Qual seu maior sonho? Participar do Big Brother Brasil e ser famoso por todo país, esse pode ser o discurso das centenas de participantes que entraram no reality show, mas não é o caso de Marcos Viegas e Nayara de Deus que deixaram essa última edição do programa. Ambos possuem 33 anos, filhos únicos, solteiros, iniciaram um coleguismo dentro da casa, mas a amizade se fortificou na vida real, pois são inúmeras as coincidências e ideologias que ligam os dois.
Recentemente se reencontraram por acaso em um cenário desconfortável, trata-se do desmoronamento do prédio de 24 andares no Largo do Paissandu, região central da capital paulistana, muitos julgaram a atitude de ambos relatando que queriam aparecer e não ajudar ou se solidarizar com a situação, mas tanto Viegas quanto Nayara trabalham em causas sociais, antes dos holofotes globais.
Pai de Marina, 5 anos, morador de Guaianases, zona leste, em São Paulo, filho de costureira, Viegas já trabalhou desde loja de surf, pizzaria a telemarketing, mas nunca deixou sua paixão pela música de lado, pelo contrário, acredita no seu potencial e enxerga um futuro majestoso no cenário do reggae e hip hop nacional. Com seus ídolos tatuados em seu braço direito, pois trata-se do braço em que possui mais força e resistência, passou inúmeras dificuldades na vida, mas nunca passou fome, “sou formado em passar dificuldades, mas nunca me faltou nada, sempre tinha a comida, a roupa, por mais simples que fosse, mas tinha, minha mãe que trabalhava e nós tínhamos um teto”, ressalta o cantor.
Largou o trabalho com registro na carteira, pois o sonho da música falava mais alto. “Quando eu optei por largar a CLT e viver de música independente, eu sabia que eu corria esse risco de passar dificuldade. Quando trabalhava registrado, meu crédito no bilhete único acabava e eu não tinha como colocar, mesma coisa trabalhando como autônomo, pedia dinheiro emprestado, sempre tive pessoas que posso contar, e como sempre pago minhas dividas, essas pessoas sempre estavam por perto”. Lançou no Youtube o documentário “Viver e Acreditar 2”, onde relata com dois amigos, Peterson Cunha e Junior Nascimento, a meta de vender cinco mil CD’s em uma semana, nas ruas de São Paulo, ao qual atingiram o objetivo, com esse feito aconteceram algumas situações para a criação do documentário, onde mostram o motivo de não existir a parte 1. Assista AQUI.
Focado em sua carreira musical, Viegas sabe bem o que quer e mantem os pés no chão acreditando em seus ideais e projetos. Seu maior sonho, simples, viver da música, trabalhar no que gosta e ter uma família com saúde, pois esse é o significado da palavra sucesso em seu vocabulário.
Nayara de Deus, filha de engenheiro e professora, nasceu em Santo André, hoje reside na região central de São Paulo, em um apartamento todo pintado de amarelo, hábito que herdou de sua mãe, que tinha feito a mesma coisa em sua casa, luta por causas sociais, trabalhava com atendimento numa multinacional francesa ao mesmo tempo que fazia freelances em assessoria de imprensa e hostess aos domingos em restaurante. Mora sozinha há 14 anos e afirma que “passa dificuldades até hoje”. A jornalista está prestes a lançar o seu canal no Youtube intitulado “Apurando com Nay de Deus” que trará novidades de estilo, ainda sem data de lançamento.
Orgulha-se muito de sua independência profissional e de morar sozinha, mas sua atitude mais corajosa foi participar de um reality show em rede nacional. “Eu adoro minha própria companhia, morar sozinha acaba se tornando um vício”, relata. Mulher, negra, ama cores, comunicativa, leonina, personalidade forte, fala o que pensa sem se importar em agradar ninguém, detesta pessoas que falam que irão fazer algo e não fazem, teve uma educação pautada em moral e caráter, “então isso é muito irritante, pessoas que falam e não cumprem”.
Quando questionada quem seriam seus ídolos, Nayara é objetiva, “meu único ídolo é minha mãe, não pago pau para ninguém, todo mundo é ser humano, todo mundo erra, mas minha mãe é diferente, é meu pilar”. Leia a entrevista na íntegra:
Portal Pepper: Você é engajada na política?
Nayara de Deus: Gosto de política, mas não gosto de participar da festa da democracia, sou uma pessoa que não vota, mas gosto de ter o entendimento das articulações políticas. Tenho um posicionamento mais progressista, mas eu tenho a sorte de falar que eu nunca votei, então minhas decepções foram outras na vida.
Portal Pepper: É possível viver de música no Brasil sem uma exposição midiática?
Marcos Viegas: É difícil, mas depende. Quando falamos viver de música, geralmente as pessoas associam com aquele lance de virar uma Ivete Sangalo, o Brasil inteiro conhecer você, fazer muitos shows, ganhar muito dinheiro e fazer turnê. Tem pessoas que tocam voz e violão no shopping e ganham melhor do que pessoas que trabalham em escritório, ou seja, ele vive de música.
