ROUND 6: POR QUE TANTO SUCESSO? AS MEGATENDÊNCIAS E A NEUROCIÊNCIA PODEM AJUDAR A EXPLICAR

A SÉRIE TRABALHA MUITO BEM COM REVIRAVOLTAS, MEXENDO LINDAMENTE COM OS SENTIMENTOS UNIVERSAIS DE SUA AUDIÊNCIA
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11.10.2021

Divulgação / Reprodução

Batatinha Frita: 1, 2, 3… Não se fala de outra coisa na internet, a não ser o sucesso da nova série sul-coreana, Round 6, que estreou na Netflix Brasil em 17 de setembro de 2021. É meme, produtos para vender relacionados à série, conteúdos dos canais de entretenimento. Para quem ainda não assistiu, segue a sinopse: um homem sul-coreano, chamado Seong Gi-hun (Lee Jung-jae), cuja vida financeira está em apuros, aceita o convite para participar de um jogo com o prêmio bilionário para quem chegar até o final. Além dele, está um grupo de mais de 450 pessoas competindo pelo dinheiro. A série está a caminho de se transformar em um marco para a gigante do streaming, quebrando recordes por onde passa.

MUITO ALÉM DE JOGOS SANGUINÁRIOS, “ROUND 6” DESTACA TRÁFICO DE ORGÃOS HUMANOS E SIMBOLOGIAS NOS EPISÓDIOS

A Netflix alega que, atualmente, “Round 6” é a produção mais assistida em cerca de 80 países, tornando-se o primeiro produto sul-coreano da plataforma a alcançar tal sucesso. Para se ter ideia, os números são tão expressivos que, continuando nesse ritmo, pode se tornar a série de língua não-inglesa mais popular do streaming — superando a aclamada “La Casa de Papel, detentora do título (Adoro Cinema, 2021).

Minha paixão por filmes coreanos não vem de hoje: eles são um prato cheio para quem gosta de investigação, suspense e grandes plot twists. Contudo, antes, durante e depois da série, fiquei refletindo por qual motivo “Round 6” caiu no gosto do mainstream e tem feito tanto sucesso com o público ao redor do mundo.

Busquei algumas explicações tanto na neurociência, quanto em uma megatendência global que permanecerá muito forte até 2030, mapeada pelo instituto de pesquisa internacional Euromonitor: o multiculturalismo.

Note que nós estamos mais abertos e receptivos a experimentarmos produtos e serviços de outras culturas, mesmo que estes itens sejam tão diferentes dos nossos costumes. Como o Brasil é muito influenciado pela cultura estadunidense, notem que essa movimentação de consumo, principalmente de filmes e séries, ocorre desde o Oscar de 2019, com o diretor mexicano (que amo), Alfonso Cuarón, ganhando a categoria de “Melhor Direção” daquele ano, com o filme mexicano, “Roma”, disponível também na Netflix. O filme injustamente naquele momento perdeu para “Green Book”, mas já houve uma abertura do que estava por vir no próximo ano.

No ano seguinte, um marco: “Parasita” ganhou o Oscar de “Melhor Filme Internacional”, “Melhor Diretor” e “Melhor Filme”, onde pela primeira vez um filme estrangeiro ganhou um dos prêmios mais aguardados do cinema mundial, nas terras do Tio Sam. Bong Joon Ho, ao ganhar o Oscar, declamou em seu discurso: “Quando vocês superarem a minúscula barreira das legendas, vocês serão apresentados a muitos outros filmes incríveis”, pois, estadunidenses possuem muita resistência para assistir aos filmes de outras nacionalidades e lerem legendas.

O que “Parasita” fez reforça a tendência contemplada pela Euromonitor: o mundo se abriu a essas novas experiências. A série espanhola “La Casa de Papel” também auxiliou na quebra dessas barreiras, porém, chegou a vez dos produtos em línguas asiáticas, como os Doramas, o K-pop, J-pop, entre outros .

O que também ajudou a consumir ainda mais produtos e serviços, (principalmente séries) de outros países, foi o fato de termos a tecnologia e os serviços de streaming cada vez mais acessíveis e próximos de nós. Quando eu era adolescente, por exemplo, para assistir a um filme estrangeiro, tinha que dar a sorte de ter um cinema cult na cidade que passasse uma obra estrangeira e legendada. Hoje, temos disponível um catálogo nos streamings repleto de obras incríveis do mundo todo. Demais, né? Já vi filmes da Macedônia do Sul, Romênia, Rússia, Índia… é muito enriquecedor ver como outros povos contam as suas histórias.

Outro fator é que, por conta da pandemia, além dos streamings serem uma das grandes (e únicas) fontes de entretenimento no isolamento social, não podíamos viajar: consumir produtos e serviços de uma nova cultura nos deu a sensação de nos transportarmos para outro lugar, aprendermos sobre novos costumes, conhecermos novos cantos, sem (infelizmente poder) sair de casa.

