Você acorda, faz sua rotina diária. E entre tantos movimentos repetitivos, olha no espelho para arrumar sua imagem. Corriqueiramente, naturalmente. E assim os dias vão se repetindo no emaranhado de rotinas do ser humano moderno. Se ouvir é diferente de escutar, precisamos entender quando olhar se tornou diferente de ver.
A gente tem se olhado no espelho, mas não se visto! Quando foi a última vez que você olhou no espelho e disse: deixa eu ver quem é essa pessoa que está me olhando de volta? O que ela pensa? Quem ela é? Do que ela gosta?
Imagino que a resposta fique entre o não sei, o faz tempo e o nunca. Nesse mundo corrido do atraso infinito, estamos esquecendo de nos ver. Nos acostumamos a só olhar, a garantir o necessário para a imagem sair de casa ajeitadinha.
ESCRAVIDÃO – SE FOR PARA SERMOS ESCRAVOS, QUE SEJAMOS DA LIBERTAÇÃO, DO AMOR E DO RESPEITO
E nessa falta de se ver, vamos perdendo fragmentos importantes aos olhos, e, por consequência, à mente, sobre nossa essência, nosso eu. Ver significa analisar que aquilo existe, e analisar sua forma e afins.
Então por que é tão difícil nos vermos num espelho? Quem aqui, num mundo tão habituado a massacrar seus filhos, teria a coragem de se olhar com verdade? Quem teria a sanidade mental de encarar seus demônios, para depois lutar com o inferno do mundo?
Mais ainda, quem gostaria de se conhecer a fundo? Por que essa talvez seja a pergunta mais válida de todas. Nós não queremos nos ver. Queremos, inclusive, esquecer que existimos.
Por que se mais alguém nos vê (e não nos olha somente), ele vai perceber que existimos, que temos trejeitos, que temos inseguranças, que falamos isso ou aquilo. E isso pode ser um problema para mim. Então melhor fingir que sou invisível. O mundo de hoje só tolera os invisíveis.
Para viver bem e em paz, você não deve chamar a atenção com sua autenticidade. Você deve seguir uma manada de pensamentos, ações, roupas, cabelos, cores, comportamentos. Você deve se integrar ao todo e deixar seu eu de lado.
Você deve ser aquele que se olha. Mas não se vê.
COM QUANTAS REPRESSÕES SE FAZ UMA PESSOA?
Quando foi que você acariciou através do espelho o seu rosto cansado – de lutar e de ser invisível -, passou os dedos pelas rugas formadas que marcam sua história. Deu um sorriso a si mesmo – o melhor inclusive, já que as melhores coisas você deveria dar a si em primeiro lugar – viu-se com amor e descobriu traços ou desenhos novos no formato do seu rosto que acompanharam o tempo que passou e as mudanças do mundo.
No frenesi do ‘estou perdendo informações se não olhar a internet e vou ficar para trás’, perdemos mesmo. Só que não as informações que vão nos fazer conversar com todo mundo por que estaremos inteirados dos memes, das fofocas, das notícias. Perdemos a nós.
Perdemos todos os dias o precioso presente de poder nos conhecer e nos validar enquanto seres existentes.
Perdemos a capacidade de entender o que sentimos, e o porquê estamos sentindo aquilo.
Perdemos a maravilha da verdade. A surra da honestidade. O afago da alegria. Os ensinamentos da tristeza. A resistência da fé. Perdemos principalmente a cama que nos faria dormir à noite: a paz de espirito.
Quantos dias mais o seu espelho só terá uma face?
O que você está esperando para que ele seja o que deve ser. Que tenha duas. Que o reflexo chegue aos seus olhos como um todo. Que você se olhe… mas também se veja!