O pequeno Valder Bastos, nascido no município de Ilha Solteira, em São Paulo, caçula de cinco irmãos, fruto do relacionamento dos barrageiros Dona Branquinha e Senhor Walter nem imaginava, o furacão que surgiria em sua vida, anos depois. Formado em Direito pela Universidade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes, logo partiu para São Paulo Capital para estudar artes cênicas na Escola Teatro Macunaíma – nascia o interesse pela arte.
Em meados dos anos 2000, Valder mal sabia que uma persona divertida, caricata e necessária entraria em sua vida, logo numa festa de Réveillon, onde amigos o escolheu para se montar de drag queen e alegrar a passagem de ano novo. Assim nascia Tchaka – A Drag Queen. “Fiquei bem estranha de maquiagem que me apelidaram de Tchaka (referindo-se ao desenho Elo Perdido, onde existia um bichinho peludo e meio estranho) e ficou, gostei e comecei a ser chamada na turma, nas boates, nos palcos, na mídia”, relembra a artista.
Aos 51 anos de idade, e completando 21 anos da personagem que a lançou na comunidade LGBTQIA+, Tchaka contabiliza mais de cinco mil apresentações dos mais diversos eventos empresariais, corporativos e sociais, mostrando o poder de seus saltos gigantes, cílios maiores ainda e suas perucas icônicas nas alturas. Na juventude, Bastos foi convocado para servir o Exército, logo conheceria a verdadeira face do preconceito e de uma sociedade homofóbica – “pior experiência da minha vida, a instituição é gordofóbica, racista, elitista e lgbtfóbica ao extremo e já sofri homofobia nas empresas por onde passei e na escola”, comenta.
TIAGO ABRAVANEL: “A ORIENTAÇÃO SEXUAL DO OUTRO NÃO É DA OPINIÃO DE NINGUÉM”
No mesmo período em que nascia sua personagem, Valder conhecia seu atual marido, Carlito Silva, comemorando 21 anos de união e companheirismo. Atualmente, Tchaka é uma das principais vozes da comunidade LGBTQIA+, subindo em palanques, discursando em trios elétricos, levantando bandeira e exigindo respeito por todos. “Lugar de fala é de uma importância gigante. Somos a soma dos que nos antecederam, nosso movimento é diverso e vivo, por isso mesmo pulsante, são necessárias e urgentes as políticas públicas e ações efetivas do poder privado”, enfatiza Tchaka.
“Ser drag é ter a certeza que fazer terapia me equilibra para que eu possa usar a arte para emocionar, provocar, entreter e convidar para o diálogo e sim exigir que a lei se cumpra no caso de lgbtfobia. Sei que sou privilegiada por ser moradora de uma cidade gigante como São Paulo, onde o anonimato me protege, sou artista por escolha e sei que como profissional preciso de conexões, contatos, fazer parte da roda por isso faço e estabeleço abertura para novas possibilidades de atuações na arte drag queen”, explica como é ser drag queen no Brasil, país que mais mata a população LGBTQIA+.
Logo mais acontecerá a 25º Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, onde Tchaka faz parte há 20 anos, sempre exercendo seu papel de ativismo e há oito anos fazendo a abertura do grande evento, mas será a segunda vez que a festividade será de forma virtual, devido à pandemia do novo coronavírus – “é um mix de responsabilidade e alegria em estar com minhas irmãs e irmãos, durante todo ano são feitas ações, palestras, mesas redondas”, diz. Esse ano a Parada traz como tema “HIV/AIDS: Ame+ Cuide+ Viva+”, pois neste ano, completamos 40 anos de convivência com a epidemia HIV/AIDS, que continua infectando e matando cada vez mais pessoas, incluindo uma expressiva parcela da população LGBTQIA+.
“É um tema necessário e importante nesse período de pré parada e na própria parada temos a arte como veículo de comunicação, muito eficaz, afinal uma jovem lésbica ver seu ídolo, por exemplo, Maria Gadú cantar e falar sobre o tema ou a Glória Groove rebolar e cantar e falar sobre o tema da parada tem um impacto gigante de chamamento para a conscientização. Em relação ao papel do governo é essencial para a execução de políticas públicas para essa população”, explica sobre a temática.
RENAN QUINALHA: “EM VÁRIOS MOMENTOS DA HISTÓRIA, A POPULAÇÃO LGBTQIA+ FOI O BODE EXPIATÓRIO”
Com esse período pandêmico, Tchaka teve que se reinventar, assim como milhões de brasileiros, foi então que surgiu a ideia de criar um projeto de lives intitulado “Muita Tchaka Nessa Hora”, onde recebe convidados de variadas especialidades para entreter e informar seus seguidores nas redes sociais – “quando começou a pandemia fiquei paralisada mentalmente, sem criatividade nenhuma até que resolvi abrir a câmera e ouvir histórias do Brasil todo de várias bolhas diferentes das minhas. Me percebi comunicadora nata, sou boa no improviso, estudo a pauta da entrevistada e deixo fluir com começo, meio e fim. Curiosa aprendo muito todos os dias e mesmo imunizada vai ter Tchaka no virtual também”, comemora o sucesso do projeto.
“Ainda estamos em fase de aprendizagem, afinal estamos na pandemia e a cada dia ela está mais terrível. Precisamos de vacinas para todos. Lição é que somos finitos, não temos poder nenhum sobre nossas vidas e se você quer usar o modelito que comprou para uma ocasião especial use agora, quer comer aquele prato favorito faça hoje e se tem que gritar ao mundo seu amor que seja em alto e bom som inclusive esse amor por você mesmo”, finaliza.
Para o segundo semestre deste ano, Tchaka integra o elenco do longa-metragem “De Repente Drag” que traz no elenco Silvero Pereira, Pepita e muitos outros. A trama é baseada na história de Julião, um repórter que decide mudar o rumo de sua carreira e acaba descobrindo esse universo drag totalmente diferente e inovador para ele. A direção é assinada por Rafaela Gonçalves.
