Final de maio, uma curiosa onda de desabafos de diversas artistas ao redor do mundo chamou bastante minha atenção: as gravadoras só querem que cantoras lancem hits que possam vir a viralizar na plataforma chinesa TikTok.
A cantora Halsey alegou em algumas postagens nessa mídia social que: “Basicamente, eu tenho uma música que eu amo e eu quero lançar urgentemente. Mas minha gravadora não deixa. Eu estou nesta indústria há oito anos, eu vendi mais de 165 milhões de discos e minha gravadora está dizendo que eu não posso lançar a menos que eles possam inventar um momento viral no TikTok. Eles estão basicamente fazendo isso com todos os artistas hoje em dia. Eu só quero lançar música, cara. E eu mereço mais. Estou cansada“.
Além de Halsey, Anitta também usou suas mídias para desabafar que sua gravadora só investe em seus hits, depois que estes viralizam nas mídias sociais. “A gente tem que esperar os resultados. Infelizmente é assim. As gravadoras se ligam muito no TikTok, o que viraliza na internet. E se não tem um sucesso logo de cara, eles dão tchau e f*da-se”.
Até a nossa musa master Adele se indignou. Após o lançamento do álbum “30”, no fim de 2021, Adele relatou que sua equipe queria que ela elaborasse um conteúdo especialmente ao público adolescente do TikTok, porém a cantora se negou. “Se todo mundo faz música para o TikTok, quem faz música para a minha geração? Quem faz a música para meus colegas? Gosto de ter essa missão”, questionou.
APÓS HIATO DE SEIS ANOS, ADELE LANÇA “30”, SEU AGUARDADO E EMOCIONANTE ÁLBUM
Outros cantores que se negaram a trabalhar focando suas músicas para viralização no TikTok e que exporam as novas exigências das gravadoras foram a vocalista do Florence and The Machine, Florence Welch, Zara Larsson e Ed Sheeran.
Por que essa notícia chamou tanto a minha atenção?
Porque recorrentemente somos engolidos pelo inconsciente coletivo (tendemos a agir conforme as pessoas pensam, por motivo de sobrevivência, de acordo com Carl Jung) e, sem refletirmos por qual “causa, razão, motivo ou circunstância” (como já dizia professor Girafales), estamos em todas as mídias sociais, fazendo dancinhas no TikTok.
Essa sensação de nos sentirmos “por fora” se chama “Fear of Missing Out”, ou FoMO. Seria “o medo de ficar por fora”, traduzido para o português. O termo foi cunhado pela primeira vez em 2000, por Dan Herman, e definido anos depois por Andrew Przybylski e Patrick McGinnis como o medo de que outras pessoas tenham boas experiências que você não tem.
E isso impacta diretamente as nossas relações: checar nossas mídias sociais de cinco em cinco minutos, para não perder nenhum assunto novo, não conseguir se relacionar com profundidade com as pessoas, por ficar sempre na expectativa de que o próximo matchseja melhor que o anterior, não conseguir nem pensar em desligar o celular e viver uns dias longe das mídias sociais, ou participar ativamente de todas as mídias.
O FoMO nos faz constantemente ter a sensação de que não estamos vivendo plenamente, pois vemos nossos amigos fazendo mil coisas legais nas mídias sociais e parece que a nossa vida sempre está para traz, numa corrida que não tem fim, nos trazendo mais ansiedade e fazendo com que postemos coisas que compramos e adquirimos perpassem o ser, individando muitas pessoas, em busca de (mostrar) uma vida feliz.
Além da Sociedade do Cansaço, descrita no livro de Byung-Chul Han, onde não precisamos mais de uma instituição para nos cobrar o que fazer, mas sim da nossa própria cabeça, esta prática nada saudável de estarmos o tempo todo na busca de produtividade e procurando algo para fazer, tem nome e endereço – economia da atenção, a qual temos que lidar com abundância de dados. E a mídia social, para despertar nossa atenção, trabalha cada vez mais com sentimentos como a raiva e a felicidade.
Por conta de todos os problemas trazidos pelo FoMO (ansiedade, depressão, comparação social), e pela economia da atenção, surge um movimento denominado JoMO, ou “Joy of Missing Out”, o qual se refere em ter prazer em não acompanhar tudo e, de simplesmente, viver o hoje e o agora.
O JoMO nos faz esse convite para vivermos cada vez mais nosso propósito, repensar o significado de nossas atitudes, redefinindo a palavra sucesso e vermos se, de fato, agrega alguma coisa estarmos em todas as mídias sociais e por dentro de todos os assuntos possíveis e imagináveis.
METAVERSO – O MEDO DE FICAR POR FORA DA NOVA SENSAÇÃO OU APROVEITAR A VIDA REAL?
