“EM BUSCA DE JUDITH” ABORDA O SILENCIAMENTO FEMININO E A CRUELDADE DO SISTEMA MANICOMIAL

ITAÚ CULTURAL, EM SÃO PAULO, RECEBE A TEMPORADA DE ESTREIA DO TRABALHO QUE RESGATA UMA HISTÓRIA FAMILIAR
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29.04.2022

Fernando Dias

Afinal, o que é a loucura? Essa pergunta dá o tom do espetáculo “Em Busca de Judith”, que faz sua temporada de estreia no Itaú Cultural, em São Paulo. Para quem não estiver na cidade no período, é possível entrar em contato com a obra de outra maneira. Será exibida online a peça-filme que serviu de base para a montagem presencial, filmada em pavilhões da antiga Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. No online, a peça integra o Palco Virtual Ancestralidades, e poderá ser assistido no Youtube

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O espetáculo estreia no mês da Luta Antimanicomial. A data celebra a mudança na forma de lidar com a saúde mental. Chamado de Reforma Psiquiátrica, o movimento iniciado na década de 1970 foi responsável por deslocar dos hospitais para a comunidade os tratamentos para os transtornos mentais, criando dispositivos que são fundamentais para a assistência e a luta contra os estigmas, como os caps e as residências terapêuticas. 

Idealizado por Jéssica Barbosa e Pedro Sá Moraes, o trabalho resgata uma história familiar muito importante para a atriz. Até os 32 anos, a artista acreditava que a sua avó paterna, Judith, havia morrido em um acidente de carro, quando seu pai ainda era um bebê. No entanto, a realidade era bem diferente. 

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Na verdade, a matriarca foi internada compulsoriamente por seu marido em um hospital psiquiátrico, aos 28 anos. Ela passou 13 anos na instituição, até sua morte, aos 42. Quando Jéssica descobriu esse fato, sentiu que era sua missão descortinar essa história. Afinal, era injusto mais uma jovem mulher preta, mãe de cinco filhos, ter sua voz silenciada de uma maneira tão brutal. “Meu avô nunca se casou com ela no papel. Na verdade, ele a traiu e se casou com uma mulher branca. Desconfiamos que ela enfrentou uma depressão pós-parto, mas não havia esse diagnóstico nos anos 40”, comenta Jéssica.  

O desenvolvimento da peça começou em 2018, quando Jéssica e Pedro ingressaram na residência artística do Museu Bispo do Rosário, chamado de Programa Casa B. A dupla pesquisou o universo da saúde mental, a história de Judith e sua interface com a arte durante três anos.  

Nesse período, trocaram experiências com os artistas residentes do Ateliê Gaia, além de acessar vários materiais de pesquisa e contar com o apoio da curadora pedagógica do Museu Bispo do Rosário Diana Kolker, orientadora durante a construção desse trabalho. 

Enquanto construía a dramaturgia, a atriz debruçou-se sobre livros como “Holocausto Brasileiro” (2013), da jornalista Daniela Arbex, sobre o Hospital Colônia de Barbacena; e “Mulheres e Loucura: Narrativas de Resistência” (2020), de Melissa de Oliveira Pereira. Além disso, promoveu debates em seu canal do YouTube com o psicólogo Lucas Veiga, com a psicóloga e doula Luiza Ferreira e com a própria Diana Kolker

“Precisamos racializar a história da luta antimanicomial, especialmente no caso das mulheres, que sempre escutam que estão ficando loucas. E pensarmos sobre saúde mental em uma época em que estamos generalizadamente doentes, com insônia, bruxismo, burnout e depressão, é fundamental. Afinal, o que é a loucura”, completa? 

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Segundo Jéssica, “Em Busca de Judith” é muito mais do que um espetáculo teatral. A conexão espiritual – e até ancestral – dela foi tão grande, ao longo do processo, que é quase como um ebó, ritual de oferenda aos Orixás para equilibrar diferentes aspectos da vida e até desfazer nós.

Outro aspecto importante da montagem é a música. Com trilha sonora ao vivo executada por Alysson Bruno (percussão e voz) e Muato (voz, baixo, guitarra e violão), a peça também é embalada pela potente voz de Jéssica Barbosa, que interpreta canções carregadas de afeto e emoção. A direção musical é de Pedro Sá Moraes.  

“As canções são momentos de reflexão, de respiro. Ao mesmo tempo, essa musicalidade conversa com a pesquisa de doutorado do Pedro, que investiga o quanto a música traz um ritmo para a fala – e como se constrói um tipo de espetáculo em que o texto é atravessado pelas canções”, comenta a idealizadora. Há também muitas referências a elementos relacionados à estética negra, como a capoeira e a própria dança executada em cena. 

“Nossa historiografia pessoal se dá no coletivo. Por isso, tem muita coisa do coletivo que se dá pela busca pessoal. O quintal é o mundo. Se houve X pessoas internadas no manicômio Y, todos temos responsabilidade sobre isso”, acrescenta. 

Para os espectadores mergulharem nessa realidade dos hospitais psiquiátricos, serão projetados trechos da peça-filme durante o espetáculo presencial. É a chance de conhecer os escombros da Colônia Juliano Moreira e dar um significado para aquilo. 

SERVIÇO

Peça “Em Busca de Judith”

Onde: Espaço Itaú Cultural

Endereço: Avenida Paulista, 149, Bela Vista – São Paulo

Quando: 5 a 15 de maio

Horário: quinta a sábado às 20h – domingo às 19h

Quanto: entrada gratuita – (os ingressos devem ser retirados pela INTI através do site)

Classificação etária: 12 anos

Duração: 70 minutos

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