Conhecido pela incansável atuação social, Padre Júlio Lancellotti lança livro no qual apresenta o amor como um exercício de compaixão e misericórdia. Publicado pela Editora Planeta, ‘Amor à maneira de Deus’ traz, a partir de experiências pessoais do religioso, principalmente na atuação como ativista dos direitos das crianças e da população de rua, uma visão renovada e extremamente necessária sobre o amor de Deus e como ele ensina as pessoas a amar o próximo.
JÚLIO LANCELLOTTI: “SÃO PAULO É UMA CIDADE DE MUITA CONTRADIÇÃO E DESIGUALDADE”
No livro, padre Júlio também apresenta sua visão teológica de Deus, mais humano e humilde que a tradição religiosa. “Temos dificuldade em perceber Deus fragilizado. O Jesus que gostamos de observar é aquele personificado nas belas imagens europeias. Olhos claros, pele branca, vestes limpas. É a imagem mística de um Jesus etéreo, inacessível, imperial. No entanto, parafraseando o teólogo protestante Jürgen Moltmann, gostamos de colocar a cruz de Jesus em meio a dois candelabros de ouro. Ela, porém, estava entre dois malfeitores”, ele afirma na obra.
‘Amor à maneira de Deus’ apresenta ao leitor detalhes do trabalho de Lancellotti na Casa Vida, entidade beneficente fundada por ele e outros religiosos na década de 1990 que atendia crianças abandonadas portadoras do vírus HIV. Segundo ele, foi o lugar que o “proporcionou a experiência de sentir o amor misericordioso de um pai”. Ele conta que a ideia surgiu no período em que prestava apoio na antiga Febem e havia um grupo de crianças soropositivas que viviam isoladas no último andar do prédio, pois não se sabia o que poderia lhes acontecer e qual era o risco que representavam para outras pessoas.
O projeto surgiu com o intuito de trazer dignidade e acolhimento às crianças, mas os obstáculos para tirá-lo do papel iam de questões burocráticas ao preconceito. “Nos jornais locais foram publicados artigos horríveis que diziam que, da Casa, ambulâncias partiriam o tempo todo, ‘carregando crianças moribundas’. Também se dizia que moscas picariam as crianças e depois os vizinhos, contaminando todo mundo. A oposição e a maldade foram grandes”, ele conta.
No livro, padre Júlio discute temas como os direitos humanos contando a história de um garoto acompanhado pela Pastoral do Menor na década de 1980 que foi morto após um furto e recusaram-se a limpa-lo e vesti-lo no IML e diversas igrejas da cidade não aceitaram velar seu corpo. “Durante algum tempo, a mídia nos chamou de ‘defensores de trombadinhas’ porque acreditamos que o Joílson e outros, na mesma situação que ele, seriam amados e defendidos por Jesus. Que perdoou, aliás, um ladrão pendurado na cruz ao lado da sua”.
O autor também apresenta as injustiças que acompanhou ao longo do período em que esteve acompanhando mulheres presas, o contato com prefeitos, governadores e presidentes para dialogar sobre a questão geral da fome, da miséria e da violência, seu polêmico apoio à população LGBTQIA+, além de discorrer sobre estrutura de poder e injustiça social.
Por fim, Padre Júlio Lancellotti defende a importância de seguir na contramão de interesses individuais, aborda a convivência com oprimidos, que tem como “senha” o olhar, e trata da potência de Deus que existe nos marginalizados. “O Deus da rua vai na contramão da história, que é orientada pelo poder. Não é o Deus do senso comum, que evita o conflito, a contradição, a contestação. O Deus da rua contesta, desordena, inverte, questiona”. 160 páginas. R$ 42,90.