A exposição inédita “Di Cavalcanti, Muralista” organizada pelo Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, com curadoria de Ivo Mesquita, busca enfatizar a produção de murais e painéis do pintor (1897-1976, RJ), dedicada à gente brasileira, como toda a sua obra. A brasilidade moderna de Di Cavalcanti está impressa nos 23 trabalhos dispostos em ordem cronológica “de 1925 a 1950” e “de 1950 a 1976”, nos quais pode-se perceber como vai sendo construída a sua figuração, as estratégias no implante das composições, as elaborações formais da sua plástica para essa arte.
A mostra traz os painéis ProBel Trabalhadores (óleo sobre tela, 1955) e Brasil em 4 fases (óleo sobre tela, 1965) e mais 19 pinturas (óleo sobre tela) em grandes dimensões que aludem à mesma técnica e temas utilizados pelo artista para a composição de murais e painéis. Entre as pinturas exibidas estão Serenata e Devaneio, ambas de 1927, que preconizaram o primeiro mural modernista brasileiro, criado por Di em 1929 para o Teatro João Caetano, o díptico Samba e Carnaval, representado na mostra por duas reproduções em vinil na mesma escala. Para que o público possa identificar essa produção, quase impossível de ser transportada, a exposição conta com uma linha do tempo que recupera datas e locais em que as peças foram instaladas.
DI CAVALCANTI RECEBE EXPOSIÇÃO COMEMORATIVA NO MAM SÃO PAULO
Conforme a pesquisa de Mesquita, após os murais para o Teatro João Caetano – que ainda permanecem lá -, Di Cavalcanti realiza mais três outros na década de 1930: no Cassino do Quartel do Derby, no Recife, na Escola Chile, no Rio de Janeiro, ambos em 1934 e pintados diretamente na parede, e o painel para o Pavilhão da Cia. Franco-Brasileira de Cafés na Exposição Internacional de Artes e Técnicas na Vida Moderna, em Paris. Este último parece estar desaparecido, mas ganhou medalha de ouro no evento enquanto o do Cassino do Derby foi destruído pelos militares em 1937, período em que o artista depois de preso, exilou-se na França (1936 e 1940). A grande produção dessa arte por Di Cavalcanti se desenvolve no início da década de 1950, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a rápida industrialização do país e a construção de um Brasil moderno e democrático.
Como aponta o curador, Di Cavalcanti no lugar da retórica dramática de outros muralistas seus contemporâneos, privilegiou narrativas líricas e sensuais, em formas e cores exuberantes. “Sejam esses murais paisagens com mulheres, pescadores, operários, malandros ou candangos, em situação de festa ou trabalho, transmitem sempre certa leveza em levar a vida, a despeito da realidade social que evocam. É o artista inserido no coletivo, reconhecendo-se como parte dele. Di Cavalcanti foi um grande vocal da gente das ruas, dos mercadores e trabalhadores urbanos – incluindo as prostitutas –, de suas famílias, pequenas alegrias, afetos, tragédias e desejos”.
Debruçado sobre a obra de Di Cavalcanti, Mesquita em seu ensaio para a exposição reflete, entre vários aspectos, sobre a relação do artista com os muralistas mexicanos, Diego Rivera, Orosco e Siqueiros, iniciada em 1922 no Rio Janeiro, um ano antes de sua primeira viagem à Paris, assim como com seu contemporâneo Portinari. “Portinari configura o pintor heróico, solitário, militante, comprometido com a gente humilde e despossuída, narrador eloquente da injustiça e da desigualdade, que morre envenenado pelo chumbo de suas tintas. Di Cavalcanti, por sua vez, foi um artista boêmio, o pintor das mulatas, do samba, do carnaval e das festas populares, num mundo de formas sensuais, perverso, que, a seu modo, provocava o maniqueísmo moralista das normas e regras sociais. Dono de uma alma brejeira, hedonista, é o trovador da mestiçagem, o pintor que dá visibilidade à vida dos invisíveis, à força de trabalho suburbana na base da sempre desigual sociedade brasileira”.
Segundo o crítico ainda, o caráter figurativo da produção de Di Cavalcanti destinada aos edifícios e espaços públicos, com base no programa do Muralismo histórico, representava um esforço contrário aos programas da arquitetura moderna, racional e funcionalista, que se desenvolveu no Brasil, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, e que se associava a uma arte abstrata, autônoma, sem narrativas, que se integrasse à lógica da forma e do espaço. “Daí que, talvez por conta disso, entre o final dos anos 1940 e a década de 1960, seus painéis e murais tenham sido mais encomendados para projetos em edifícios particulares do que da administração pública”, completa.
SERVIÇO
Exposição “Di Cavalcanti, Muralista”
Onde: Instituto Tomie Ohtake
Endereço: Rua Coropés, 88, Pinheiros, São Paulo
Quando: 2 de junho a 17 de outubro
Horário: terça a domingo das 12h às 17h
Quanto: entrada gratuita
Informações: (11) 2245-1900 ou através do site