Além da crise financeira, tendência da nostalgia, resgate ao passado e por conta do JoMO, nasce um movimento de retorno aos denominados dumbphones, os celulares básicos, aqueles que só enviava mensagem de texto SMS, atendia ligações e, se fosse muito sortudo, poderia tirar umas fotos (de baixa qualidade) ou escutar um rádio. Ou seja, muitas pessoas querem se desintoxicar da dependência criada pelos smartphones.
De olho nessa tendência e para o consumidor possuir uma alternativa acessível em um mundo cheio de celulares de alta especificação, a Nokia relançou, em 2017, seu modelo icônico 3310, o qual amávamos jogar a famigerada “cobrinha”.
E as vendas desse modelo não param de crescer. De acordo com reportagem da BBC, as pesquisas no Google por dumbphones aumentaram 89% entre 2018 e 2021, com base em um relatório da empresa de software SEMrush.
E embora os números de vendas sejam difíceis de obter, um relatório alega que as compras globais de dumbphonesatingiram um bilhão de unidades em 2020, acima dos 400 milhões em 2019. Isso se compara às vendas mundiais de 1,4 bilhão de smartphones no ano passado, após um queda de 12,5% em 2020. De acordo com a consultoria Delloite, em 2021, 1 em cada 10 usuários de telefones celulares no Reino Unido tinha um dumbphone.
Não é somente a gigante Nokia que vem investindo na fabricação desses aparelhos: a Light Phone, empresa de New York, aposta em um modelo um pouco mais evoluído que o 3310, permitindo que seus usuários ouçam música e podcasts e se conectem por bluetooth a fones de ouvido.
Entretanto, a empresa promete que seus telefones não terão mídia social, notícias clickbait, e-mail, um navegador de internet ou qualquer outro feed infinito indutor de ansiedade. Surpreendentemente, os principais clientes da empresa têm entre 25 e 35 anos.
A agência Dentsu Aegis entrevistou 32 mil pessoas em 22 países, entre março e abril de 2021, e o resultado foi surpreendente: entre os jovens de 18 a 24 anos, a geração Z, um em cada cinco afirmou ter desativado suas contas nas mídias sociais. Essa saída é duas vezes maior nessa faixa etária do que entre usuários acima de 45, mostrando que os mais velhos parecem se sentir menos afetados pelas mídias.
O grande motivo que movimentou os jovens a fazer isso é a preservação de sua saúde mental, afinal, o ambiente das mídias sociais vicia e faz nosso cérebro transbordar-se com dopamina, um neurotransmissor que dá prazer de curta duração (likes nos enchem de prazer). Os dislikes despertam gatilhos opostos, como o de rejeição e tristeza.
Além de sair das mídias sociais convencionais, a geração Z busca por mídias mais reais. Logo, o appBeReal se tornou o segundo app mais baixado nos Estados Unidos, atrás apenas do TikTok. Essa mídia social não possui filtros e se você não postar, não pode ver o post do seu amigo.
Além da redução da ansiedade, outros pontos positivos da aquisição dos dumbphones é a privacidade, o maior tempo a se dedicar a família e ao que é importante de verdade: despender menos tempo nas mídias sociais e conseguir ler uma notícia ou livro com profundidade é o que faz muitos europeus adquirirem esse tipo de aparelho.
Porém, fico me perguntando se no Brasil isso seria possível, pois ter um smartphone em nosso país é motivo de conquista e o sonho de muitas pessoas, o que é muito legítimo, afinal, esse tipo de aparelho dá acesso a um mundo de possibilidades, diretamente na palma das mãos, afinal, de acordo com o Critério Brasil da ABEP (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa), pesquisa que mostra a composição das classes sociais do Brasil, grande parte de nossa população encontra-se nas classes C, D e E (mais de 76% da população), ou seja, a renda média domiciliar (cerca de quatro pessoas por lar) fica entre R$ 3.194,33 a R$ 862,41.
Nota-se, portanto, que ter um smartphone no Brasil vai muito além de possuir um mero eletroeletrônico, ainda mais quando grande parte das questões são resolvidas via Whatsapp. Ou seja, se você não possui uma conta no app, você praticamente não existe.
Divisão das classes sociais no Brasil (2021)
Classe Social | % Brasil | Renda média domiciliar mensal |
A | 2,8% | R$ 22.749,24 |
B1 | 4,6% | R$ 10.788,56 |
B2 | 16,2% | R$ 5.721,72 |
C1 | 20,4% | R$ 3.194,33 |
C2 | 27,2% | R$ 1.894,95 |
D-E | 28,8% | R$ 862,41 |
TOTAL | 100% | R$ 3.333,97 |
Questionei-me também por qual motivo o Whatsapp caiu tanto no gosto do brasileiro, já que em muitas nacionalidades esse aplicativo é pouco utilizado, como nos Estados Unidos e na Europa, que utilizam mais SMS e ligações.
