Por José Maurício Conrado
O filme “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” teve sua estreia na semana passada e tem causado bastante interesse por parte do público. Mas, qual seria o interesse em uma história de um super-herói que, neste filme em questão, precisa lidar com escolhas, apesar de seus superpoderes, que o faz se aproximar de seres humanos comuns? Bem, para entender tal ponto, é necessário recorrer a algumas ideias sobre como a espécie humana se comporta.
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Neste sentido, o historiador israelense Yuval Harari tem construído ideias bastante importantes para se discutir as perspectivas e sentidos possíveis de nossa sociedade atual. Na obra “Homo Deus”, Harari discute o futuro da humanidade a partir do desenvolvimento tecnológico que temos presenciado nos últimos anos.
Em seu livro anterior, “Sapiens”, o autor já tocava na questão da tecnologia. Para o historiador, a característica fundamental de nossa espécie seria a nossa capacidade de trabalhar em grupo. Da mesma forma, nossa espécie – Sapiens – precisa construir ficções, ou seja, precisa construir significados para si mesma e para o mundo que a cerca.
Vamos a um exemplo concreto. Nossa espécie precisa dar nome a todos os objetos e a todos os seres vivos, o que inclui ela mesma, como possibilidade de sobreviver. Sem nomear tudo que o cerca, o homem não consegue existir. Já pensou em como seria difícil para você se não conseguisse dar nomes as pessoas de sua família e a outras coisas fazem parte de sua vida?
Em “Homo Deus”, Yuval Harari continua a discutir os caminhos da espécie sapiens, só que agora imaginando atual estágio de desenvolvimento tecnológico, criando um cenário bastante complexo. Desde que a espécie humana fez o mapeamento de seu DNA, inúmeras possibilidades surgiram. Hoje, por exemplo, é possível detectar por exames de DNA algumas doenças que podem acontecer em algum indivíduo.
Esta capacidade de desenvolvimento tecnológico gerou mais complexidades para economia. Há um setor inteiro da economia dedicado a levar os avanços de exames clínicos, por exemplo, para as mãos de todos. No entanto, o autor pergunta se todos têm a capacidade econômica de aquisição destes serviços. Para o autor, nem todos os indivíduos do atual estágio de desenvolvimento social do mundo têm condições de usufruir de todos os avanços tecnológicos.
Em um futuro nem tão distante, o autor imagina que haverá uma separação entre aqueles que podem usufruir dos avanços tecnológicos, fazendo melhorias em seus próprios corpos (superação de doenças listadas no DNA, aprimoramento biológico etc.) daqueles que não terão acesso econômico a tais serviços.
Ou seja, o autor cria uma metáfora: A figura do Homo Deus seria justamente aquela das pessoas que poderiam acessar estes serviços e avanços tecnológicos. Para o autor, a figura do Homo Deus seria superior à espécie sapiens, por ter acesso a “superpoderes” oriundos da tecnologia.
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Bem, e qual é a relação destas ideias de Harari com o filme “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa”? O cinema é projeção de nossa imaginação. No cinema, o sucesso que um personagem com poderes especiais faz, revela o quanto queremos “burlar a realidade” em que vivemos, os limites de nossos corpos, sobretudo em uma época em que um vírus reforça ainda mais nossos limites de sobrevivência. E enquanto lidamos com nossos limites (a pandemia tem nos mostrado isto cada vez mais), vamos alimentando nossa imaginação, pensando que superpoderes poderiam ajudar, e muito, a lidar com adversários do cotidiano.
O cinema tem sido uma das linguagens mais poderosas quando se trata de representar o imaginário de nosso tempo, é possível perceber que o Homo Deus de que Yuval Harari fala, um indivíduo que poderia romper os limites comuns impostos pela natureza, com o auxílio de ciência e tecnologia, encontra no presente personagem Homem-Aranha uma ilustração bastante pertinente. Seria por isto que vemos nas filas dos cinemas que estão exibindo o filme tantas pessoas comuns fantasiadas como o super-herói? Bem, a resposta é que os filmes de heróis, com seus superpoderes, têm sido uma espécie de válvula de escape, sobretudo em tempos que têm mostrado que nossa humanidade é bastante mortal. Mas, não nos esqueçamos, não há nada mais humano que nos imaginarmos como seres especiais. Como heróis e deuses, muitas vezes.
O autor ainda faz uma profunda discussão sobre o que fazer com essa massa de pessoas que não teria acesso a estes avanços tecnológicos. Yuval Harari imagina que provavelmente os governos precisem criar formas de fazer com que estas pessoas se sintam minimamente felizes. O cenário imaginado pelo autor não é dos mais harmônicos. Para ele, esta parcela da população estaria sujeita a passar o dia nos jogos eletrônicos ou drogas artificiais que pudessem mantê-las afastadas do estado de depressão.