Mulher, licença!
Licença pra tocar seu território com palavras, licença pra te convidar a sentir o mover dos seus olhos caminhando nas letras. Licença para essa relação. A relação que se dá quando a gente se abre para fluir por outras águas em nós mesmas.
O corpo toca pra existir. Toca o ambiente em que está, o tempo todo!
O que te toca agora?
No nosso planeta, os corpos só existem se apoiados em alguma coisa, a força gravitacional é uma força de atração. Então, não resista tanto, relaxe os músculos tensos, entregue-se aos contatos que seu corpo faz. Use o que te apoia de pé, sentada, deitada, preencha o espaço com a sua existência. O convite é: sinta, faça um caminho pelo que te toca!
O toque é uma necessidade. É um trajeto que começa na pele, percorre neurônios e sem GPS chega no córtex cerebral, assim sentimos cócegas, dor, prazer, temperaturas. Assim nos relacionamos, sentimos a nós mesmas. Assim, é possível sentir a vida no mover do corpo que se desloca porque se relaciona com o chão. Assim as pálpebras se tocam e entre o fechar e o abrir dos olhos a gente pode se enxergar.
Em uma entrevista realizada pela bailarina e pesquisadora Ana Vitória, Angel Vianna diz: “O toque, minha gente, o toque é uma das coisas mais importantes do corpo humano. Você não precisa ficar falando, falando… Basta tocar naquela parte do corpo que está com dificuldade e ela vai entender que quero ajudá-la a encontrar um caminho… Mas é preciso que o toque seja delicado, acolhedor, que passe uma mensagem positiva, e aí o corpo vai perceber do que precisa.”
Angel é bailarina, coreógrafa, pesquisadora e doutora Honoris Causa em dança pela Universidade Federal da Bahia. Em uma de suas oficinas, no SESC de Santos, em São Paulo, ela chegou, sentou e disse: “hoje são as mãos, dançar com elas é dançar com os pés também, é dançar com o corpo todo”, e ao se mover ela falava de sensações, das articulações como dobradiças e sobre uma infinidade de possibilidades, escrevendo no espaço uma poesia de relação, um mesmo corpo se encontrando pelo toque.
A Pele, prazer!
São cerca de cinco milhões de receptores de toque sob a pele. É de um e meio a dois metros o distanciamento estabelecido pela OMS, entre pessoas durante a pandemia. Um espaço cuidadoso. Um vão coletivo. Uma ausência compartilhada.
É na pele, o órgão mais sensível do corpo, que sentimos a privação do contato físico durante esses meses de distanciamento. O que nos levou a perceber o quanto um abraço, uma dança com alguém, uma conversa mais próxima nos faz bem, alimenta.
Diante deste cenário, novas possibilidades se abriram para Thais Rosa, dançarina, improvisadora e intérprete-criadora do solo “Então, o tecido cinzento coloriu-se de manchas em movimento”. Para ela, pequenos movimentos ganharam outras dimensões e alargaram percepções. “Minhas mãos sempre foram uma potência no meu dançar. O encanto no detalhe. Durante esse ano de poucas danças, as mãos me trouxeram cura. Meditava com uma no coração e a outra no ventre acalmando meu desespero em meio a catástrofe. Automassagem com óleos foi outra medicina descoberta, a sensação de contorno e presentificação pelo toque”.
A dança que te toca
Camila Nantes, artista, educadora e pesquisadora da Dança de Salão Contemporânea – uma dança de condução mútua e sensível – tem questionado e cuidado da sua área de atuação, cobrando e militando a responsabilidade desse distanciamento. Nos lembrando, em suas mídias sociais, que a dança de salão é sim, uma dança a dois ou a duas, mas ela primeiro começa numa experiência relacional com a gente mesmo.
“Nessa relação pandêmica do distanciamento social onde o toque representa um risco, porque através dele pode-se transmitir um vírus que todos os dias mata milhares de pessoas no mundo, foi necessário gingar, respirar pra abrir espaço para os movimentos de transformação e adaptação nas práticas das relações na dança-vida, ampliando as nossas noções de toque e contato, por que precisamos inventar novas possibilidades de conexão para reexistir neste momento. Nos caminhos que segui durante o período de isolamento, me deparei com o espelho que é a própria presença e das relações mais íntimas, seja comigo mesma, com quem mora na mesma casa-comunidade, com quem vivo a relação da tela do celular, do computador, e os bichos, as plantas, a própria casa, a lua, o tempo, a terra girando. Nisso, decidi abraçar a oportunidade de me aprofundar na presença do corpo que eu sou e do que eu sinto, que também é o que eu sou.”
Ela aprendeu a dançar a falta como quem aprende novos caminhos de presença e diálogos corporais:
“A oportunidade de mergulhar mais dentro nas minhas vivências individuais em relação a me tocar e reconhecer meu próprio mover a partir disso foi potencializador para a minha rotina na pesquisa da dança-vida enquanto mulher artista educadora, trazendo a força da presença para os meus processos e a responsabilidade de me dedicar também a mim mesma, o que transforma a relação com a outra ao pé que posso manifestar escuta e fala com mais sinceridade pelo exercício da presença.”Que essa dança-espelho nos leve para lugares que amamos, lugares que tememos e que precisam de cura, num caminho pra dentro da pele. E que a distância entre os corpos seja um cuidado coletivo, uma oportunidade para que os olhares se toquem!