PP: O reggae e hip hop tem vez no país?
MV: Tem, o reggae principalmente, no país e no mundo inteiro, todo mundo bebe do reggae, o reggae e hip hop em si ainda não tem uma visão, ou mão de obra que olhe da mesma forma que o mercado sertanejo tem olhado, e o sertanejo hoje é uma referência empresarial dentro da música.
PP: Porque o cenário do reggae e rap é tão discriminado?
MV: O rap e o reggae surgem do negro, da periferia e a necessidade de um grito, a voz de um povo e dessas mazelas do dia a dia, então automaticamente alguém que não come, dificilmente vai falar sobre banquete, pois falar sobre sofrência para quem está feliz, as vezes não é tão interessante, então durante muito tempo o rap e o reggae eles falaram das dores num país que muitas vezes não queria ouvir aquilo. Então o rap se atentou primeiro que o reggae e percebeu que tinha outros temas para falar, o reggae continua na mesma temática, que dificulta a popularização do gênero.
PP: Você mudaria seu estilo musical em relação a dinheiro?
MV: Eu não conseguiria fazer isso, não daria certo. O meu coração está no social, no reggae, no hip hop, nessa militância, mas só que somos movidos a vários sentimentos, então em algum momento da minha vida eu possa fazer outro tipo de música, pois é o momento, agora só pela grana, nunca.
PP: Em algum momento já sofreu preconceito?
ND: Ainda sofro preconceito, já passei em época de escola, o racismo é estrutural, minha própria saída do programa, com a porcentagem que foi esta ligada ao racismo. Existe muito racismo na TV brasileira.
MV: Vários. O fato de ter os dreads, faz com que as pessoas pensem que eu sou viciado em maconha, e quando eu falo que nunca provei, elas se questionam, como assim você nunca provou, mas você tem os dreads, eu falo que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. De vez em quando a galera olha com certo desdenho, quando estou com a galera do rap, eles me acham muito reggae, e quando estou com a turma do reggae, me acham muito rap, em alguns momentos isso é positivo em outro negativo, o ser humano tem a necessidade de se rotular e rotular o outro. Agora o preconceito por eu ser negro foi muito pouco, agora os dreads e as tatuagens causa desconforto na galera nas ruas. Por isso eu luto, e minha luta é pela união.
PP: Quando você acha que a cor da pele será apenas um detalhe para o ser humano?
ND: Falta mudar todas as estruturas sociais, política pública, você precisa acender não só o negro, mas todas as comunidades carentes, enquanto isso não acender nos postos de trabalho, não vamos ter o respeito que é preciso. O preconceito está voltado a uma questão social e não racial.
MV: Quando começar a entender que é um ser humano, quando parar de discutir gênero, orientação sexual. Quando eu digo em parar de discutir é porque o coletivo já entendeu que precisamos discutir o macro, hoje é muito importante discutir tudo isso, precisamos fazer isso, mas quando olhamos para o micro, esquecemos do macro. Quando o ser humano entender e lutar por isso, aí ficará tudo mais fácil.
PP: Sofre muitos ataques em redes sociais?
ND: Alguns. Existem muitos corajosos por trás de uma tela de computador e eles se incomodam com questões que não querem pensar, aquilo gera uma irritação, a internet é terra de ninguém, se nem na vida real a justiça é feita como se devia, imagina se na internet vai ser feita, e as possibilidades de isso melhorar é muito longínqua.
PP: O que acha do feminismo?
ND: Necessário. Eu tenho horror do termo “mimimi”, todos os eixos da sociedade que sofreram de alguma forma, como a mulher, que até conseguiu votar, entrou no mercado de trabalho, a gente ainda está nesse processo, é super necessário falar sobre isso. Existe uma galera que é muito boçal, tem preguiça de pensar, o “mimimi” eles resumem em três silabas toda a boçalidade deles, toda falta de cultura, pois não sabem debater sobre o assunto. Falta bastante para as mulheres terem o respeito que merecem e para angariar os passos que elas almejam. E para a mulher negra é dez vezes mais difícil tudo isso, na pirâmide salarial estamos abaixo da base.
PP: Já passou alguma situação desconfortável com a polícia militar?
MV: Já passei, mas muito menos do que eu imagino que poderia acontecer. Quando passa uma viatura, as vezes até encaro, eu não uso drogas, eu não tenho passagem, eu não estou portando nada. Eu ando forte na rua, minha postura, meu olhar, então é mais tranquilo.
PP: Se arrepende de algo que tenha feito na vida?
MV: O sentimento de arrependimento para mim não rola, porque eu sempre vejo algo que eu errei como aprendizado, sempre aprendo. A partir do momento que houve um erro, é um aprendizado.
PP: Como enxerga o cenário político atual?
