OS TIK-TOKERS DO SÉCULO 19: TRUQUES DE EDIÇÃO POPULARIZADOS NAS REDES SOCIAIS REMONTAM AOS PRIMÓRDIOS DO CINEMA

SE NÃO TUDO, PODEMOS NO MÍNIMO DIZER QUE DEVEMOS MUITO AO CINEMA, OS JOVENS QUE ARRECADAM FORTUNAS COM VÍDEOS DESSE TIPO, ENTÃO, NEM SE FALE
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16.05.2022

Divulgação / Reprodução

A pessoa começa o vídeo com uma roupa, dá um pulo e, como num passe de mágica, já está com outra roupa completamente diferente. Ou então abaixa rapidamente a cabeça e, ao levantá-la de novo, o cabelo ressurge com outra cor ou outro penteado. Há também os casos em que o que muda repentinamente é o local onde a gravação está acontecendo. Os exemplos são inúmeros e pipocam nas telas de nossos dispositivos móveis a todo momento. São vídeos curtos, normalmente com poucos segundos de duração, cuja graça maior é criar a ilusão de algo mágico ocorrendo diante de nossos olhos. Muitos viralizam rapidamente e estão presentes em stories, reels e postagens de diversas redes sociais.

AS CHANCHADAS DE HERBERT RICHERS

O que muitos não sabem é que o truque de edição utilizado para se atingir esse efeito é tão antigo quanto o cinema. Embora seja comumente associada a filmes em animação, a técnica conhecida como “stop motion” surgiu ainda nos primórdios do que viria a se tornar a Sétima Arte, sendo popularizada já por seus primeiros grandes diretores, como a francesa Alice Guy (1873-1968) e seu compatriota, George Méliès (1861-1938) – este considerado o pai dos efeitos especiais. Consiste, basicamente, em interromper a gravação e retomá-la em seguida com alguma mudança na composição do quadro anterior. É nessa hora que a pessoa muda de roupa ou de penteado, por exemplo. Depois basta fazer o ajuste fino no momento da edição. Se a marcação das posições diante da câmera forem bem executadas pelo (a) modelo em cena, a ilusão é criada para o espectador.

ALICE GUY
GEORGE MÉLIES

Em um de seus primeiros filmes, ‘O Desaparecimento de uma Dama no Teatro Robert Houdin’, de 1896, Méliès, que sendo ilusionista de origem apostou no cinema como forma de expandir seus truques, já explora a técnica algumas vezes. De início, faz uma mulher desaparecer. Em seguida, ao tentar desfazer a magia, tem uma surpresa, para logo depois, enfim, recolocar a voluntária em cena. Três usos de “stop motion” em cerca de um minuto – era a duração padrão dos filmes durante os primeiros anos do cinema. Confira:

Quatro anos depois, em ‘O Desnudar Impossível’ (1900), em pouco menos de dois minutos Méliès se vale da técnica em incríveis 20 momentos, num ritmo de cortes completamente incomum à época. O resultado é um dos seus filmes mais hilários, em que testemunhamos a angústia crescente de um homem (interpretado pelo próprio Méliès) que só quer tirar suas roupas para dormir, mas as percebe ressurgindo em seu corpo a cada peça retirada. Assista:

As refilmagens também são tão antigas quanto o próprio cinema, na verdade até bastante comuns em sua era primitiva. Sendo assim, apenas três anos após a produção de Méliès, Alice Guy refez a história do homem que não consegue se despir. Sua versão, ‘Como o Senhor Toma Seu Banho’ (1903), é mais curta, durando em torno de um minuto, e nela, como o título já diz, o protagonista tenta tirar suas roupas não para dormir, mas para banhar-se. Os cortes, porém, embora em menor número (nove), são mais refinados e os movimentos do ator (Ferdinand Zecca) mais sincronizados, causando uma impressão melhor ao espectador, o que demonstra a rápida evolução das técnicas cinematográficas naqueles primeiros anos. Veja:

Pouco tempo depois, em ‘A Caridade do Mago’ (1905), Alice Guy nos mostra um mágico que decide ajudar um senhor necessitado provendo a este uma grande refeição através de seus dotes especiais. Com sua veia dramática despontando cada vez mais, Alice faz dos efeitos, utilizado apenas sete vezes, somente um meio para se chegar a uma importante lição de moral ao fim dos três minutos deste filme. Confira:

Méliès também seguiu aperfeiçoando a execução do “stop motion”, valendo-se do artifício para realizar truques de ilusionismo mais complexos e ousados para serem exibidos em seu teatro. Basta comparar ‘O Desaparecimento de uma Dama…’ (1896) com ‘As Cartas Vivas’ (1905), produzido quase uma década depois. Em dois minutos e meio, há 11 cortes, sendo que em parte deles Méliès adiciona à técnica o efeito de transição, quando uma imagem sucede a outra gradualmente. Como o cenário e a câmera permanecem iguais, mantém-se a ilusão de uma mágica acontecendo, mas agora de forma menos repentina. Apesar da cena parecer ter um desfecho previsível, Méliès consegue nos surpreender uma vez mais. Assista:

Se não tudo, podemos no mínimo dizer que devemos muito ao cinema. Os jovens que arrecadam fortunas com vídeos desse tipo, então, nem se fale.

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