“Se você houve o reggae e não sente nada, então já está morto”, já dizia Bob Marley, um dos mais ilustres artistas do gênero musical. O ritmo ultrapassa as fronteiras globais de forma gigantesca – em terras tupiniquins, o Estado do Maranhão é conhecido como o berço do reggae, onde procriou inúmeros talentos, entre eles a precursora banda Tribo de Jah, com 38 anos de estrada, e vitalidade de um adolescente – os integrantes demonstram a evolução e se preparam para lançar o décimo oitavo álbum da carreira, além do documentário “Tribo de Jah – Na Rota das Emoções”, onde fazem uma bela homenagem aos pontos turísticos maranhenses com trechos da trajetória da banda.
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“Hoje podemos dizer que tem um mercado reggae no Brasil, há uma cultura em escala nacional e a Tribo de Jah acabou virando uma referência dentro desse cenário, uma banda pioneira – e isso fortalece muito o nosso trabalho – ser uma referência – quando começamos, tinha regiões que a gente tocava e o pessoal até curtia as músicas, mas nem sabiam definir o gênero, mas agora a Tribo teve essa responsabilidade de produzir no país boa parte da temática reggae”, comenta Fauzi Beydoun, vocalista da banda.
“Fomos a primeira banda a falar de Babilônia, de Jah, uma série de simbologias que nunca se tinha ouvido no Brasil, e a Tribo transpôs para o português boa parte dessa temática e hoje é usada largamente por outras bandas. É um cenário, embora díspare, onde cada região tem um aspecto e um estilo, e as cidades maiores são mais cosmopolitas e mais ligadas com a cena reggae internacional, mas com certeza, hoje o cenário mudou muito”, complementa.
Criada oficialmente em 1986, a Tribo de Jah surgiu na Escola de Cegos do Maranhão, onde Aquiles Rabelo (baixista), Netto Enes (guitarrista), João Rodriguez (baterista) e Luan Richard (tecladista) se conheceram. Por possuir integrantes com deficiência visual, a banda raramente teve a atenção da grande mídia, principalmente das grandes gravadoras – o fenômeno que se tornaram é mérito da persistência de cada integrante que através da inclusão e superação cativaram uma legião de fãs que lotam os shows em cada cidade que passam.
“Em muitos casos, a gente sofreu preconceito com isso, nos tempos das gravadoras, elas não queriam uma banda com o perfil da Tribo, queriam um bando de rapazolas bonitinhos e bem cuidados, e o perfil da banda fugia muito disso, com certeza sofríamos muita discriminação, mas para os fãs, somos um exemplo de inclusão e superação, e a banda demonstra isso, inclusive temos carregado essa bandeira de que a música e a arte são ferramentas muito inclusivas, especialmente para o deficiente físico e visual, é uma maneira de você promover a inclusão social”, ressalta Beydoun.
“As escolas de cegos que existem no Brasil devem estar mais atentas a isso, de disponibilizar o acesso musical, o deficiente visual particularmente tem uma percepção auditiva muito aguçada, então, ele acaba tendo uma facilidade maior com a música, mas a Tribo tem trabalhado muito isso, a questão da acessibilidade, a questão da inclusão social, e a própria banda é um exemplo da inclusão e superação, e nunca foi fácil pra Tribo, a gente teve que ultrapassar muitas dificuldades e a deficiência visual nunca foi uma barreira, até hoje nunca foi fácil, somos uma banda que não estamos na grande mídia, somos independente, então se manter vivo é o desafio maior da banda”, conclui.
Prestes a lançar o novo disco, a Tribo de Jah se apresentou no último final de semana, na Áudio, em São Paulo, para divulgar o lançamento do documentário “Tribo de Jah – Na Rota das Emoções”, onde arrastou uma multidão sedenta pelo velho e fiel estilo reggae. “A gente é muito da cultura de álbum, na verdade ele é um produto artístico, é mais que uma música, cada álbum tem uma proposta estética, uma proposta musical no todo. Sempre fazemos uma releitura, quando a banda começou a gravar, os estúdios eram muito precários, os instrumentos da banda também eram, então, agora com mais recursos e conhecimento, gostamos de fazer essas releituras pra dar uma roupagem mais atual e mais consistente, mas também trazemos músicas inéditas, acho que a Tribo tem mostrado aí nos últimos trabalhos muita consistência, a longevidade artística nem sempre é um fator positivo pra muitos artistas, tem muitos que ao longo da carreira vão definhando, produzindo menos, mas em nosso caso, a produção tem sido intensa em quantidade e qualidade – os últimos projetos da banda denotam de uma evolução e amadurecimento com trabalhos mais consistentes”, compartilha Fauzi.
