Durante dias tão confusos, difíceis e cruéis, certa calma e satisfação acompanhavam parte das minhas manhãs. Quase sempre a mesma playlist, a casa inteira aberta e todos os ingredientes na mesa me esperavam por volta do mesmo horário. Posso dizer que preparar o meu almoço se transformou em uma espécie de ritual de autocuidado e cura. Cozinhar envolve afeto. Soube disso desde muito nova, quando minha mãe me deixava fazer algum bolo (quase) sozinha. Eu amava não apenas cozinhar, mas também acompanhar o que vinha depois. Enquanto fazia, sempre imaginava o resultado e pensava no quanto aquele momento era importante e nos unia.
Eu não tinha o hábito de cozinhar diariamente. Essa prática veio quando comecei minha transição para o veganismo, nos primeiros meses de pandemia. Viver esse processo no isolamento social me permitiu ter tempo suficiente na maioria dos dias para cozinhar todas as minhas refeições. Já nas primeiras semanas notei o quanto esses novos hábitos trouxeram leveza para os meus dias. Inúmeras vezes o modo automático me desconectou de muitas coisas simples, porém grandiosas. Parece – e de fato é – muito óbvio o papel da alimentação nas nossas vidas, mas sinto que, às vezes, eu não compreendia esse processo em sua plenitude e grandiosidade. O ato de cozinhar por si só já diz muito para mim. Consigo fazer um paralelo com as criações artísticas porque envolve criatividade, muitas possibilidades de combinações e muito aprendizado durante o fazer. É muito gostoso olhar para trás e ver que os avanços significativos que tive na cozinha, eu aprendi com a prática, testando e descobrindo coisas maravilhosas, e também coisas que não deram certo ou não combinaram entre si.
Mas além de tudo isso, ao cozinhar eu encontrei um lugar de autocuidado. É maravilhoso fazer algo que dá certo, mas é magnífico fazer algo que não apenas vai dar certo, como vai te servir de alimento, te servir para uma necessidade muito básica dos seres. E se preparar essa refeição for um momento seu com suas músicas favoritas, com calma, em um lugar que você goste e se sinta bem à vontade, esse processo vira algo terapêutico. Pode ser um momento muito agradável depois de um dia não muito bom, ou um momento agradável que vai tornar um dia ainda mais especial. Também é muito interessante o quanto a cozinha pode aflorar alguns aspectos na gente como criatividade, organização, paciência e um consumo mais consciente, que também faz perceber meios de evitar ao máximo o desperdício de alimentos, que infelizmente é tão alto.
CONSIDERE O VEGANISMO – O IMPORTANTE É SE RESPEITAR E RESPEITAR O SEU CORPO
Começar a cozinhar diariamente já na minha transição para o veganismo, teve um impacto gigantesco nesse processo. Eu adquiri um olhar muito diferente porque a minha alimentação mudou demais. É ainda mais satisfatório e extremamente prazeroso me nutrir com alimentos feitos por mim em momentos sempre muito agradáveis, e ainda não contribuir com uma indústria que eu não concordo, além de descobrir cada dia mais a variedade de ingredientes naturais e criar uma relação maior com a natureza e consequentemente com o meu corpo.
Talvez cozinhar não signifique tudo isso para todas as pessoas, mas acho importante partilhar essa descoberta que sei que não foi apenas minha. Momentos duros e incertos como esses que estamos atravessando há quase um ano, requerem boas dosagens de respiro e momentos criativos. A descoberta de atividades cotidianas que podem causar boas sensações ao nosso corpo sempre foi preciosa demais, e agora se faz necessária como nunca. Acredito que mesmo depois de todos esses meses, ainda não estamos completamente adaptados a essa nova rotina, e nos perdemos no meio das tantas coisas que tem acontecido. Mas é de extrema importância olhar e cuidar de si. Entender qual momento pode ser assim no seu dia a dia, ou qual momento te proporciona essas sensações.
Para finalizar, deixo as boas palavras da Thamara Bogolenta, que entende muito bem dessa cozinha cheia de afeto e bons sentimentos: “Cozinhar é esse cuidado, é esse abraço que você não abraça… É tudo. É uma magia que acontece, a tal da alquimia, porque você escolhe os temperos; você se entrega. E o ato de você alimentar alguém, de você saber cozinhar e querer cozinhar para alguém ou para você mesmo, é um ato de cura. Eu enxergo muito por esse viés. Que seja uma superprodução, que seja um arroz com feijão: tudo vai nutrir nosso corpo. E que grande isso”.