Mulher, o que você já deixou de fazer por achar que não tem mais idade pra isso?
Olhar no espelho e apreciar a ação do tempo nem sempre é tranquilo, parece que a imagem refletida do corpo não condiz com o que sentimos e assim os olhos driblam certas mudanças, para não serem nomeadas, vai passando e de repente somos outras.
Simone de Beauvoir, em sua obra “A Velhice” traz vivências pessoais em torno do processo de envelhecer, “Aos 50 anos, estremeci ao ouvir uma estudante americana repetir a exclamação de uma colega: ‘Mas, então, Simone de Beauvoir é uma velha!’. A tradição sobrecarregou esta palavra de um sentido pejorativo e ela soa como um insulto”
A negação da velhice e a imagem ideal de um corpo jovial nos impede de viver o envelhecimento de forma individual, com respeito ao nosso ritmo de ser, aceitando e reverenciando nossas marcas e histórias. Começamos a envelhecer assim que nascemos, não é isso? Então qual é a melhor idade para estudar uma coisa nova, usar uma roupa diferente, pintar o cabelo ou simplesmente não pintar?
Envelhecer é inevitável, a não ser que esse processo seja precocemente interrompido. Reconhecer-se nesse caminho, aceitar o fluxo e sentir as mudanças do corpo é um enfrentamento corajoso de um preconceito forte e violento, contra a imagem de um corpo em transformação visível e invisível ao mesmo tempo, já que ser idosa nesse país esbarra em questões políticas e desrespeitosas. É estranho pensar que “jovem” é elogio e “velho” é xingamento. O corpo é atingido culturalmente por camadas e camadas de poder e é usado para o apelo do consumo.
“Na minha infância os mais velhos de qualquer comunidade popular estavam em lugar de comando, de respeito”, recordou a escritora Conceição Evaristo, uma das principais vozes dos movimentos de valorização da cultura negra no país, na abertura da Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa, realizada virtualmente pelo Sesc São Paulo.
O Etarismo – discriminação contra pessoas com relação a faixa etária – muito comum em ambientes profissionais, prejudica a qualidade de vida das mulheres, colocando-as no mesmo esteriótipo, gostos e vontades. A velhice é heterogênea, não dá pra determinar com qual idade você se torna mais velha ou dizer que umas pessoas aparentam ser mais novas do que outras. Cris Guerra, escritora e influenciadora digital diz que “não é o envelhecer que torna a vida mais difícil; é o preconceito. Envelhecer não é para os fracos”, e acrescenta “A melhor forma de se vingar de um etarista? Desejar-lhe vida longa”.
Envelhecer é um processo de transformação, um movimento contínuo de grandes e pequenos ciclos do corpo, é mais do que números mudando, são mudanças sutis que se acumulam e quando a gente vê, passou. O que realmente passou? Qual é o tempo certo? Se existe envelhecimento, existe vida, dor, lembranças e esquecimentos, não somente uma soma de vida, mas a plenitude de ser e se sentir tempo, “existir consiste em temporalizar” diz Beauvoir.
Olhar no espelho e não se enxergar, fugir, esconder e filtrar as metamorfoses do corpo para as atrizes é uma exigência social, cobrança mesmo, como se a atriz e a bailarina não pudessem envelhecer, precisa ser jovem sempre, render, ao invés de encontrar espaço para dançar o envelhecimento e trabalhar com as possibilidades do presente. O corpo encontra trajetórias de acordo com o que vivencia. A atriz Cássia Kiss que interpreta Haia – com efeito de luz e sombra acentuando suas marcas de expressão e um cabelo longo e grisalho – na série Desalma, disse em uma das entrevistas que não foi difícil ao diretor escolher quem faria o papel, já que ela é uma das poucas atrizes brasileiras sem cirurgias plásticas. A cirurgia é apenas uma escolha e não a única condição de beleza e atuação profissional.
A fotógrafa mineira, Dani Dornelas, lançou durante a pandemia a exposição “Pelo direito de envelhecer” com retratos de mulheres que vivenciam o processo de transformação do envelhecimento e seus relatos particulares, esse projeto questiona o etarismo e discute o direito de envelhecer considerando fatores de gênero, padrões de beleza e as determinações sociais sexistas.
O corpo tem traços que formam labirintos, mudanças de cores e pigmentos que só dizem respeito a você. A sua poesia do tempo está na pele, marcas que só existem porque vivemos até aqui, o tal do “bigode chinês”, esses parênteses que se formam nas laterais da boca, sabe porque eles aparecem? Porque sorrimos. E vamos sorrir mais, pra marcar, sorrir pra franzir, pra traçar. Cabelo branco é moda na juventude e relaxo na velhice. Quem disse? As cores dos fios não tem idade, tem raiz, tem iluminação de quem reconhece beleza na sua natureza, além das mídias exigentes pra vender coloração.