Fora o multiculturalismo, como a neurociência estimula as pessoas a assistirem a famigerada série sul-coreana? O primeiro ponto que notei foi o inconsciente coletivo, tratado por Carl Jung. Note essa vibe “todo mundo está assistindo, eu preciso também assistir!”. “Eu preciso saber o que significa esse meme”.

Uma das coisas que o cérebro faz, além de poupar energia (por isso, sempre nos pegamos no lugar comum, assistindo sempre os filmes de uma mesma cultura), por questões de sobrevivência, é pensar conforme as outras pessoas pensam, para não “ficarmos de fora”. Quando as pessoas vêem todo mundo falando da série, gera-se uma curiosidade natural para saber o que é a série e tentar acompanhar algumas coisas do episódio. Isso é o que chamamos de inconsciente coletivo: tendemos a pensar conforme as pessoas pensam. Um exemplo são as pochetes, as quais há alguns anos, eram consideradas bregas, feias, e hoje são acessórios de moda.

Além disso, o cérebro ama “começo, meio e fim”: a cada episódio, ficamos cada vez mais curiosos para saber o que vai acontecer no próximo, e no próximo… e ficamos envolvidos com aquele jogo, com aquela cena que não terminou e nos dá base para o início do próximo episódio.

Outra questão é que o cérebro ama contrastes: a série trabalha muito bem com reviravoltas, sangue, drama, mexendo lindamente com os sentimentos universais de sua audiência. Ao colocar o ser humano em situações extremas, o cérebro pensa “what the fuck?”… e nos forçamos a pensar o que faríamos naquela situação, tornando as cenas da série muito marcantes.

Creio que outro ponto que fez a série fazer tanto sucesso é o viés cognitivo inconsciente de familiaridade: nós nos reconhecemos, muitas vezes, naqueles personagens. E é isso que amo nos filmes e séries sul-coreanas, dirigidos e produzidos pelos grandes diretores: todos os personagens são bons e ruins, possuem luz ou sombra. Ninguém é cem por cento bonzinho, ou cem porcento puro ali. Logo, ocorre uma identificação inevitável do público, principalmente com os personagens principais.

Junto com esse viés cognitivo, também noto a tendência da vulnerabilidade na série, de assumirmos quem somos de verdade, nosso lado sombrio e bom, e o que podemos fazer para melhorar as nossas fraquezas: noto muito esse comportamento (sem dar spoilers) na protagonista Seong Gi-hun, na personagem Sae-Byeok, que, com a convivência com outros participantes dentro dos jogos, vai mostrando-se mais humana e confiável.

Demonstrar as nossas vulnerabilidades vem de encontro com a mudança do mundo VUCA (acrônimo das palavras em inglês Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity), para o mundo BANI pós-pandêmico, ou em português FANI – Frágil, Ansioso, Não-linear e Incompreensível. Todas os personagens refletem esse mundo FANI na série.

COM FORTES NARRATIVAS, FRIENDS SE TORNOU UMA MARCA DE SUCESSO ABSOLUTO – A NEUROCIÊNCIA PODE EXPLICAR

Falando em convivência: nós humanos, somos seres bio-psico-sociais. Quando vemos os personagens se relacionando uns com os outros e aprendendo entre eles, formando grupos e alianças, depois de um longo tempo de pandemia, sentimos aquela mesma sensação e a necessidade de “estar junto” de quem amamos. Chamamos isso de neurônios-espelho: tendemos a vibrar com as conquistas dos personagens, sentir o que eles sentem. Isso é maravilhoso e o roteiro da série trabalha muito bem com isso.

Por fim, sinto que a série consegue trabalhar com a nostalgia de seu público, ao resgatar as brincadeiras de infância e as lembranças boas outrora da vida de criança, estimulando assim o cérebro das emoções (inconsciente, límbico, ou sistema um).

O sucesso da série também não se constituiria, se esta tivesse um roteiro ruim, que não trouxesse grandes ensinamentos. Portanto, fora todas as tendências e questões de neurociência, a série me fez refletir muito sobre a vida e aquilo que, de fato, damos valor. E se você gosta de séries marcantes, com temas e cenas fortes, que faz aprender sobre as questões da vida e sociedade, e se interessa em conhecer uma forma de uma diferente cultura contar histórias, “Round 6” é para você. Fico muito feliz em ver o brasileiro desfrutando obras de outras culturas, saindo de um lugar comum: filmes hollywoodianos (são bons também, mas o mundo é tão diverso que vale a pena conhecermos novas narrativas).

Boa série e que ela te ensine a enxergar a vida por meio de uma nova perspectiva.

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