“Espelho”, vem de “Specere”, que significa “olhar”.
O espelho é um objeto que reflete a luz.
Quem você vê quando se olha?
Olhar-se é um movimento de interesse próprio, uma disposição frontal da sua face em direção a uma superfície que te mostra pra si mesma. Antes de olhar no espelho nossa bagagem de autocrítica já está cheia, ela vem sendo preenchida durante uma vida, um bombardeio de cobranças. Você se olha armada, já ensaiada pra não gostar do que vê. As camadas do julgamento sobrepostas nas nossas peles não nos deixam enxergar como somos de fato. O pensamento antes do reflexo é um conjunto de imagens comparativas, nem sempre reais, mas quase sempre filtradas.
Filtrar é separar e selecionar coisas. Passar nossos corpos por um filtro padrão é forçar uma existência impossível e dolorida, adoece. Essa voz da autocrítica na nossa cabeça o tempo todo, não é nossa, é a voz do modelo de corpo resultante do patriarcado. Não é você, mulher, falando de si e das outras, é a voz da insatisfação permanente para consumirmos e nutrirmos um sistema destruidor.
Como olhar nossa imagem no espelho e não se estranhar?
A comparação entre mulheres é um combustível perigoso para aumentar a crítica ao próprio corpo. A beleza padrão imposta traz uma feiúra imaginária e por mais que o Body Positive – movimento que preza pela aceitação do corpo sem a necessidade de se enquadrar em um padrão – tenha ganhado forças nas mídias sociais nos últimos anos, é grande a quantidade de mulheres com distúrbios de autoimagem.
O ESPELHO DE DUAS FACES – A GENTE TEM SE OLHADO, MAS NÃO SE VISTO
Comparar-se menos, espelhar-se mais! Esse pode ser um caminho para olhar as individualidades com respeito, na intenção de se plantar na essência do que se é e assim somar, como peças únicas de um quebra-cabeça para que a outra seja inspiração e não uma adversária no pódio. E para que as escolhas de cada uma sejam respeitadas, na liberdade de passar por um procedimento estético ou não, sem ser julgada. Sem que, as buscas por “antes e depois” na internet sejam acompanhadas de milhares de comentários ofensivos, a ponto da pessoa não conseguir mais se aceitar.
Nossos olhos, por vezes, são fiscais da beleza. Há vigilantes de corpos por toda parte e um bocado de gente pra gente comparar. O Body Shaming, expressão usada quando alguém a partir de comentários inapropriados faz a outra pessoa se sentir humilhada por ter o corpo que tem, são distribuídos na internet de bandeja, postou, levou. Isso intimida, borra os contornos do corpo como uma borracha tentando apagar um desenho no papel fino, pode rasgar.
O artista turco Meltem Işık realizou uma série de instalações fotográficas que investigam a percepção da forma, onde ilusões de ótica são formadas por figuras que seguram grandes telas na frente de seus corpos cuja imagem é representada como uma variação completamente distorcida de seu eu original. A obra “Two into the stream” explora como a fotografia está associada à construção da realidade e investiga como nos vemos e como somos vistas pelos outros. E foi realizada para alertar sobre a dismorfia corporal, distúrbio caracterizado pela percepção alterada de si mesmo diante do espelho.
Aprendemos que sempre alguma coisa no nosso corpo pode mudar ou ser escondida. E não o contrário.
O caminho é confiar na natureza do que somos, confiar na soma das nossas histórias pulsando no jeito do nosso mover, incabível em moldes cristalizados. A imagem no espelho não é aquela que quebra em pedaços cortantes e afiados, a imagem no espelho é aquela que se revela em movimentos de transformação.
ETARISMO – ESTRANHO PENSAR QUE “JOVEM” É ELOGIO E “VELHO” É XINGAMENTO
“O espelho não muda, acordo com 7 anos, olho no espelho, ele não muda. Acordo com 90 anos, olho no espelho e ele não muda. Me apaixono, olho no espelho, ele não muda. A paixão acaba, olho no espelho e ele não muda. Pessoas queridas morrem, olho no espelho, ele não muda. Certo dia, olho no espelho e não me reconheço, olho pra dentro e sou a mesma”.
*Fala de Angel Vianna que anotei num caderninho durante uma roda de conversa no Sesc de Santos – SP em 2018, sobre dança, vida e os Viannas, sua família.