José Alvarenga Jr., diretor e um dos principais idealizadores de ‘Intimidade Entre Estranhos’, vem consolidando uma interessante virada em sua filmografia.
Seus primeiros trabalhos na área aconteceram em filmes dos Trapalhões, ainda nos final dos anos 80, sendo boa parte de sua carreira cinematográfica marcada por comédias populares: ‘Zoando na TV’ (1999), ‘Cilada.com’ (2011), além das duas adaptações do seriado ‘Os Normais’ (em 2003 e 2009). No período, lançou também ‘Divã’ (2009), comédia envolta em drama moderado, onde já se percebe uma concepção mais elaborada das cenas.
Após um hiato de sete anos afastado da direção de longas, Alvarenga abandonou de vez o gênero em que pavimentou sua trajetória com o bom ’10 Segundos Para Vencer’, luxuosa cinebiografia do ex-pugilista Éder Jofre, lançada poucos meses atrás. Com ‘Intimidade Entre Estranhos’, estreando exatamente no dia de seu aniversário, o diretor chega ao seu filme mais particular – e de resultado bastante positivo.
A começar pelo desafio, bem superado, das ações se passarem majoritariamente num mesmo local, sem que isso nos cause tédio: um antigo edifício residencial no subúrbio carioca, para onde Pedro e Maria (Milhem Cortaz e Rafaela Mandelli), vindos de São Paulo, acabam de se mudar. São os únicos inquilinos do prédio, herdado pelo jovem e solitário Horácio (Gabriel Contente, em sua estreia no cinema). Órfão desde pequeno, é também o síndico do lugar, desde que sua avó, com quem morava, expirou algum tempo atrás.
Outro ponto interessante é a forma com que o roteiro trata os personagens, muitas vezes no limite entre o deboche e o sadismo, longe da complacência. Pedro, por exemplo, ator conhecido por estrelar pegadinhas de mau gosto na internet, está no Rio porque tem a grande chance de deslanchar a carreira protagonizando uma série bíblica. A ironia começa por Milhem Cortaz, intérprete do personagem, ter atuado em produções do gênero na TV Record.
Há, ainda, simbolismos relevantes. Horácio, melancólico e isolado dos poucos amigos que tem, só poderia mesmo torcer para o Botafogo, time popularmente conhecido como “estrela solitária”, que além de ser o de menor torcida entre os considerados grandes do país, é também o que tem conquistado menos títulos nas décadas recentes. Sedentário, fumante e com dieta à base de toddynho e miojo (tem a geladeira e armários abarrotados disso), Horácio é o retrato de uma juventude perdida, condenado à enfisema e cálculos renais.
Uma de suas válvulas de escape é a música. É na voz do personagem que conhecemos canções inéditas de Frejat e Leoni, compostas especialmente para o filme. Através delas o estranhamento inicial entre ele e Maria se esvai, convertendo-se em empatia. Assim como o rapaz, Maria tem se sentido abandonada, desmotivada. Deixou o trabalho em São Paulo para acompanhar Pedro na rara oportunidade profissional que ele tem, mas os traumas de infância relativos à cidade lhe ameaçam voltar à tona.
‘Intimidade Entre Estranhos’ nos causa a impressão inicial de uma história simples e despretensiosa. E ela o é. O que só exalta o mérito de sua execução cinematográfica nos segurar, atentos, ao seu desenrolar. Pois o ritmo é constante, a progressiva revelação de camadas mais profundas dos personagens é bem construída, o equilíbrio na distância da câmera de uma cena para outra, a composição dos planos (a disposição de objetos e personagens diante da lente) são bem-sucedidos, as interpretações são convincentes. Todo esse conjunto faz deste uma agradável surpresa entre os lançamentos nacionais de 2018.
Intimidade Entre Estranhos – Brasil, 111 min, 2018. Dir.: José Alvarenga Jr. – Estreou em 13/12. Assista ao trailer:
