Em meio a uma tarde de sexta-feira conturbada de trabalho, eis que abro meu Instagram para espairecer a cabeça e me deparo com a fatídica notícia de que o avião da cantora Marília Mendonça caiu perto de uma cachoeira na serra de Caratinga, interior de Minas Gerais. Dentre as vítimas, estavam o piloto, o co-piloto, cujos nomes serão preservados nesse texto, seu produtor Henrique Bahia, e o tio e assessor, Abicieli Silveira Dias Filho.
MARÍLIA MENDONÇA MORRE AOS 26 ANOS EM QUEDA DE AVIÃO, EM MINAS GERAIS
Meu coração ficou dilacerado: quando Marília Mendonça alegou que todos nós iríamos sofrer, em uma de suas letras mais famosas, não imaginaríamos que essa dor uniria o Brasil, por conta de uma morte tão trágica, de uma artista incrível, que faleceu com apenas 26 anos, em sua melhor fase da vida, no auge de sua carreira, deixando um filho de quase dois anos.
No texto de hoje não irei abordar sobre comportamento do consumidor, mas sim sobre as coisas que aprendi com Marília Mendonça, que me fazem refletir em como ser uma melhor pessoa e profissional. Espero que esse texto também toque o seu coração, escrevo-o nesse exato momento, em meio às lágrimas que escorrem quentes do meu rosto, tamanha admiração por uma mulher que nunca precisou se provar com retóricas longas que era uma artista fenomenal. Marília simplesmente ia lá e fazia… e é um pouco sobre isso que escreverei para vocês agora.
Muito mais que com palavras, seja exemplo
Marília Mendonça foi uma das grandes pioneiras do feminejo atual e foi a criadora de um estilo de música chamado sofrência. A artista, de voz grave e corpo fora dos padrões impostos pela sociedade, desde muito cedo, conviveu num ambiente machista e misógino, mas, com sua autenticidade, presença de palco e suas letras de música, conseguia fazer o feminismo chegar aos lares de todos os brasileiros, de uma maneira sutil e, ao mesmo tempo, empoderada. Em uma de suas letras, cantava “agora, eu faço o que eu quero. Tô nem aí se tá com vergonha de mim” ou “Para de insistir, chega de se iludir, O que ‘cê ‘tá passando, eu já passei e eu sobrevivi, Se ele não te quer, supera”, ponto em xeque a rivalidade feminina tão recitada em muitas canções sertanejas.
Outra letra que me chama bastante a atenção é a de Marília defendendo uma prostituta, enquanto a sociedade inteira julga essas profissionais, sem precisar de palavras rebuscadas e frases prontas de livros como os de Simone de Beauvoir: “se alguém passar por ela, fique em silêncio, não aponte o dedo, não julgue tão cedo. Ela tem motivos para estar desse jeito. Isso é preconceito”.
Sem bradar aos quatro cantos a palavra sororidade, Marília a vivenciava. Ela é uma das cantoras do feminejo, que não rivaliza com outras mulheres (por isso minha grande admiração por ela). Em uma de suas canções, a cantora fala: “se quem tava comigo era ele, a culpa é dele. Quem fez essa bagunça na nossa amizade é ele. Eu não vou deixar de ser sua amiga por causa de um qualquer, que não respeita uma mulher”, deixando de lado a competição por um homem, entre duas amigas que já tinham uma amizade longa há tempos, antes de uma criatura do sexo masculino chegar. Com isso, Marília conseguiu articular com todos os públicos (heterossexuais, público LGBTQIA+, gente jovem e madura)… rainha, né, amores?
Além de inspirar outras artistas, fez muitas parcerias com várias mulheres fortes, como Anitta, Maiara & Maraísa, Gal Costa, Luiza Sonza, entre outras. Anitta disse que a artista sempre dava uma palavra amiga para ela e sempre estava com muito alto-astral e um sorriso no rosto.
Marília era uma potência na música popular brasileira. No Instagram, soma mais de 36 milhões de seguidores. A cantora é seguida por 22 milhões de pessoas no Youtube, quebrando o recorde de maior número de visualizações em lives na plataforma em 8 de abril de 2020.
A #LiveLocalMariliaMendonca, teve três horas e meia de duração e marcou 3,31 milhões de visualizações simultâneas, de acordo com o jornal Correio Braziliense, arrecadando R$ 5 milhões em alimentos, para auxiliar os brasileiros que passavam necessidades em meio a pandemia. Por fazer sua live em meio à pandemia, optou por elaborar um show mais intimista, com poucas pessoas trabalhando ali, para não colocar a vida de ninguém em risco. Adotou um look simples, pois naquele momento entendeu que o mais importante não seria levar uma grande produção na casa das pessoas, mas sim acalento aos brasileiros que estavam mal na quarentena, ou que perderam entes queridos.
Nessa mesma live, Marília se mostrou tão gente como a gente que carregava seu celular num carregador com fio todo quebrado (diva acessível que chama?). Consciente de mundo, sempre foi uma defensora da vacina e criticava a postura do atual governo, frente ao Covid-19.
