MISOGINIA, NUNCA É SÓ UMA PALAVRA

A MASCULINIDADE PERSISTE EM FALAR DA ÚNICA MULHER QUE PASSOU PELA PRESIDÊNCIA DESSE PAÍS
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15.10.2021

Luiz Pessoa

Cinco anos após o golpe contra a democracia e a ex-presidenta ainda é alvo de ofensas misóginas.

O que é misoginia? A questão não é apenas o significado da palavra, “ódio ou aversão às mulheres”, é mais que isso, são ações ou palavras que mesmo sem exemplificar, reconhecemos o sentimento de dor no meio do peito ao lembrarmos das manas que perderam suas vidas pela violência que essa repugnação pode causar.

OPINIÃO: RESQUÍCIOS DO MACHO – PASSIVOS DO MUNDO, UNI-VOS!

Incompetente? Sim, essa foi a palavra usada, depois dela a frase nem terminou de ser lida, se diluiu em memórias de sangue e manchas roxas. Sim, são palavras, palavras violentas que ferem, matam, depreciam, objetificam e discriminam. Não, nunca é só uma palavra, e se você é mulher ou uma pessoa tida como socialmente “afeminada”, pronto, você sabe do que estamos falando.

Mesmo diante do cenário dessa política genocida no Brasil, a masculinidade persiste em falar da única mulher que passou pela presidência desse país. Xingamento este, destinado à quem governou no meio de um padrão repetido por anos, décadas, séculos. Estar alí, já significava coragem para quebrar as regras, para caminhar pelo piso frio, pisoteado pelos mesmos sapatos: palco do patriarcado que domina a política brasileira.

Autorretrato Alice Rodrigues

Quem se lembra? Bastou sua presença pública por menos de dez minutos em rede nacional e todo caminho, experiência, sagacidade e inteligência se dissipava no vento, vento soprado com hálito de uma misoginia social construída intencionalmente para o poder, e no meio desse furacão, sua aparência incomodava provocando diversos comentários: sobre o cabelo, o jeito de se vestir, a cor da roupa, a voz, o peso corporal, e o mais estranho, o quanto ela performava sua feminilidade, também incomodava. Detalhes apenas, nuvem de fumaça para encobrir o que no fundo, realmente incomoda, o fato de uma mulher estar em um cargo acima de todos eles. 

A construção social do ser mulher passa por classificações, que colocam as mulheres em espaços, profissões, e condições sociais que estão ligadas ao poder patriarcal e machista, privando-as do controle de seus corpos e acesso aos direitos, reforçando a opressão ao que é socialmente feminino. 

Os ataques de Ciro Gomes à Dilma Rousseff retratam a violência política de gênero, que afasta as mulheres da política, assim como os comentários, explicitamente misóginos, do atual presidente sobre o feminino. Reconhecer-se mulher exige tantas demandas sociais, que eu não consigo aceitar “incompetência” como uma palavra a ser usada para uma mulher que segue viva nesses espaços, e ao escrever essa frase engulo seco o nosso silêncio de até hoje não compreendermos quem mandou matar Marielle? Infelizmente, essa pergunta ainda é presente.

“Quando Ciro Gomes ataca Dilma, ele ataca todas as mulheres que defendem a democracia, todas as mulheres que veem na política a possibilidade da transformação. Discordâncias políticas são da política. Machismo, misoginia e ataques despropositados são armas do bolsonarismo”, postou em suas redes sociais a vereadora Mônica Benício, sobre o comentário ofensivo direcionado à Dilma nesta semana. Esse foi um caso recente, imaginem o que as mulheres no senado engolem todos os dias. 

Foto: Caê Sisa

A misoginia, segundo estudiosos, é a base de muitos preconceitos. Que, como estamos cansadas de saber, mas precisamos sempre lembrar, não só acontecem nas bancadas políticas, se repetem dia após dia em muitos contextos sociais, qualquer esboço de uma expressão manifestada socialmente como feminina é motivo de violência. A criança, desde muito cedo é violentamente podada e direcionada a performar um gênero imposto e aprendível, desde corte de cabelo, cor de roupa, gesto, adereço, e se o garoto desvia um milímetro da linha frágil masculina, é motivo de piada e violência. 

Não à toa, os homossexuais que sofrem mais preconceitos, são os que expressam uma feminilidade social, ao mesmo tempo, a misoginia é tão estrutural, que às vezes, os mesmos reproduzem o mesmo discurso sobre o tal “nojo” de mulheres

Vale lembrar, que em uma sociedade racista, como a nossa, essa repugnação se acentua quando se trata de mulheres pretas, a interseccionalidade das palavras se faz necessário para que uma luta respeite a outra, para isso usa-se o termo recente “misoginia preta”, cunhado por Moya Bailey, que descreve o ódio, a antipatia, e o preconceito específicos dirigidos às mulheres pretas. 

O convite desse texto é para que tenhamos nojo sim! Nojo de quem está no poder e não faz nada pela desigualdade social e de quem usa seu discurso popular para atacar uma mulher e sua história. Aproveitar do seu lugar de voz para atacar, só demonstra o caminho que aponta. Aponta, ataca, fere e mata. Qual é a base desse discurso mesmo?

É sobre isso, mulheres, não somos rivais, nunca fomos, mas quando uma sociedade se constrói usando seu corpo como degrau, reproduzir tal comportamento às vezes parece sobrevivência. A misoginia internalizada por tais discursos e comportamento de ódio, faz com que a gente pareça rival, nutrindo o que não é nosso. Sobreviver nem sempre é se camuflar, mas tentar ser, existir e sobreviver na sombra da proteção do que somos. 

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