Em tempos de “bundalização”, se torna mais fácil alcançar a fama e o tão sonhado sucesso, agora transformar-se em ícones da música popular brasileira durante 71 anos de carreira, esse feitio é para poucos, melhor dizendo, para pouquíssimos. Mas, qual o segredo para se chegar tão longe? Pontualidade, respeito e amor pelo que se faz, assim As Galvão chegaram tão longe na música caipira.
Mary Zuil Galvão, 78 anos, extrovertida, casada há 37 anos com o maestro Mário Campanha, conhecida como Meire, pois na época muitos não sabiam pronunciar seu nome americanizado, mãe de duas filhas, vó de quatro netas e bisavó. Já Marilene Galvão, mais acanhada, 76 anos, viúva, mãe de um filho e vó de dois netos. Nascidas em uma família pobre de cinco irmãos, filhas de alfaiate e costureira, iniciaram a carreia com 7 e 5 anos de idade, não conheceram outra profissão devido a paixão pela música desde garotas. Passaram inúmeras dificuldades, mas nunca passaram fome, por se tratar de uma dupla feminina, não sofreram preconceito, “criança e cachorro fazem sucesso em qualquer lugar”, brinca Meire.
Com a sanfona e o violão como companheiros de estrada, crias de Sapezal, As Irmãs Galvão nunca deixaram se abater pelas dificuldades da vida, após anos de sucesso, era hora de inovar, as irmãs se tornam simplesmente As Galvão, devido uma sugestão de uma numeróloga. “A mudança foi apenas frescura, chega uma hora que o artista precisa fazer alguma coisa para ter assunto, sempre a mesma coisa. Pensaram que íamos nos separar pela mudança do nome, mas tudo isso gerou muitas matérias para nós duas. Mudança é sempre benéfico”.
A dupla acabou de lançar o primeiro DVD da carreira em 2017, a explicação para a demora, é simples, “se era para fazer qualquer coisa envolvendo nosso nome, a gente não fazia, com isso o tempo foi passando e somente agora achamos que era o momento com algo de qualidade. Sempre tivemos muito respeito pela nossa história e nunca recebíamos uma proposta a nossa altura”, lembra as irmãs. Meire e Marilene foram a primeira dupla feminina a serem reconhecidas mundialmente e receberam uma indicação ao Grammy Latino como melhor álbum de música regional com o disco “Nóis e a Viola”. Possuem um memorial em homenagem a trajetória da dupla, localizado em Paraguaçu Paulista, interior de São Paulo, fazendo o turismo da região crescer. “Estamos combinando de criar um museu da história da música caipira que não existe em lugar nenhum, temos o primeiro disco dessa categoria de Cornélio Pires, temos que pôr nesse museu essa história”, comentam.
Por ser uma dupla caipira, ninguém imagina que Meire é ouvinte de funk, e elogia a carreira e postura da cantora Anitta, “uma mulher forte, nós gostaríamos de fazer na nossa época o que ela faz hoje, ela sabe o que ela quer, ela vai buscar”, já Marilene é adepta do tradicional sertanejo e não abre mão disso. Leia a entrevista na íntegra:
Portal Pepper – Como encaram o mercado sertanejo atual?
As Galvão: Encaramos com olhos de muita alegria, o que nós e outros artistas fizemos, agora outros estão tendo oportunidade, tudo mudou, mas o estilo continua sertanejo, isso nos honra. Hoje 90% das músicas tocadas no Brasil é o sertanejo. O mercado atual é maravilhoso.
PP – O que acham do “feminejo”? Ainda existe machismo no mercado sertanejo?
AG: Como você vê o machismo continua, existe e muito. Tem muita mulher bonita e preparada, mas não se sabe o porquê que qualquer um que chega tem portas abertas. Agora a mulher tem que provar que ela é capaz. Homem chegar aos 70 anos de carreira, eu não acredito, mas mulher pode ser.
PP – O estilo caipira ainda sobrevive no atual cenário musical?
AG: Totalmente. Pergunte ao cantor Daniel, quando ele faz o show com a viola e canta com o pai dele, a plateia escuta tudo de pé, e mesmo esses “moderninhos”, se não cantar “O menino da porteira” ou “Moreninha linda” do Tonico e Tinoco, não é sertanejo, a galera canta junto. Então o caipira está morrendo de que jeito? Não está morrendo. E outra coisa importante, nós acompanhamos tudo isso de perto, pois nós nos interessamos por essa história. O jovem canta com a gente.
PP – Com a invasão das redes sociais, as pessoas estão vivendo uma era do “politicamente correto”. Acham que estamos vivendo uma censura disfarçada?
AG: Na época da censura, nunca fomos censuradas, sempre gravamos coisas lindas, muito românticas, não nos lembramos de ninguém que foi censurado na música sertaneja. Nos dias atuais não existe uma censura disfarçada, você vê o que estão gravando por aí, o que está sendo cantado, liberdade total pra falar de política disso ou daquilo.
PP – O que acham da situação dos idosos no país?
AG: O que precisa é um trabalho na mídia que isso vai acontecer muito rápido, onde cientistas mostram maneiras de tratar os idosos com Alzheimer, por exemplo, você tem um idoso em casa, começa a esquecer de tudo, os mais novos não têm paciência, não cuidam, não procuram uma ciência que leve a pessoa a ter uma qualidade de vida. Quando se fala de Alzheimer, os familiares levam para um asilo e larga lá, ou larga numa casa de repouso, paga muito caro pra não lembrar. Outro detalhe, morrem de vergonha, quando chega uma visita a primeira coisa que fazem é esconder a pessoa com a Alzheimer. Nós temos uma mãe com 97 anos, não lembra das pessoas, é festeira, está sempre com as unhas esmaltadas, não sai do quarto sem um batom e brinco. Ela quer dançar. Nem para a gente o governo faz alguma coisa, que dirá para o velho, não temos nem escola, lidar com o idoso é supérfluo. Tomara que os governantes cheguem nessa idade.
PP – Em tempos de WhatsApp, um bilhete e uma conversa real tem vez?
AG: Não tem. Estamos cansadas de ver em restaurantes casais cada um com o seu celular, tenha dó, o jovem não conversa mais, não troca informação, não se comunicam só se “estrumbica” com esse negócio. Nossos filhos ainda pedem benção antes de dormir, se uma pessoa de fora ver isso, é um absurdo e cafona. O romance está se perdendo.
PP – O que vocês sentem saudades? O que não faz falta?
AG: Sentimos saudades de tudo. Nós vamos voltar a morar em nossa antiga casa, onde tudo começou. Se plantar um pé de manga, eu estou feliz [Marilene]. O que não faz falta, fazemos questão de esquecer, não guardamos nada.
PP – 71 Anos de carreira. Qual o segredo desta longevidade?
AG: Nunca bebemos, nunca fumamos, a nossa função é cantar. O principal segredo é o respeito por tudo e por todos. Não faça para os outros o que não quer que façam pra você, nós temos muito respeito uma pela outra e pela nossa história. A palavra respeito não existe no WhatsApp.
PP – O que é apimentar para vocês?
AG: A nossa vida já é uma pimenta. É curtir o que a gente faz. Apimentar é chegar nos 70 anos de carreira e ser convidada para fazer um ensaio para um portal que se chama Pepper.
Ficha técnica
Fotografia – Marco Máximo
Maquiagem – Anderson Bueno
Styling – Fernando Leite
Produção – Paulo Sanseverino
Co-produção – Márcia Regina Minamoto
Acessórios – Isabella Blanco
Edição – Eduardo Neratika