Além da facilidade de uso, telefonia é algo muito caro no Brasil e muitos planos pré-pagos possuem Whatsapp ilimitado, sem descontos adicionais. Enviar mensagem se tornou algo “natural” e isso vem me assustando bastante: os alunos descobrem meu número pessoal e me enviam mensagens pela madrugada, ou nos meus momentos de folga. E cadê o meu JoMO?
Descobri recentemente, em uma palestra da professora Dra. Francesca Columbu, um tema que ganha força no Direito do Trabalho: o direito à desconexão, o qual refere-se ao direito ao empregado se desconectar de seu ambiente de trabalho (material ou imaterialmente), tendo respeitado os estreitos limites de sua jornada de trabalho e, consequentemente, seus momentos de descanso e lazer.
“Ah, mas eu vou gravar essa mensagem sexta-feira à noite para fulano, apenas para eu não esquecer o assunto que preciso tratar na segunda pela manhã”. Só de emitir uma mensagem nesse horário, para uma pessoa que trabalha com você, além de correr riscos trabalhistas, você pode despertar diversos gatilhos de ansiedade nessa pessoa.
De acordo com dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população ansiosa, aproximadamente 19,4 milhões de pessoa.
Além disso, o Brasil é o terceiro país que mais passa tempo na internet diariamente, 10 horas e 19 minutos (perdendo apenas para África do Sul e Filipinas)– a média do mundo é 6 horas e 58 minutos – e o sexto país que mais utiliza as mídias sociais no mundo, cerca de 3 horas e 41 minutos, versus a média de 2 horas e 27 minutos, perdendo apenas para Nigéria, Filipinas, Gana, Colômbia e África do Sul, de acordo com dados da Pesquisa We Are Social, de 2022.
Será que esses dados não têm relação com nosso uso desvairado nas mídias sociais e Whatsapp?
Como muitos de nós trabalhamos com mídias sociais e, muitas vezes, não podemos nos dar o luxo (ainda) de migrarmos para os dumbphones, li algumas dicas postadas por André Carvalhal em seu Instagram, que te auxiliará a praticar mais o JoMO em sua vida, sem precisar ser o Capitão Fantástico, no começo do filme (se não assistiu a esse filme, recomendo):
– Escolha alguns veículos de notícia confiáveis: você não precisa seguir tudo, afinal, quantidade não é sinônimo de qualidade;
– Será que você precisa estar presente em todas as mídias sociais? Reflita;
– Quando estiver com seus amigos, familiares e pessoas queridas, olhe nos olhos e deixe o celular de lado: suas relações vão ser muito mais profundas e legais;
– Siga menos pessoas e mais pessoas reais, que criem conteúdo de qualidade, não apenas influencers de um lifestyle inalcançável;
– Imponha limite de tempo para você despender nas mídias sociais e, se necessário, use apps do seu próprio celular para travar as mídias e cronometrar esse tempo;
– Que tal separar seu celular de uso profissional e uso pessoal? Além disso, se possível, desligue seu celular no momento com o qual estiver de folga;
– Crie horários curtos e espaçados ao longo do dia, para averiguar as suas mídias sociais, de modo que não despenda tanto tempo nelas;
Dúvidas sobre qual conteúdo utilizar e consumir – siga sempre o conselho da pirâmide de conteúdo, criada pela Genius Steals, com base no modelo alimentar, onde quanto mais próximo da base, mais saudável é o conteúdo consumido. Criada para estimular a ingestão de conteúdo de forma mais saudável:
Pirâmide de conteúdo Genius Steal
Estou praticando mais o JoMO em 2022: vivendo mais meus hobbies, relacionamentos e projetos, focando no que realmente importa. Desabilitarei notificações de apps, afinal, como diria Leandro Karnal, sou professora, não obstetra para ter o meu Whatsapp todo tempo me notificando se “vai haver o parto de um bebê, a qualquer instante”. Deixei de me comparar com as pessoas nas mídias sociais, afinal, todos nós somos seres vulneráveis, cheios de incertezas e problemas.
Que consigamos nos desconectar mais e viver mais o hoje. Que você cuide com carinho da sua saúde mental e dos seus. Saio de férias, com felicidade de que meus textos te fizeram refletir um pouco sobre a sua existência e suas ações. Muita paze saúde.
Que sejamos mais Halseys e Adeles em nossas próprias vidas e nos questionemos mais nossos objetivos nas mídias sociais, vivendo com maior presença o mundo analógico, o maior presente que Deus pode nos dar – o agora e o hoje.