A MÚSICA VIRAL NÃO MATA, MAS EMBURRECE

A INSATISFAÇÃO DE ARTISTAS EM RELAÇÃO AO ATUAL CENÁRIO FONOGRÁFICO ALERTA PARA O COLAPSO MUSICAL
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15.04.2023

Reprodução / Facebook

Um spectro ronda a cidade, mas desta vez está focado na indústria fonográfica, que por sinal, está sedenta por lucro. A máquina não pode parar, não importa se a música é boa ou não, o importante é viralizar para gerar o tal engajamento, que possui outro significado no dicionário. Essa moda viral não mata, mas emburrece. São milhões de jovens que entraram nessa jaula intitulada rede social, mas que ao invés de produzir conteúdo de qualidade estão focados em cativar o tal do algoritmo, que nunca está satisfeito com suas postagens. Já diziam os sábios Titãs na canção “Televisão” (1985) – A televisão me deixou burro, muito burro demais. Agora todas as coisas que eu penso me parecem iguais”.

Devemos ensinar a essa nova geração que transformar sentimentos em melodias e contar uma narrativa em belas canções ainda é possível e sim, pode ser rentável para todos. Não é de hoje que artistas estão insatisfeitos com suas gravadoras, pois não querem entrar em um sistema que preza por quantidade e não qualidade. É triste, mas é real. Desenrolar, bater e jogar de ladinho é divertido para uma pista de dança, agora tornar essa fórmula universal para todos os artistas, isso não podemos aceitar e não vamos. Existe espaço para todos os gêneros musicais, mas “o sol que brilha para todos” não pode fazer sombra no trabalho alheio.

Nesta última sexta-feira (14), o cantor e compositor Rodrigo Suricato, vocalista da banda que leva seu nome e atualmente à frente dos vocais do Barão Vermelho, escreveu uma carta de desistência do cenário musical, essa atitude me deixou pasmo, pois a arte serve para curar, a cultura serve para libertar e o entretenimento para gerar experiências, e não o contrário. Coloquei-me no lugar do artista e entendi perfeitamente o seu desabafo, mesmo acreditando que esse cenário pode ser alterado – “ninguém solta a mão de ninguém” – e a arte de qualidade precisa de nós. Leia a baixo:

“Caramba como começo isso? Respira…honestidade. Amigos, tô desistindo da Suricato, a expressão artística da qual dediquei tantos anos e me proporcionou tantas coisas. E também desligando os motores da minha relação atual com a música. Ela não é saudável. Não aconteceu nada. Simplesmente não há assentos disponíveis para a música que faço. E tudo bem. Esperei um tempo para me certificar que esse adeus não tivesse um amargo ressentimento como foi com tantos colegas. Na verdade me sinto mais leve e motivado à novas possibilidades. Quem é artista sabe bem a quantidade de horas dedicadas aos nossos projetos/sonhos, certo? Acordamos e vamos dormir todo dia pensando em algo novo pra que eles se tornem viáveis numa cultura tão saturada e bizarra. E quando olhamos com mais atenção e carinho pra gente, percebemos a relação tóxica que desenvolvemos justo com aquilo que a gente tanto ama. Confesso que 80% do meu tempo é trabalhando uma onipresença digital publicitária e questões que nada tem a ver com a atividade que eu escolhi. Além da força de uma usina nuclear para lidar com expectativas e sentimentos de rejeição.  Portanto, se essa atividade me desestabiliza emocionalmente (a maior parte das vezes) então eu já mudei de emprego faz tempo e não sabia. Preciso retirar esse obelisco da sala para perceber outras possibilidades. Estou muito pra jogo. Mas não esse que está deixando todo mundo doente e fingindo que nada está acontecendo. Reconheço publicamente, sem filtro paris, que a viabilidade do meu projeto não é a desejável; acho que a Suricato chegou onde poderia chegar mesmo. E foram muitas coisas incríveis e até prêmios conquistados; sou um privilegiado e uma exceção, pois possuo uma das poucas coisas incapazes de se viralizar: respeito. Não é burnout, eu não romantizo esgotamento. Não é pausa, não preciso de tempo. Sou o tempo. Encaro o momento como libertação e redirecionamento de existência. A vida é maior que a arte. Deixei de olhar acomodado para um modelo único e cafona de sucesso onde terminamos sozinhos, deprimidos e distantes anos-luz do nosso propósito. O último show acontecerá dia 12 de maio em SP. Continuo no Barão por um tempo que não sei (nem pretendo) determinar agora. Além de compromissos aqui e acolá… Achei elegante vir aqui dizer que, nesse momento, meu brilho é de uma estrela que não existe mais. Virei uma galáxia.  Agradeço aos amigos, fãs, admiradores e todos que já colaboraram com esse projeto tão especial pra mim. Suricato, obrigado! Te amo muito!  Desculpe o auê. Eu realmente fiz tudo que sabia e pude por você. Tem uma vida me esperando”.

