sei que eu agrego esse trabalho várias outras coisas, então é diferente um homem branco dizer não de um negro dizer não, infelizmente vivemos a todo o momento o “abaixa a bolinha que você não é tudo isso”, enquanto na verdade a gente sabe o quanto batalhou pra poder conquistar o nosso lugar.

PP: Hoje, Tiago Barbosa é um ator consagrado, premiado e referência para muitos jovens atores. O que passa na sua mente?

TB: A Rebeca, nossa grande medalhista de ouro, me ensinou, na verdade ela só assinou embaixo o que eu acredito muito, e que hoje eu faço muito é levar com muita leveza – antes dela entrar para fazer o trabalho dela, ela estava pensando na receita da comida [risos]. E eu tento levar tudo com muita leveza – quando eu lembro que vou fazer um trabalho com o Antonio Banderas ou quando vou competir com ele como melhor ator de teatro na Espanha – ou quando o Rei da Espanha me convida para almoçar com ele – é lógico que isso reverbera de um jeito diferente, mas ao mesmo tempo trago com leveza, se a gente não levar com leveza a gente pira – essa é a ideia pra passar pra essa nova geração, não se esquecendo da seriedade.

PP: Recentemente, apresentou o espetáculo musical em homenagem a Milton Nascimento. Como foi a experiência? Pretende retornar com o show ou até mesmo em outros formatos?

TB: Eu falo sempre com o Dennis Carvalho, no dia em que ele quiser retornar com ‘O Clube da Esquina’, a minha resposta vai ser sempre sim, independente do lugar que eu estiver no mundo, posso estar na Broadway, na Espanha, no México, na Alemanha, eu volto para o Brasil pra poder fazer o Milton, eu sou fã do Milton, eu tenho um carinho muito grande por ele, eu tenho um show que é o ‘Tiago Canta Milton’ que eu o venero, ele é um artista que tem esse lugar do respeito, e é muito legal cantar sobre Milton pra essa nova geração e foi um espetáculo que trouxe muita maturidade, me trouxe um bem querer, foi voltar ao Brasil de uma outra maneira, foi conhecer e agregar pessoas na minha vida, foi graças a Vanessa Veiga, uma grande produtora que me mandou uma mensagem , dizendo assim: “você voltaria para o Brasil pra fazer o Milton?” – eu disse – amiga eu volto, sou muito grato ao filho do Milton que sempre me tratou com muito carinho, foi um cara muito especial em todo o processo.

PP: Qual o seu maior sonho?

TB: Hoje o meu sonho é a minha casa própria. E vai dar certo, e quando der certo vou mostrar a chave da minha casa. Vai ser um momento muito significativo pra minha vida, depois de ter vindo da favela, por tudo o que a gente passou e viveu – vai ser especial.

PP: Pretende ingressar em novelas ou cinema?

TB: Estou batalhando pra isso, tem uma novela que vai estrear no streaming “Beleza Fatal” que eu faço uma participação, foi minha primeira novela, espero muito em breve estar nas telinhas, isso vai ser um efeito que muito em breve vai acontecer –  muitas surpresas irão acontecer.