ND: Um show de horrores, para você ser político, não adianta, você precisa fazer conchavo e isso nunca fiz na minha vida, então não defendo nenhum ponto de vista de alguém que quis ser figura pública nesse ambo eletivo. Jamais me candidataria para algum cargo político, eu não tenho estomago para esse mundo, eu gosto de acompanhar, mas de fora.
MV: Precisamos ouvir um ao outro, vivemos num momento em quem torce para o vermelho deve odiar o azul e vice e versa, e acredito que nos dois lados tem ideias positivas, só precisamos entender o que queremos discutir primeiro, eu me identifico com a esquerda, mas infelizmente hoje não tem nenhum partido que podemos definir como esquerda. E quando você fala que é de esquerda, já rotulam você sendo do PT e não vejo o partido sendo de esquerda a muito tempo. Na política tem uma questão simples de entender, quando falamos de partido, é difícil enxergar o inteiro da coisa com algo que já tem esse nome, eu não gosto de levantar bandeira de nenhum partido, todos os lugares têm pessoas bem e más intencionadas. As pessoas compram o discurso de mudança, mas não para avaliar que tipo de mudança será essa, para quem vai mudar?
PP: Recentemente se solidarizou com as vítimas do desmoronamento do prédio em São Paulo. Porque teve essa atitude?
MV: Por vários motivos, sempre tive uma afinidade com isso, projetos sociais, periferia, com negro, todas essas bandeiras, eu e a Nayara nos encontramos lá, não foi nada combinado, tinha dia que ela estava e eu não podia estar, queríamos ajudar de alguma forma. Não cheguei dormir no local, mas fiquei virado. Em um dia levei minha filha e minha mãe até lá, queria que minha filha tivesse esse contato com a realidade, ela tem teto, comida, não passa necessidade, graças a Deus, mas achei que seria importante ela ver crianças menores que ela e da mesma idade que estava dormindo com a mesma roupa há muitos dias, levei elas por conta disso. Fiquei indignado ao chegar no local e ver crianças, mulheres grávidas, idosos, dormindo ao relento.
ND: Eu já trabalhava com movimento de moradia, eu já usava da mídia livre para trabalhar em função desse movimento, mas muito mais relacionado a ocupação Mauá, uma ocupação muito respeitada em frente à Estação da Luz, em relação ao pre´dio do centro, fui, pois, se tratava de moradia.
PP: Após o acidente acha que o assunto moradia terá melhorias?
ND: A moradia no país é terrível, a maioria dos lugares não tem saneamento básico, espero que façam alguma coisa, sempre espero, os projetos de moradia não são eleitorais, são eleitoreiros. Eles ofereceram um vale de R$ 400, você não recupera sua vida com esse valor na cidade de São Paulo.
MV: O mais positivo de tudo isso é o questionamento, falar sobre, trouxe mais uma vez à tona. Eu tenho um álbum chamado “Alquimia Sonora” tem uma música que chama “Tristeza” que fala sobre ocupação, lancei esse disco em 2015, que fala exatamente sobre essa situação que vivenciamos. Tinha pessoas que entendiam eu estar ali, mas havia outras que falavam que era feio, estava ali para fazer média. Enquanto tiver pessoas sem casa e comida, teremos assuntos que devem ser falados.
PP: Mesmo com tanta dificuldade na vida, o Viegas se considera um cara feliz?
MV: Demais, sempre fui, minha felicidade está relacionada a coisas simples.
PP: O que a sociedade significa para você?
MV: A sociedade é uma corrida sem freio, onde as pessoas acreditam que deve haver um vencedor e que esse vencedor precisa acumular mais que o outro para se sentir vencedor. O marido está em casa disputando com a esposa para ver quem ganha mais, você entra no ônibus quer sentar na janelinha, estamos disputando com nossa mãe, com nosso irmão, com seu amigo, as pessoas querem te ver bem, mas nunca melhor que elas.
PP: Quando a periferia terá voz na sociedade?
MV: Já tem, mas não falando assuntos que importam. A base do preconceito em relação a periferia é a falta de informação.
PP: O que é apimentar para você?
ND: É falar sobre as coisas que as pessoas não querem ouvir, sobre coisas que elas se recusam a pensar, seja por preguiça ou por ignorância, apimentar é fazer o que todo um sistema quer que a gente não faça
MV: Apimentar é você de alguma maneira surpreender, é perguntar o que não querem responder e você responder o que não quiseram te perguntar, e se colocar em um lugar onde ninguém te queria, isso pra mim é apimentar.
Ficha Técnica
Texto – Paulo Sanseverino
Fotografia – Eduardo Neratika e Claudia Lopes (Estúdio Viva)
Maquiagem – Amanda Lucci
Styling – Lucilene Candido
Acessórios – Turbantes Perfecta e MIVEST
Ela veste – Ateliê Heaven Couture / Ele veste – Camargo Alfaiataria