Mal podiam imaginar que durante uma balada, em São Paulo, à espera de um encontro, seu destino seria direcionado para o outro lado, assim inicia a história de Mauro Sousa, diretor de produção da Mauricio de Sousa Produções, paulistano, 34 anos e de Rafael Piccin, gerente de produção da mesma empresa, natural de Mogi Mirim, 35 anos.
“Eu cheguei primeiro e estava esperando ansiosamente por um menino, com quem eu já estava ficando há um tempo. Nada sério, mas eu estava empolgadinho. Eis que, finalmente, ele chega! Mas, veio acompanhado do Rafael. Eu tentei disfarçar o desconforto e os cumprimentei normalmente, só que ao invés de me preocupar com ele, olhei para o Rafa e pensei: Nossa, que cara gato! E passei o resto da noite com ele na cabeça. O garoto? Já tinha esquecido. Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi adicionar o Rafa no Orkut e escrevi uma mensagem fofa tentando puxar papo, tipo: “Oiiii, lembra de mim?”. Ele me adicionou, mas não deu a menor bola. Até que um dia, nos reencontramos sem querer em um antigo bar na Praça Roosevelt chamado “Ópera Bufa” e foi ali que aconteceu a primeira troca de olhares apaixonados. Dos olhares, fomos para um papo no sofá, do sofá fomos para os beijos, dos beijos para a casa dele e… desde então, nunca mais nos desgrudamos”, relembra Mauro.
Prestes a completar 14 anos de relacionamento, o segredo para uma relação duradoura é morar em residências separadas – “Nunca moramos e não pretendemos morar juntos. É sempre mais gostoso nos reencontrarmos aos finais de semana. Mas às vezes queremos ficar sozinhos e está tudo bem também. Não precisamos nos ver sempre”, diz Sousa.
Um levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia aponta 237 mortes no ano passado pelo crime de homofobia, ou seja, a cada 36 horas, uma vitima é cruelmente assassinada no país. E cada vez mais casais homossexuais sofrem ataques, principalmente no mundo virtual. “Eu sofro muito mais do que o Rafa. Desde que minha sexualidade veio a público em 2019, recebo diversas mensagens homofóbicas pelas redes. Mas como eu aprendi a lidar com elas, continuo postando meus posicionamentos e fotos carinhosas com ele, o que sempre gera ainda mais haters. No mundo real é diferente. Os haters são covardes e o preconceito é mais velado. Está naqueles olhares tortos e enojados quando nos veem de mãos dadas andando por aí”, relata Mauro.
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Filho de um ícone da cultura brasileira, o cartunista Mauricio de Sousa, Mauro conta com o apoio de sua família, em especial de seu pai que o orienta a seguir firme na luta contra o preconceito – “Recebi algumas ameaças à minha integridade física, sim. Foi bastante assustador. Mas meu pai, não. Ele sempre me deu muito apoio e força. Lembro-me de uma frase dele quando percebeu que eu estava levando a sério a causa LGBTQIA+. Disse: “Continue, meu filho. Lute pelo que você acredita. Foi assim que eu consegui o que eu consegui”. O apoio dos nossos pais nos fortalece de uma maneira que não imaginamos. Fica menos doloroso de superar nossos medos”, diz.
Quando o assunto é adoção, a resposta é imediata, “cachorros, sim”, considerados pet lovers assumidos, Rafael e Mauro possuem um cachorro chamado Chinelo e no ano passado a família adotou o Azeitona – “São as paixões das nossas vidas e já queremos adotar mais. Quanto a crianças, não pretendemos ter filhos”, frisa Rafael.
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Enganam-se quem pensa que o casal possui uma trilha sonora, ou um perfume marcante que faça um lembrar o outro, “mas temos comida, por exemplo, sempre que vemos um cheeseburguer com batata frita, lembramos um do outro. E também, quando vemos pets, então quando vemos um por aí, imediatamente tiramos uma foto e mandamos para o outro”, diz Mauro.
O mau humor e as respostas atravessadas que Piccin concede, realmente tira Mauro do sério, por outro lado, a distração frequente de Sousa, faz com que Rafael se irrite com facilidade, mas tudo isso é sobposto pelo companheirismo, amizade, carisma e respeito pela individualidade de cada um. “São vários aprendizados diariamente, mas destaco a dedicação que temos de respeitar nossa individualidade. Acreditamos que para sermos bem resolvidos como um casal precisamos ser bem resolvidos como indivíduos, como um. Existe a minha vida e a vida dele. Nós, como um casal, somos uma conseqüência”, finalizam.