A #LiveLocalMariliaMendonca quebrou records no Twitter: dos cem assuntos mais falados no mundo, nesse dia, 24 dos assuntos abordados no trend topics referiam-se a esse momento icônico.
MARÍLIA MENDONÇA LANÇA EP “NOSSO AMOR ENVELHECEU” COM CAPA INSPIRADA EM OBRA DE RENOIR
Ainda no Youtube, a música “Coração Bandido”, gravada junto com Maiara & MaraÍsa, tem mais de 226 milhões de reproduções. Tudo que Marília fazia era intenso, imenso e um sucesso. Ela é a maior artista com mais vídeos que possuem mais de cem milhões de visualizações na plataforma.
No Spotify, a artista também teve um sucesso expressivo, com média de mais de 8 milhões de ouvintes mensais e músicas que passam da casa de 90 milhões de plays. A artista, na mesma época de sua live arrebatadora do Youtube, emplacou 34 hits no top 100 do Spotify Brasil.
A artista também foi a cantora mais ouvida do país na plataforma em 2019 e a segunda artista brasileira mais ouvida da última década, onde, em algumas ocasiões, já foi a segunda artista feminina mais escutada do mundo, só perdendo para Billie Eilish. Além do mais, o hit “Todo Mundo Vai Sofrer” foi uma das músicas que mais ficou no topo da plataforma por dias mundialmente (90 dias), atrás apenas de “Work”, de Rihanna (95 dias) e “Sorry”, do Justin Bieber (106 dias).
Em um de seus últimos shows, na cidade de Sorocaba, em São Paulo, Marília notou uma aglomeração numa parte e percebeu que um homem estava agredindo uma mulher e usou o microfone para pedir que os seguranças retirassem o agressor do local. A cantora perdeu a paciência e xingou: “Lixo”.
MARÍLIA MENDONÇA APOSTA EM SONORIDADE REGIONAL EM SEU NOVO SINGLE “ROSA EMBRIAGADA”
A cantora também me fez refletir sobre algumas pessoas ao nosso redor que têm uma retórica linda e que, na prática, não fazem o que falam. Recordei-me de uma pessoa próxima que sempre postava em suas mídias sociais alertas sobre o meio ambiente e a natureza. Um belo dia estava eu na casa desse amigo e percebi que ele jogou a embalagem de plástico de sua bebida láctea no lixo convencional (e não na reciclagem). Será que queremos andar com pessoas assim? Será que somos essas pessoas?
Logo, Marília me ensinou pelo exemplo. E é exatamente isso que quero ser aos meus alunos, primas e família: um exemplo, com menos textão nas mídias sociais, e mais ação.
Todo mundo erra: saiba pedir desculpas genuínas
Em uma live durante a pandemia, Marília Mendonça realizou um comentário transfóbico no contexto de uma história para um dos músicos de sua banda, que havia beijado uma mulher trans. “Quem é de Goiânia lembra da boate Diesel. (…) Disse que lá foi o lugar em que ele beijou a mulher mais bonita da vida dele. É só isso, gente. O contexto vocês não vão saber”.
No dia seguinte, esse foi o assunto mais comentado do Twitter e, com muita humildade, Marília se retratou em suas redes sociais e assumiu o erro: “pessoal, aceito que fui errada e preciso melhorar. Mil perdões. De todo coração. Aprenderei com meus erros. Não me justificarei”.
A artista não fez como muitos famosos que se vestem de branco e pousam na frente das câmeras sem maquiagem dizendo: “não foi a minha intenção”, “desculpas se vocês entenderam errado”. Ela foi além: convidou a modelo trans Alice Felis para participar de uma live(no momento de pico de audiência) e contar sobre uma agressão que sofreu por preconceito, a qual foi espancada dentro de casa por um homem que havia conhecido em um bar.
Marília nos mostra que somos cheios de vulnerabilidades e que, no século XXI, cabe a nós assumirmos nossos erros e genuinamente estarmos dispostos a evoluir, melhorar. Existe um termo no mundo dos negócios para isso chamado anti-frágil. Marília era em vida um exemplo de anti-frágil, característica muito forte da sua geração, a geração Z: maduros, conscientes de mundo, sem medo de mostrar que são seres humanos cheios de virtudes e pontos a serem trabalhados.
Dentre todos os ensinamentos que Marília nos deixou, o principal foi que devemos viver o hoje, pararmos de perder tempo com coisas pequenas e aprendermos a valorizar as simples coisas da vida. Marília era uma mulher grandiosa, mas ela ia muito além de seus números, deixando um legado incalculável como artista brasileira, sem dar palco a polêmicas, sendo ela mesma, construindo pontes e não muros, vivendo como exemplo. Aliás, me questiono: “qual legado queremos deixar nesse planeta?”.
Que Deus conforte a vida dos familiares e amigos das pessoas envolvidas nessa tragédia. Marília Mendonça: “você virou saudade aqui dentro de casa”. Descanse em paz, rainha :’(