Peço licença às que vieram antes.
Licença à terra, às pedras, ao mar, ao fogo e ao vento que propaga o grito de quem não tem espaço pra dizer. É nessa mesma terra de nascimento, que o sangue escorre, e o lugar de quem é lugar, se espreme na esquiva pra existir. É nessa mesma terra que as raízes se encontram em caminhos de arte e resistência. Licença às mulheres originárias para escutarmos suas músicas e apoiar essa luta.
Desde a última semana, mais de 176 etnias indígenas se encontram acampadas em Brasília, somando mais de 6 mil vozes, na tentativa de sensibilizar o Supremo Tribunal Federal à causa indígena, pela inconstitucionalidade da tese do Marco Temporal. Nesse movimento do céu fechado sobre nossas cabeças, como diz Krenak, mais dias de espera estão por vir, após um voto favorável a votação foi interrompida (de novo) e vai continuar na próxima semana. Momento esse, de apoio, de ficarmos, todas, mais juntas, mais atentas, como diz a música de Brisa Flow: “Estado de alerta. Fique viva, se prepare. São dias e noites de amor e guerra.”
A próxima sessão de votos tem previsão para ser dia 8 de setembro e vai coincidir com a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas com o tema “mulheres originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”, os movimentos de preparação, apoios e vaquinhas já estão acontecendo pela internet, para o deslocamento, as cheganças e a permanência no acampamento em Brasília. A marcha é um evento ao ar livre e vai contar com 3 a 4 mil participantes para trazer visibilidade à luta das mulheres originárias, o evento será realizado na Fundação Nacional de Artes, a Funarte.
“Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio? Porque a Terra tem muitos filhos e uma mãe chora quando vê, quando sente que a vida que gerou, hoje é ameaçada. Mas ainda existe a chance de mudar isso, porque nós somos a cura da Terra!”, está escrito em um dos parágrafos do “manifesto das primeiras brasileiras”.
Nesse movimento de resistência diante de tudo que está acontecendo no país, o convite é para conhecermos, reconhecermos, escutarmos e apoiarmos artistas que manifestam suas lutas na arte. Aqui, cinco artistas poderosas da cena da música indígena contemporânea:
Brisa de La Cordillera, nome completo de Brisa Flow, multiartista mineira, com ascendência chilena indígena. A cantora, compositora, escritora e arte educadora formada em música, filha de um casal de artistas chilenos, iniciou seu processo artístico em Belo Horizonte, nas batalhas de rap. Brisa traz na música mensagens sobre a sua vivência enquanto mulher ameríndia periférica na América Latina. Ela lançou seu primeiro disco em 2016, intitulado “Newen”, que significa “força” na língua nativa do povo ameríndio mapuche, e esteve entre os 20 melhores discos do ano selecionados pelo Estadão. O segundo disco “Selvagem Como o Vento” foi lançado em dezembro de 2018, esteve entre diversas listas e concorreu pelo site da Redbull entre os melhores 50 discos do ano. Recebeu também o prêmio Olga Mulheres Inspiradoras. Se último single que circula pelos streamings é “Jogadora Rara”, e hoje (3 de setembro), lança sua participação especial no clipe “Vermelho Sangue” com Suntizil. “A espada de Santa Bárbara e o colete à prova de balas são usados como elementos de fé e proteção”, descreve sobre o clipe.
Katú Mirim, rapper, atriz e criadora de conteúdo. Criou o Visibilidade Indígena, o Indígena LGBTQ e a tag #indionaoefantasia. Nasceu no Campo Limpo, periferia de São Paulo, e em seu texto escrito para a revista Corpo Futuro se descreve como história viva, parte da resistência: “Eu sou Katu Mirim, uma indígena que nasceu e mora na periferia, uma indígena lésbica que está desde os treze anos buscando resgatar o que a colonização tirou. Hoje eu não vivo e luto apenas pela minha identidade, mas também pela história – a história dos meus ancestrais e a história que construo dia após dia. Passei anos buscando minha história e agora entendo que eu sou a história viva, pois falo além do nosso genocídio e etnocídio”. Ela lançou no início desse ano a música “Indígena Futurista”, com sua música e sua presença ela afirma que o próprio ato de existir já combate estereótipos, “as pessoas esperam a ‘indiazinha folclore’ e chego com meu estilo, tatuagens, boné e microfone — só minha existência já os desconstrói”, e complementa: “Meu corpo e minha arte já são um protesto”.
Mc Souto, mais de 10 anos de rap, indicada à categoria Artista Revelação no Women’s Music Awards By Music2!, em 2020. Originária do bairro da Penha, zona leste de São Paulo, criada em Itaquaquecetuba, sempre perto do rap e do samba, ritmos que influenciam suas composições. Seu primeiro álbum, o “Ritual”, fala sobre o resgate de sua ancestralidade indígena, já que foi criada no maior centro urbano do Brasil. “Esse processo de resgate é algo que vai durar a minha vida inteira, são vários aprendizados que estou tendo e eles não terminam. É um processo bem dolorido”, conta Souto em uma entrevista ao Raplogia. Em seu último lançamento, “Além de Março”, Souto versa sobre suas vivências, lutas e denúncias sociais contra o machismo e a falta de protagonismo feminino tanto no hip hop como em muitos lugares e situações.
Do Toré ao Passinho, Siba Carvalho é cantora, compositora e percussionista. Pernambucana, de etnia Puri, ingressou na música ainda criança, no Maracatu, em Olinda. Sua música é pautada pela reivindicação de tomada de território e de exaltação de legados. É na busca por sua ancestralidade, que Siba encontra forças para manter em movimento seu trabalho autoral, ela externaliza pela arte todos seus princípios, com um trabalho voltado para questões espirituais, luta indígena, meio ambiente, e militância LGBTQIA+.
Kaê Guajajara vive e trabalha no Rio de Janeiro. De etnia Guajajara, originaria do Maranhão, é cantora, compositora, escritora, arte educadora, fundadora do Coletivo Azuruhu e autora do livro “Descomplicando com Kaê Guajajara – O que você precisa saber sobre os povos originários e como ajudar na luta antirracista”. Ela vem tecendo uma linha entre ancestralidade e futurismo indígena, usando sua voz e música para manifestar e conscientizar sobre o racismo, o preconceito e a invisibilidade dos povos originários. Neste ano, lançou o clipe “Por dentro da Terra” que fala sobre a autoestima indígena e os estereótipos sociais, em uma das cenas ela dança no lixo e explica que nessa cena procura “mostrar que existe um plano de apagamento que está em constante evolução, que tenta inviabilizar políticas públicas em todo o Brasil e não apenas em áreas demarcadas”, afirma a cantora.
Essas são algumas das muitas vozes da cena artística indígena que somam com tantas outras, se alguma fez falta nessa leitura, que se acheguem como troca e sugestão para uma próxima. Apoie a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas pelo site da ANMIGA – Associação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade – #marcotemporalnão #demarcaçãodeterritório