Embebido nas referências do sertão nordestino, o escritor sergipano Aroldo Veiga apresenta, em “Trono de Cangalha”, a história de um garoto que nasceu na caatinga e, na vida adulta, leva para a zona urbana a luta iniciada por seus antepassados. No enredo, o cangaço é abordado de forma indireta, por meio de analogias e das memórias do protagonista.
Quando criança, Laércio Ramalho deleitava-se com as histórias contadas com proeminência por sua avó, dona Violeta. Jesuíno Brilhante, Lampião, Corisco e Dadá eram, de fato, os únicos heróis na infância do menino nascido em Cansanção, uma pequena cidade do sertão baiano. Não é possível mensurar o quanto esses personagens influenciaram a sua trajetória, mas o fato é que Laércio empunhou armas e, assim como eles, também enfrentou as forças do governo.
Com uma trama que se desenrola nas décadas de 1960, 70 e 80, a ficção tem como pano de fundo alguns fatos recentes da história do país, a exemplo do AI-5 e da Guerrilha do Araguaia, estendendo a trama para outras regiões do país. Violência doméstica, solidão urbana, abandono materno e desobediência civil são temas presentes. As abordagens, densas, cedem lugar a contornos suaves em um romance tão comovente quanto o seu desfecho.
O que você faria se a miséria e a violência fossem uma constante em sua vida? Se a sua mãe precisasse se prostituir para que você não morresse de fome? Você lutaria para mudar esta realidade, ou se conformaria com o destino que lhe fora sentenciado? Até que ponto você seria capaz de chegar? Em “Trono de Cangalha”, os seus paradigmas serão alongados até os confins do imaginável. Você se deleitará com uma linda história de amor, de superação, uma saga que mescla a nobreza de valores humanos com os mais viscerais instintos de sobrevivência. Mas não se engane! Isso aqui não é um conto de fadas. Você também será abduzido, extraído da sua zona de conforto e colocado à beira de um precipício mental. No instante seguinte, despencará do cume mais alto para o fosso mais profundo da sua própria alma.
Enquanto os seus pais dormiam a habitual sesta, ela se encontrava comigo em nosso oásis particular, sob o belíssimo céu anil do Planalto Central brasileiro. Naquele refúgio ecológico,
onde o profano e o sagrado se misturavam em harmonia, tórridos momentos de amor foram testemunhados pela natureza edênica do Cerrado. (Trono de Cangalha, p. 107)
Aroldo Veiga é apreciador de obras referenciais contemporâneas como “Travessuras da Menina Má”, “Memória de Minhas Putas Tristes” e “Os Desvalidos”. As preferências denotam a originalidade trazida pelo autor em seu romance de estreia, e evidenciam ainda um fino trato com a linguagem. Na escrita fluida e envolvente, o leitor vai encontrar palavras inusitadas para o vocabulário contemporâneo, um requinte a conta gotas, diluído em 240 páginas.
“Trono de Cangalha” agrega os principais ingredientes de uma boa história. Por meio de um mergulho profundo nas entranhas de um Brasil pouco conhecido, até mesmo dos brasileiros, mistura amor, coragem, rebeldia, suspense, numa alquimia literária que, por sua vez, também não abre mão do seu papel crítico-social. Uma saga que mescla a nobreza de valores humanos com os mais viscerais instintos de sobrevivência.