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Após a postagem, centenas de artistas se viram na mesma situação e manifestaram suas indignações sobre o atual mercado musical. Veja abaixo:

“Fui numa feira de música essa semana e o assunto de todas as palestras foi Algoritmo. Sobre como entendê-lo, seduzi-lo e trocando em miúdos, trabalhar para satisfazê-lo. Me deu uma puta angústia de perceber que não pertenço a esse mundo. Entendo internamente tudo o que você tem dito por aqui. Saúdo sua coragem, e lamento que um artista extraordinário como tu não tenha espaço nessa roda viva que virou o mercado “musical” que de música tem quase nada. Um abraço carinhoso e que venham novos caminhos”, escreveu o ator e músico André Frateschi em apoio a Rodrigo Suricato.

“A sua reflexão e também sua decisão, são legítimas. A maluquice é que num outro tamanho, profissionais de vários setores estão vivendo a mesma angústia. Esse massacre das Big techs, disfarçado de terra das oportunidades e que na verdade quer apenas nivelar tudo por baixo e manter a roda girando é um fenômeno que destrói a excelência. Fico sempre na dúvida se vai passar ou se teremos apenas que aceitar. Mas estamos todos anestesiados por essas telas, esses algoritmos. E vá falar alguma coisa. Serás massacrado, taxado de inadequado, dirão que você não está entendendo as mudanças. Mas a mudança real está aí na nossa cara. A manipulação dos donos do dinheiro e nós feito trouxas, fazendo tudo que nos mandam fazer. Respira, viva e deixa vir o novo. O novo que vale à pena. Não o que tentam nos fazer engolir”, pontuou Lucio Mauro Filho.

“Me assustei com o quanto me vi, mais uma vez, em suas palavras Rodrigo. Sabe o quanto sou seu admirador e o quanto me vejo neste mesmo lugar. Queria ter a sua coragem. Sou o mais honesto possível comigo e você sabe o quanto é difícil levantar a cabeça de manhã e ir pra luta num mercado tão cruel, onde currículo não vale nada. Imagina pra mim, mais macaco velho”, lamentou Milton Guedes.

Essa carta fez com que meus olhos se enchessem de lágrimas, pois a música está à beira do abismo, prestes a ser empurrada despenhadeiro abaixo pelo algoritmo. O amor perdeu espaço para o cancelamento, a melodia está apanhando da “dancinha”, a emoção agoniza no corredor ao som de “vem sentando gostosinho no pai”, a figura paterna se transformou em objetificação sexual, e ao invés de questionarem – aplaudem. Precisamos desligar os aparelhos do conteúdo viral e ligar urgentemente o cilindro de oxigênio da música de qualidade. O público está ficando órfão, pois seus heróis não morreram de overdose, seus heróis estão morrendo de tristeza. A música sobrevive e o pulso ainda pulsa.

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