“E aí, tá com alguém?”
“Sim, comigo!”
Estar com alguém não é sinônimo de felicidade, permanecer numa relação por não querer ficar só, é um ruído que sobrepõe quem somos e o que sonhamos. O medo da solidão pode prejudicar mais do que a própria solidão, nos levando a fazer escolhas nem sempre agradáveis, nem sempre leais a nós mesmas.
O que acontece no silêncio quando as telas se fecham? O que acontece quando todos vão embora? Ou o que acontece quando sou eu quem vou?
Sentir-se só, dói!
Nascemos para compartilhar, trocar experiências e se relacionar. Esses dias ouvi que relação é jogo, um jogo em que os envolvidos dão as regras, com acordos flexíveis, entregas, e uma boa dose de limite e respeito. Quem joga se coloca disponível para se desnudar. Na solitude a relação se dá por um único jogador, que da mesma forma, nem sempre se sente totalmente pleno, tem suas nuances, dias de se sentir e dia de nem querer existir, é o fluxo do despertar em si.
E PRA VOCÊ, O QUE É SER MULHER?
A solidão é oca, o ar corre batendo nas paredes do peito, machuca. Solitude é o contrário, um preenchimento de si mesma, o que ecoa aqui, são seus próprios passos. Enquanto uma carrega a sensação de abandono, a outra é escolha. Solitude é a liberdade de ser quem você é diante de si mesma. Não é estar sozinha, e solidão também não. Nos sentimos sós quando nos perdemos de nós mesmas e quando isso acontece nos afastamos do que é desejo, e o desejo é o fôlego da paixão.
Apaixonar-se por si mesma! Não de um dia para o outro, nem seguindo receitas prontas de amor próprio, mas se conquistando com cuidado. Ora, a conquista não é o ingrediente da paixão?
Solidão não tem a ver com presença física, você pode estar rodeada de pessoas e mesmo assim não se sentir completa. Tentar alimentar esse vazio é como alimentar um monstro gigante e faminto, não tem fim, é um buraco que consome o próprio fluxo do ser. Esse vazio não pode ser preenchido por coisas e muito menos por outra pessoa, seria uma prisão dizer “fica, porque se você for vou me sentir incompleta”, a prisão não é só pra quem fica, nos tornamos prisioneiras de nós mesmas. Somos cheias e vazias ao mesmo tempo, e é nesse equilíbrio que nos sentimos completas.
SOLIDÃO: UM CONVITE A DESCOBRIR O QUE NÃO ESTÁ BEM
Em devaneios e diálogos com a artista da moda, da dança e da música, Julia Moraes, sobre o que é solitude, ela se entregou numa fala-ventania cheia de si:
“Eu me sinto. É uma introspecção que não dói. Eu gosto muito de gente, mas também gosto de estar longe, de poder escolher. Ao viajar sozinha, eu estava alí comigo, não é egoísmo, é o que eu sei ser”.
Julia é mãe de menina, a Theodora de 10 anos, “o que eu costumo dizer pra ela é que o amor liberta, ele nunca aprisiona”. Pra ela, educar Theo é passar a vivência de que a gente pode ser leve e de que o fim não precisa ser uma coisa ruim.
A correnteza da sociedade do consumo faz a gente se mover pra fora: para o outro, para o que eu não tenho, para o que eu preciso conquistar pra ser feliz. É o famoso fomo(fear of missing out) que é o medo de estar sempre perdendo algo ou “medo de ficar de fora”. A indústria do amor romântico cobra formatos de relacionamentos difíceis de serem sustentados, uma interpretação de papéis pré estabelecidos, estereotipados e excludentes. A escolha de outro roteiro é prato cheio para o sistema patriarcal nos nomear como “encalhadas” ou a que “vai ficar pra titia”.
Que na ordem desse roteiro – estudar, namorar, casar e ter filhos – a gente respeite mesmo é a ordem natural e cíclica do ser mulher, na individualidade de quem se conhece, porque o que mais interessa, principalmente nesses tempos em que estamos “dançando à beira de um vulcão”, é a gente ser leal com a gente mesma.
“Se eu pudesse dizer algo em relação à solitude é que a gente não tenha medo de se encarar, de olhar o quanto somos humanos, são esses os momentos pra gente se ver e sentir as coisas. Sinta o vento! Eu respiro, eu sinto, eu existo, eu sou. Isso é maravilhoso, é seguir o caminho, seguir o flow!”, completa Júlia.
Quando reconhecemos a essência e a composição do que somos feitas não nos sentimos sós, porque reconhecemos, que os ossos se comunicam com as pedras e as areias, que o ambiente que nos movemos é preenchido pelo ar que está passando dentro do corpo, e que o suor molha as superfícies que nos apoiam porque não dá pra existir sem estar apoiada em alguma coisa nesse planeta, e que a pausa nunca é imóvel e que a vida é cíclica em todas proporções, desde de uma unha que cresce até essa lua nova que está começando a se mostrar sozinha, em plenitude dançando com movimentos sincrônicos em relação ao sol. É no equilíbrio entre a solidão e a convivência que a gente se encontra.