“A ideia do documentário surgiu através da lei de incentivo à cultura do Maranhão, e quando você utiliza dessa ferramenta que é muito válida, você tem uma responsabilidade muito grande também pra fazer algo significativo, não é só se aproveitar desse tipo de ferramenta pra se valer e levar alguma vantagem, a Tribo fez um trabalho muito competente, pensando em dar um retorno positivo para o Estado e a ‘Rota das Emoções’ é um produto turístico do Maranhão de alto nível, na sua totalidade pouco conhecido, Barreirinhas é mais evidente, mas têm muita coisa que não é conhecida – aspectos culturais e históricos – tentamos passar de maneira descontraída e simples e valorizar ao máximo esse produto pra que ele alcance o maior contingente de pessoas a nível nacional e internacional”, explica Beydoun sobre o lançamento do documentário.
O show trouxe grandes sucessos da banda e mostrou que o reggae é algo familiar, aonde o gênero musical ultrapassa as gerações – Fauzi Beydoun reuniu no palco os filhos Pedro Beydoun, João Beydoun que está seguindo carreira solo e o caçula Fauzi, com apenas oito anos.
“Os meninos estão despontando, despertando pra música, eu nunca induzi, nunca estimulei a trabalhar com música, mas quando você se dá conta, os caras estão tocando, compondo, produzindo, e claro, eu como pai me sinto orgulhoso e feliz, não é só uma questão de eles estarem envolvidos, mas eu vejo muito talento, um dom divino, algo muito especial, mas é óbvio que estar junto também é muito gratificante”, diz o pai coruja, orgulhoso do desempenho dos filhos.
“Um pai músico é um pai muito ausente, está sempre viajando, então quando você tem essa oportunidade de compartilhar não só o palco, mas também a estrada com os filhos, é maravilhoso, você mantém a família integrada, o ambiente de trabalho se torna mais acolhedor, embora a Tribo sempre foi uma família, a gente sempre teve essa cumplicidade familiar na banda”, comenta.
O projeto dividido em três partes traz muitas particularidades do Maranhão. “A questão do reggae no Maranhão é muito peculiar, se tornou uma cultura popular muito massiva. Culturalmente falando, o Maranhão é diferente de tudo, é um Estado único realmente, geograficamente tem traços muito peculiares, o reggae encontrou ali um ambiente muito propicio pra se aclimatar, hoje é acessível em muitos lugares, mas não é de fato uma questão de má distribuição, é uma questão de identidade cultural”, explica o líder da banda.
Quando questionado sobre o maior desafio que a banda enfrenta no atual mercado fonográfico e o que o país pode aprender com o estilo musical, Fauzi Beydoun é pontual – “O grande desafio da banda é se manter viva e ativa, nesses 38 anos de Tribo, o fato de você viver da música é um privilégio, mas com toda dificuldade do mundo, muita ralação, muita porta na cara, e a gente nunca desistiu, ganhamos o privilégio de sermos reconhecidos como uma banda referência, mas a mídia nunca foi simpática, nunca desfrutamos de uma notoriedade, é sempre uma luta, mas a gente agradece a Deus que nos proveu até hoje, mas nunca tivemos uma mão estendida como uma força para a banda, muito pelo contrário. Sempre tiveram alguns aproveitadores e produtores pilantras, mas agora estamos mais tarimbados é mais difícil acontecer, a experiência vai deixando a gente calejado”.
“O reggae é uma música diversa, possui diferentes tendências musicais e ideologias, tentamos trazer uma mensagem edificante de positividade, superação, confiança e de muita fé em Deus, tem várias letras de música da banda que estão inseridas em vários livros didáticos das escolas. O reggae é uma música no geral que gera bastante questionamento, mas também não cai nessa promiscuidade cultural que a gente vê – tem letras e músicas por aí que não ajudam em nada em um momento conturbado que a gente vive de desinformação, fake news e muita esculhambação – a gente tenta fugir disso com um trabalho sério, ético com muito conteúdo – o trabalho da banda prova isso”, finaliza. Assista aos episódios: