De quem podemos e devemos nos lembrar mais do que de nossos pais no dia de nossos aniversários? Em quem pensar mais, senão naqueles a quem devemos nossa existência, e sentir por eles a imensa gratidão por termos vindo a esse mundo – para a experiência da vida nesse planeta único e maravilhoso e estarmos vivos? Pois foi com este “pensentimento” que Gilberto Gil, ao completar 33 anos, em 26 de junho de 1975, fez uma canção “de confissão de afeto profundo pelos pais, colocando todos os homens do mundo como um prolongamento do pai e todas as mulheres amadas como um prolongamento da mãe” (em Gilberto Gil – Todas as Letras, Companhia das Letras).
COM DIREÇÃO DE ANDRUCHA WADDINGTON, AMAZON PRIME VIDEO LANÇA A SÉRIE DOCUMENTAL “OS GIL”
A despeito de tanta ternura e afeição melodiosamente emanadas em versos, “Pai e Mãe” foi, no entanto, uma canção revolucionária, expressão de uma mudança no comportamento masculino, marcado até então por convenções decorrentes de um machismo que até hoje, contudo, insiste em se estabelecer e a ameaçar. Com essa canção, nós homens aprendemos “a beijar outros homens” como beijávamos nossos pais. Foi com ela que muitos de nós, da geração contra culturalmente in-formada nos anos 1970, aprendemos isso. Foi com Gil e com Caetano: o lançamento de “Pai e Mãe” consistiu na crista-lização poético-musical da onda, lançada por eles, de homens se beijarem ao se cumprimentarem: não podia! Isso, em plena ditadura militar. Pode-se imaginar o impacto que causou essa simples canção.
Nesse sentido, “Pai e Mãe” foi mais uma composição com o caráter e a missão transformadora e libertária que Gil e Caetano assumiram para si e suas obras, como papel a desempenhar no campo artístico e político, comportamental e social. Não é à toa que a canção constituiu à época “uma conversa de gerações; um diálogo sobre os confrontos entre os valores da geração passada e da presente” (GiLuminoso – a Po.ética do Ser, Unb; com Bené Fonteles).
AO LADO DE SEU FILHO FRAN, PRETA GIL FALA SOBRE RECONEXÃO E REENCONTRO ÀS RAÍZES NO CLIPE DE “MEU XODÓ”
Daí que… se por tudo isso “Pai e Mãe”, com seu discurso de amor, se mantém atual e particularmente atuante em nossos dias, 45 anos depois, como não regravá-la e, por suma implicação intergeracional, por que não o fazer juntando integrantes de três gerações da família Gil? Pois é exatamente o que se deu agora, numa oportunidade surgida pelo convite para compor a trilha do filme “Álbum em Família”, de Daniel Belmonte, inspirado na peça homônima de Nelson Rodrigues.
A gravação reúne os membros de uma das maiores famílias musical brasileira num registro que destaca um dueto de Gil com ninguém menos que Preta, a filha estelar da família, perfazendo, relax, tranquila e lindamente, toda a canção após o pai, mais os filhos Bem (com uns belos acordes na seção instrumental do meio do arranjo) na guitarra e José na bateria e na percussão e o neto João no baixo. Em tempos de falas de ódio e tristes flertes com o autoritarismo, o velho e grande artista em família com seus descendentes, numa afirmação da força do afeto e da terna liberdade. Assista: